10 jul, 2023 - 22:57 • Filipa Ribeiro
Augusto Mateus foi ministro da economia no Governo de António Guterres, atualmente é professor no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. Em entrevista à Renascença à margem do encontro Fora da Caixa, da Caixa Geral de Depósitos, em Elvas explicou a importância de se olhar para o investimento e o crescimento económico a longo prazo e não apenas na procura de resolver problemas do presente.
O professor sublinha a necessidade de se investir no futuro, mas onde é que se deveria estar a investir mais?
Nós não nos podemos virar para dentro. Nós temos que ser completos, ser completos e pensar, estamos em Elvas e devemos pensar em Elvas e em Portugal, mas Portugal e Elvas são na União Europeia devemos por isso pensar na União Europeia. E Portugal, Elvas e a União Europeia são no Planeta Terra.
Temos que pensar nisso tudo! Porque há coisas que nós só resolvemos à escala planetária. Há coisas que nós só resolvemos à escala da União Europeia. Há coisas que nós só resolvemos à escala de Portugal. Há coisas que nós só resolvemos à escala de Elvas e algumas dentro de Elvas a uma escala ainda mais baixa.
E, portanto, é essa articulação entre o que é específico que nós temos que fazer de uma forma muito mais sábia. E aí a cultura, a criatividade, o conhecimento são muito úteis. Qualquer pessoa percebe que não tem especial valor comprar uma máquina e fazer uma peça com essa máquina é absolutamente igual a qualquer outra peça feita em qualquer parte do mundo. O que é que tem valor? O que tem basicamente aquilo que é aportar soluções.
Pensar mais naquilo que somos e que podemos ser e não naquilo que temos. A propriedade não define a qualidade das pessoas. São os seus valores, os seus modelos de vida e, portanto, nós temos oportunidades agora, na organização desta economia que começa nas pessoas.
Nas suas necessidades nas cidades e nos Campos, na mistura entre as cidades e os Campos, na mistura entre a Ásia, as Américas, a Europa e África essa diversidade representa uma enormíssima oportunidade para criar mais valor e para puxar o mundo todo para cima de uma forma mais sustentável, com menos desperdício. E, portanto isso faz-se, obviamente, sacrificando parte do presente a favor do futuro.
Nós temos uma crise de segurança social razoável, não muito falada, mas temos um modelo de repartição que não garanta aos mais novos o nível de proteção na reforma que os mais velhos têm, isso é preocupante.
A maneira de resolver isso é obviamente não pensar apenas em casa, por exemplo, uma coisa é fazer casas, fazer prédios, outra coisa é fazer habitats, fazer formas de vida que obviamente tem que ter casa, tem que ter prédio, mas que são completas do ponto de vista da qualidade e, portanto, não há milagres nesta matéria económica e nesta matéria económica para crescer mais e melhor de forma mais inteligente, mais sustentável, nós temos que investir muito mais e, portanto, temos que sacrificar durante algum tempo. Não para piorar a nossa situação, mas para garantir um futuro muito melhor.
Olhando para a necessidade de ver Portugal como parte da Europa. Temos estado a sofrer com o aumento das Taxas de Juro que o Banco Central Europeu já disse que vai voltar a acontecer em Julho e provavelmente em Setembro. Estas decisões do Banco Central Europeu são viáveis tendo em conta o impacto que a subida Taxas de Juro têm na vida dos cidadãos?
Nós temos inflação e quando temos inflação, tem que haver políticas macroeconómicas de combate à inflação. Quando você tem uma doença, procura um tratamento eficaz para essa doença. Se o tratamento provoca algumas dores, você não deixa de fazer o tratamento e, portanto, nós não podemos querer certas coisas e não querer outras.
Portugal avançou dramaticamente no modelo de habitação baseado na compra de casa com taxas de juro variáveis num período em que as taxas de juro eram baixas. Não se poderia pensar que as taxas iriam ser baixas até o fim dos anos. Era um risco grande pensar que as taxas seriam baixas durante 50 anos,30 anos. Fomos longe demais. Foi por esse risco que em muitos países europeus, os créditos hipotecários de habitação têm taxa fixa.
As taxas mais baixas foram úteis no presente, mas não no futuro. Estamos agora a sofrer com isso e, portanto, nós temos que reduzir a inflação, porque quem é que sofre mais com a inflação? Os que têm menos poder econômico, os que têm menos poder reivindicativo, os tem menos capacidade de desenvolver ações, maior produtividade, maior valor. E, portanto, nós não podemos querer sempre o tratamento que dá menos dor. Nem podemos querer sempre ser ouvidos porque choramos mais ou porque falamos mais alto. Nós temos que enfrentar com alguma sabedoria e alguma tranquilidade os problemas sérios que temos .
A crítica a fazer ao Banco Central Europeu é ter começado a combater a inflação demasiado tarde. Durante a pandemia criámos moedas em número desnecessário, porque as pessoas não consumiam. Criamos 5 triliões e meio de moeda. E, portanto, produzimos no passado recente muitos desequilíbrios e o pior que podemos fazer agora é não corrigir esses desequilíbrios.
Um dos maior investimentos em vista em Portugal é um novo aeroporto. Nesta discussão entre margem norte ou margem sul o que defende? Teria uma construção na margem sul mais impacto no interior, ou Alentejo?
A discussão está muito inquinada, não é para discutir margem sul ou margem norte. É uma discussão sem pés nem cabeça . É obvio que com o atraso que temos que o aeroporto se deve construir em terrenos públicos, com aptidão.
Se virar o mapa ao contrário, Lisboa é uma das grandes capitais europeias com maior cintura ecológica. Você quer servir uma coisa que tem norte e tem sul e tanto não tem que discutir entre Norte e Sul, tem que discutir é, digamos, onde é que você pode fazer o mais depressa possível, com maior flexibilidade o melhor aeroporto e a localização é absolutamente secundária.
Sobre o interior, grande parte do problema é a falta de colaboração entre as regiões, não é a falta de dinheiro. O que temos de fazer é colocar as nossas regiões a trabalhar umas com as outras e não estar sempre a financiar.
Estamos a poucas semanas da Jornada Mundial da Juventude. Será este um grande evento com retorno financeiro real para o país?
A trazer retorno e grande é a longo prazo . A lógica de fazer coisas para retorno imediato não faz sentido quer em eventos religiosos ou turísticos. Nós precisamos de um retorno e de uma acumulação tranquila de recursos. De uma acumulação tranquila de força de sabedoria, de conhecimento, de capacidade para mudarmos para melhor o nosso país.
Se a nossa procura for sempre a sexta-feira à noite, retorno imediato, o fim-de-semana, o presente, podemos ter um fim-de-semana bom, alguns dias bons no presente, mas seguramente hipotecamos o futuro.