07 mar, 2019 - 00:00 • Graça Franco (Renascença) e Helena Pereira (Público)
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A União Europeia (UE) "não foi o primeiro projecto de integração de Estados na Europa e muito provavelmente não será o último", defende o eurodeputado do PCP João Ferreira, que se candidata a um terceiro mandato, em entrevista à Renascença e ao jornal “Público”.
Esta semana foi marcada por dois acontecimentos onde o PCP está cada vez mais isolado. Começando pela Venezuela, como vê este apoio único de Cuba, China e Rússia ao ditador Maduro contra a União Europeia?
A UE não tem uma opinião única sobre a Venezuela. Nem todos reconheceram o Presidente [Juan Guiadó] que foi reconhecido de imediato pelos EUA, Brasil e Colômbia e ainda bem que não o fizeram porque vai ao arrepio do que é o Direito Internacional. Dos 194 países membros das Nações Unidas, apenas 40 o reconheceram.
Reconhece-se nos valores de Nicolás Maduro, que coloca na prisão opositores, não deixa haver uma imprensa livre?
O essencial, nesta fase, é dizer que independentemente da opinião que cada um tenha da situação interna na Venezuela, a convivência entre nações rege-se pelo Direito Internacional e esse Direito Internacional foi espezinhado com esta atitude quer dos EUA, quer de alguns países da UE como, infelizmente, Portugal. Creio que temos vários exemplos no passado de situações em que nos venderam determinado tipo de intervenções com fins humanitários ou visando restaurar ou implantar condições de democracia e vemos naquilo que deram, como o Iraque, Síria, Líbia, Afeganistão, na própria Jugoslávia. Creio que são situações ainda demasiado próximas para que nos possamos dar ao luxo de nos esquecermos do que foram as consequências dessas intervenções. Não queiramos fazer da Venezuela um novo Iraque, nova Líbia ou nova Síria. Compete aos venezuelanos sem interferência externas decidirem de forma livre e soberana o seu destino. Não podemos pretender que só há democracia quando ganham aqueles de quem gostamos. Isso é um conceito um bocadinho pobre de democracia.
Revê-se na situação política interna da Venezuela ou quer distanciar-se de algum fator?
Se me pergunta como olho para as últimas duas décadas de vida na Venezuela, creio que houve uma evolução notória dos indicadores de desenvolvimento humano ano nível da saúde, educação. Isto não deve ser menosprezado. As riquezas nacionais passaram a ser redistribuídas de outra forma. Há uma situação, hoje, de extrema dificuldade que resulta de uma evolução mais recente onde pesam fatores externos como o bloqueio económico e algumas opções tomadas no plano interno, como facto de a economia estar muito focada no petróleo. Se Portugal tivesse, hoje, um bloqueio económico como o que é imposto à Venezuela ficaríamos numa situação extraordinariamente precária sem que daí se possa concluir, obrigatoriamente, que isso resultou de uma atitude desastrosa das autoridades nacionais.
Sente-se enganado pelo ministro das Finanças quando este disse que, a propósito da venda do Novo Banco (NB) à Lone Star, que os contribuintes não iriam pagar mais nada?
Todos os portugueses têm razões para se sentirem enganados não apenas por Mário Centeno, por este Governo, mas também pelo Governo anterior. O Governo anterior decidiu a resolução de um banco que implicou 4 mil milhões de euros de custos para os contribuintes. Fruto da solução que foi encontrada por este Governo e que vinha na continuidade da solução que o Governo anterior preconizava, estamos confrontados com uma venda que pode levar os contribuintes a despender até 8 mil milhões de euros e eventualmente ainda mais.
São 8 mil milhões despejados em cima de um grupo privado estrangeiro para nós ficarmos sem uma coisa que era nossa. Normalmente, quando se vende alguma coisa, damos essa coisa e recebemos dinheiro em troca. Neste caso, dá-se esta bizarria de prescindirmos de um banco e ainda pagarmos 8 mil milhões de euros, pelo menos. Este Governo que devia ter posto em causa a decisão que o Governo anterior tinha tomado não o fez. Usou como desculpa o acordo que o Governo anterior tinha feito com a UE para fazer um negócio ruinoso para o Estado. O que era possível e ainda é possível neste momento é percebermos a importância de recuperarmos o controlo do Novo Banco.
Acha que ainda é possível?
Sim. Foi do suor dos trabalhadores portugueses que saíram esses 8 mil milhões de euros. Estávamos numa situação em que se juntava a fome à vontade de comer. A UE queria que entregássemos o banco a um grande grupo espanhol e do lado do Governo português, do anterior e também deste, não havia a vontade de aproveitar a intervenção pública que foi feita no NB para alargar um pólo público bancário.
O primeiro-ministro defendeu a constituição de uma comissão de inquérito sobre a atuação do Banco de Portugal no caso do Grupo Espírito Santo e do fundo de resolução para salvar o NB. Acha que isso é para desviar as atenções das responsabilidades do Governo ou acha que também é necessário examinar a atuação do Banco de Portugal?
Acho que, em grande medida, serve para desviar as atenções não apenas das responsabilidades do Governo, mas do fundamental do problema que é percebermos a importância de não perdermos mais este banco, conservando-o na propriedade pública alargando um pólo público bancário que tanta falta nos fez ao longo dos anos.
Tem dito que, na Europa, há três grandes problemas que o país enfrenta que se relacionam: a questão do euro, a questão da banca e a questão da dívida. O PCP é o único partido hoje a defender uma reestruturação da dívida?
Não sei se é o único. O PCP defende-o há vários anos. Temos vindo a seguir um ritmo de redução da dívida determinado pela UE em função dos interesses dos credores. Podia ter-se reduzido mais se tivéssemos tido uma política que apostasse no crescimento, na redução da dívida graças ao crescimento económico e não à custa do crescimento económico.
A Europa como está a ser desenhada, a seu ver, não irá conduzir a mais prosperidade de Portugal? É um obstáculo?
Isso é uma evidência. Não é matéria de opinião, mas de facto. Tivemos em 2017 um crescimento económico de 2,8%, que quase pareceu razoável depois de uma recessão de seis anos e de uma perda de riqueza brutal. Logo no ano a seguir, temos 2,1%. As perspetivas da Comissão Europeia para 2019 apontam para 1,7%. Isto não é outra coisa que não o regresso ao crescimento médio dos anos do euro. Ora, "um vírgula qualquer coisa" é comprometer claramente as possibilidades de desenvolvimento do país.
Sente a Europa como um obstáculo ao desenvolvimento?
A Europa, não, a União Europeia, sim. As regras da UE hoje e os seus constrangimentos estão claramente a comprometer o pleno aproveitamento das potencialidades nacionais. Portugal vive muito abaixo das suas potencialidades e das possibilidades do país.
Defende acabar com a UE?
Não, pensamos que é possível construir na Europa um outro projecto de cooperação entre Estados diferente da UE. A UE não foi o primeiro projecto de integração de Estados na Europa e muito provavelmente não será o último.