02 mai, 2017 - 12:15 • João Carlos Malta , Marília Freitas (imagem)
Em pequena eram as leituras dos livros sobre os pastorinhos e as aparições de Fátima que lhe enchiam o imaginário. Eram essas as histórias que a comoviam e a faziam pensar. Em Ponte de Lima, uma vila minhota com uma grande prática religiosa, vivia com fervor o catolicismo.
Para Fátima, tudo começou no próprio nome. A madrinha, uma crente indefectível, não quis ligar a um possível acaso, o de a menina nascer em Abril e ter sido baptizada em Maio (mês da primeira aparição no ano de 1917). O nome tinha de ficar gravado com fé.
Os anos passaram e Fátima deixou de ser só o nome que tinha no bilhete de identidade. Os relatos de que Francisco, Lúcia e Jacinta atavam cordas à cintura para se sacrificarem fizeram-na pensar: “[por mais] sacrifícios que fizesse no mundo, na minha vida toda, seria pouco”.
A ideia do sofrimento dos três meninos que nasceram em Aljustrel, Ourém, tocou-a de forma tão profunda que, aos poucos, a ideia de que os filhos teriam de ter o nome dos videntes foi-se encrustando.
“Eu sempre disse isto aos meus amigos, isto não tem nada que ver com o casamento, nem com namoros. Desde pequena que digo que se um dia casasse tinha de ter três filhos. Não sabia se seriam três filhas ou três filhos, mas Deus concedeu-me esse milagre”, conta Fátima na casa de família na freguesia da Correlhã, em Ponte de Lima.
Fátima acabou por ter quatro filhos, mas os três primeiros foram duas meninas e um menino. Não nasceram pela mesma ordem dos pastorinhos. Primeiro veio Lúcia, depois Jacinta e, por fim, Francisco. “São o meu ouro.”
Uma protecção divina
Acredita que o facto de ter dado aqueles três nomes àqueles filhos funciona como uma “protecção de Nossa Senhora.” “Se eu lhe pedir uma coisa, ela é-me concedida”, diz.
“Muitas vezes digo ‘Nossa Senhora, fazei assim’ e isso acontece. E eu pergunto, porquê? É um mistério.”
A mulher, quase a completar 69 anos, diz que a decisão gerou muitas reacções dos vizinhos. Umas positivas, outras negativas. Por parte do padre da freguesia recebeu “amor e um carinho imenso”. Mas nem todos viram aquela manifestação da mesma forma.
Fátima diz que não é pessoa de responder a provocações e que é das que choram quando se apanha sozinha. Lembra que sofreu muito na época.
“Havia quem dissesse que eu pensava que era uma santa. Paguei muito caro por pôr estes nomes, mas a fé que tenho em Nossa Senhora não tem só a ver com Nossa Senhora de Fátima. É uma fé minha e só minha”, esmiuça.
Rodeada dos filhos, Fátima não contém as lágrimas. Lúcia, de 43 anos, interrompe e aligeira o tom. Lembra que o seu nome e o dos irmãos sempre foi motivo de curiosidade. “As pessoas ficam sempre surpreendidas. Em primeiro lugar, porque não é muito comum. Na infância, acabávamos por ter orgulho quando o mencionávamos”, recorda.
“Nunca senti que as pessoas reprovassem os nomes. Achavam giro porque vivemos numa comunidade muito religiosa e isso nunca foi nenhum tipo de constrangimento ou de chacota, pelo menos connosco. Aqui as pessoas têm muita fé em Nossa Senhora de Fátima e sempre tive orgulho”, reafirma Lúcia. Aliás, as memórias mais fortes são de que até era “tratada de forma especial, mesmo na escola, pelos professores – uns crentes, outros não crentes”.
Jacinta fala também deste lado positivo que o peso dos nomes lhes trouxe. Começa por dizer que sempre foi muito devota de Nossa Senhora. “Identificávamo-nos com a história e com a envolvência”, relembra.
Apenas lhe ficou uma pequena mágoa que conta agora, entre risos. Na altura, em Ponte de Lima, havia a procissão da Nossa Senhora da Boa Morte. Os figurantes seguiam Nossa Senhora e os pastorinhos. “Nunca nos escolheram. Chegámos a fazer a avaliação das vestes, mas depois escolhiam outros.”
Lúcia diz que muitas vezes a escolha tinha a ver com promessas, mas Jacinta interpõe: “Não interessa. Não percebíamos como é que, tendo nós com estes nomes, não nos escolhiam.”
Francisco confirma a faceta religiosa da família e dá-lhe uma explicação sociológica. “Hoje temos tecnologias e a informação. As crianças têm acesso a brinquedos que nós não tínhamos aqui na aldeia, então a nossa infância foi feita em grupos de jovens. Não havia mais nada para fazer. Ajudávamos os pais, íamos à catequese e andávamos nas escolas. A parte social era na igreja”, identifica.
Lúcia, Jacinta e Francisco dizem que se identificam com a história das aparições, apesar de a ligação que o nome lhes dá ao fenómeno não ter feito com que aprofundassem o conhecimento sobre os acontecimentos de 1917 em Fátima.
Além da “história de base”, que dizem conhecer, a devoção aprofunda-se com algumas idas ao Santuário de Fátima. “Sempre que posso vou”, garante Lúcia.
Maio, sempre Maio
Ainda assim, mesmo agora, já com todos com idades entre os 39 e os 43 anos, a singularidade da conjugação de nomes é ainda muitas vezes tema de conversa.
“Eu conto. Sim, digo que somos os pastorinhos. Quando uma pessoa pergunta e dizemos o nome, vem logo a história”, conta Lúcia.
Os pastorinhos e a história das aparições de Fátima foram tão importantes para esta família que Lúcia, Jacinta e Francisco começaram a marcar as datas mais significativas para o mês de Maio. A isso somam-se nascimentos na família nesse mesmo mês.
“A minha mãe casou a 13 de Maio. O Francisco nasceu a 16 de Maio. A minha segunda filha nasceu a 28 de Maio. É muita coincidência”, afirma Lúcia. “Para muitos, o dia 13 é azar, mas para nós não”, acrescenta Francisco. Jacinta diz que gostam destas coincidências: “Queremos dar alguma religiosidade à questão e sermos protegidos por Nossa Senhora.”
A história de devoção, prometem, prosseguirá nas próximas gerações. “Tenho dois filhos e a minha filha chama-se Ana Lúcia. Quis que ela tivesse o meu nome. Não sei explicar. Eu associo muito à religião, à santa Lúcia e à Nossa Senhora de Fátima”, especifica Lúcia. “Os nossos filhos também acabam por viver este espírito.”