08 mai, 2017 - 13:40 • Teresa Abecasis
A história de Elvina Kamalyetdinova Dias começa no Uzbequistão, a seis mil quilómetros de Fátima, onde hoje vive. Foi para lá que a família dela fugiu durante a II Guerra Mundial, devido às perseguições aos tártaros da Crimeia, foi lá que ela acabou por nascer, há 35 anos. Com dez anos, os pais regressam à terra natal e Elvina aprendeu a chamar casa a uma cidade nova: Simferopol.
Nove anos depois, estava na faculdade a estudar Geografia quando um casal amigo lhe propôs uma viagem até um país que só tinha visto no mapa grande do auditório da universidade: Portugal.
“O objectivo não era ficar em Portugal, mas na altura [o país] legalizava os estrangeiros e a legalização dava para todo o espaço Schengen”, explica, sentada numa mesa do seu café, A Casa dos Pastéis. Elvina era jovem e sonhava com a oportunidade de juntar dinheiro para “um carro e para arrendar uma casa”.
Quando fala da viagem de Simferopol até Vilar dos Prazeres, no concelho de Ourém, os olhos de Elvina brilham como se de repente estivesse outra vez na pele da jovem uzbeque que vê coisas espantosas da janela de um “Fiat muito pequenino”. A viagem, cansativa, durou cinco dias, “mas podia ter durado mais cinco”.
“Eu achei a Alemanha superlimpa, todas as estradas limpas. Não havia nem um bocadinho de lixo. Em França, todas as pontes sobre os rios tinham vasos com flores. Lá, era tudo vandalizado logo. Janelas com flores, tudo muito bonito”, recorda.
Até Vilar dos Prazeres foi uma surpresa para Elvina: “Quando lá cheguei, era uma aldeiazinha, muito sossegada. Tinha uma casa normal, que para mim era uma casa de luxo. Nunca tinha estado numa casa com tão boas condições, com casa-de-banho dentro de casa, com água quente. Abrir a torneira e cai água quente. Foi muito bom.”
O primeiro trabalho de Elvina em Portugal foi numa padaria, com uma senhora que “falava tanto, tanto, tanto”. Essa mulher ensinou-a a falar português. Foi ali, a dez quilómetros de Fátima, que começou a ouvir falar do santuário. Nos dias 12 e 13 de Maio via as estradas cortadas e fazia perguntas.
“Explicaram-me que era por causa das peregrinações”, conta, “e quis saber mais, e foi aí que conheci Nossa Senhora de Fátima”. O que descobriu levou-a a converter-se. “Eu nasci num país muçulmano, os meus pais são muçulmanos, mas descobri que a religião católica é uma religião plena, a verdadeira para mim”.
O que é que a convenceu? “Eu sou livre hoje em dia. Não sou dependente de homem nenhum nem de nenhuma lei, a não ser a lei de Deus. Aquele que diz que tu podes fazer tudo, mas nem tudo te convém. Deus não nos obriga. Ele sugere”, diz, com um grande sorriso.
“Uma falência abençoada”
A história de João Dias, marido de Elvina, também passa por uma conversão, mas diferente. “Eu dei um tiro a um homem. Ele não tem uma perna, por exemplo. Eu era mesmo o dono do mundo. Eu… tinha um carácter forte”, explica.
João teve uma padaria em Caxarias com quatro balcões e fornecia vários supermercados na zona. O negócio corria-lhe bem e ele aproveitava: “Acho que dei o exemplo de tudo aquilo que não se pode nem deve fazer. E então, Deus chamou-me, tirou-me as seguranças todas.”
Gastava o dinheiro que tinha em mulheres e não controlava as contas. Um dia, a surpresa chegou na caixa do correio: “umas cartas do tribunal com uns carimbos luminosos, que era dos solicitadores a agarrarem todo o património, contas bancárias, tudo onde estava o meu nome”. João acabou por declarar falência. Acredita que foi isso que o salvou – a “abençoada falência”.
Um dia, depois de uma conversa com o advogado, estava a passar na auto-estrada junto a Fátima e viu a torre da Basílica de Nossa Senhora do Rosário. “Não sei como é que foi, saí e deixei o carro no parque 10. Parti o telemóvel para ninguém me chatear e fui chorar”, lembra. Naquele momento, percebeu que Nossa Senhora é a sua “melhor amiga”. “É aquela que nunca me deixou, mesmo quando eu a pus em segundo plano.”
Fátima acolheu-o no momento em que mais precisava, em que estava mais vulnerável. João viveu ali um ano “para se desintoxicar”. Passava os dias entre a casa e o santuário. No meio das conversas com os padres que o ajudaram, descobriu um novo sentido para a vida.
“Eu tinha um carácter forte, mas, entregando esse carácter a Jesus, e Ele comandando no sentido dele, aí funciona. Eu tenho coisas que nunca tive na vida.”
João vive com Elvina e as filhas em Fátima. É pasteleiro. Todos os dias, antes de começar a trabalhar, reza junto a um altar improvisado num canto da cozinha da pastelaria. “Abro a Palavra de Deus para perceber o que é que ele quer que eu vá fazer naquele dia. Às vezes, não percebo nada, mas às oito da noite, ou nove, quando chego à cama, percebo”.
Um bolo para o Papa Francisco
Na cozinha da Casa dos Pastéis, João prepara os “Pastéis de Fátima”, uma espécie de pastel da nata grande, em forma de coração. Na parte de baixo, na massa folhada, cada pastel tem desenhada uma cruz. “É uma homenagem minha, pessoa, à misericórdia de Deus. Ao Sagrado Coração de Jesus, àquele que tudo perdoa”, explica.
No balcão da pastelaria, está Elvina, sempre muito sorridente. O segredo? “Quando estou a trabalhar, ninguém se apercebe, ninguém sabe, a não ser eu e ele, que vou rezando, vou cantando dentro de mim. Quando estou a atender alguns clientes, até alguns mais difíceis, estou sempre a rezar para que Deus me dê ajuda para isto ou para aquilo”.
Elvina gostava de poder entregar um dos seus pastéis ao Papa, nem que fosse em segredo. “Gostava que ele comesse um bolo feito por mim e pelo meu marido, não precisava de ninguém saber, mas gostava que ele provasse. Tenho a certeza de que ele iria gostar muito.”
Depois do Uzbequistão e da Crimeia, e da viagem de carro pela Europa, Elvina não hesita quando diz que Fátima é o lugar ideal para viver. “Esta terra significa um pedaço de céu aqui na terra”.