08 mai, 2017 - 16:48 • João Carlos Malta
Para Tiago Gentil tudo começou com um drama familiar. O pai estava muito doente e a mãe prometeu ir a pé a Fátima se o marido melhorasse. O pai até recuperou, mas a mãe morreu sem cumprir a promessa. Tiago assumiu a promessa. Tinha 15 anos. Desde então, não parou mais.
Já perdeu a conta às vezes que foi até ao Santuário de Fátima tendo como ponto de partida Almada. De cada vez que fez os cerca de 140 quilómetros somou 2.500 euros – o valor que cobra a quem quer cumprir esta promessa.
É contactado por todo o tipo de pessoas que “se acha impedida de cumprir a promessa e se sente em falta”.
Tiago, baptizado e crismado, trabalha como segurança privado. Não acha estranho que as pessoas paguem para que ele cumpra as promessas que fizeram. Para ele é simples. “Ao pagar, essa pessoa está a despender do seu dinheiro. Para o ganhar, despendeu de tempo porque trabalhou”, começa por argumentar numa das respostas escritas que enviou à Renascença.
E reforça: “[A pessoa] está a prescindir da comodidade que esse dinheiro lhe podia dar. Está a despender do fruto do seu trabalho, pagando o meu tempo… É esse o seu sacrifício!”
Encontrar um pagador de promessas com um clique
Como é que se encontra alguém disposto a pagar promessas? Há quem use as igrejas para anunciar; quem passe a palavra através de padres conhecidos; e há os que preferem usar as ferramentas tecnológicas. No OLX, site de anúncios de compra e venda, uma pesquisa simples por “pagadores de promessas” mostra 13 pessoas que vendem esses serviços. Também no Custo Justo há anúncios do mesmo tipo.
Estão distribuídos de Norte a Sul do país, com maior número na Grande Lisboa e no Grande Porto. Garantem “não julgar” quem os contacta porque “apenas Deus o pode fazer”.
A Renascença fez várias tentativas para falar com quem tenha pagado para lhe cumprirem promessas, mas a resposta foi sempre a mesma: “As pessoas querem manter o anonimato.”
Apesar de esta ser uma prática com algum enraizamento na religiosidade popular, a directora de comunicação do Santuário de Fátima, Carmo Rodeia, é categórica: “Essa é uma prática validada por outros santuários, mas aqui em Fátima não o é. Não validamos essa prática.”
A mesma fonte remete para uma nota pastoral datada de Dezembro de 2016 em que o vigário-geral, o padre José Guarda, escreve: “O bispo de Leiria-Fátima reprova a transformação da devoção religiosa e das expressões de fé em produtos comerciais e o seu aproveitamento para fins lucrativos. O louvável é que as pessoas ou grupos se tornem gratuita e compassivamente intercessoras ou portadoras das necessidades, sofrimentos e preces dos seus irmãos nos santuários e outros locais de oração.”
Rezar um terço e ganhar 250 euros
A argumentação do bispo de Leiria-Fátima não demove Tiago, que define assim o que faz: “Carrego a promessa até que as forças me faltem, levando ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima o seu terço para ser abençoado. Carrego nas costas esta cruz, que será leve em bens materiais, mas pesada em espírito. Em cada Igreja rezarei o terço, colocarei uma velinha e uma esmola.”
Além dos 2.500 euros que cobra por cada peregrinação, rezar um terço também tem um preço: 250 euros. Já acender uma vela representa 25 euros no preçário de Tiago.
O dinheiro foi para António Albino a principal motivação para começar a pagar promessas de outros. Não tem vergonha de o admitir. Estávamos em 2015 e este homem de 53 anos ficou desempregado.
Acredita “um bocadinho”, mas “não é ferrenho”. Contudo, um familiar “100% crente” teve um acidente de mota, depois de ter feito uma promessa. Como não conseguia cumpri-la, pediu a António. Precisava de dinheiro e aceitou. Depois dessa, veio outra peregrinação – um homem que sofreu um AVC pagou-lhe para ir a Fátima. De cada vez, somou 1.800 euros.
A doutrina da Igreja Católica sobre as promessas é antiga e desobriga as pessoas em algumas circunstâncias das suas promessas. “Em certos casos, a Igreja pode, por motivos adequados, dispensar dos votos e das promessas”, lê-se no catecismo.
No mesmo livro, explica-se a origem das promessas para os cristãos, que em várias circunstâncias são convidados a prometerem a Deus. O baptismo e o crisma, o matrimónio e a ordenação já as pressupõem. Mas também podem ocorrer por devoção pessoal, em que o cristão pode prometer a Deus um qualquer acto, uma oração, uma esmola ou uma peregrinação.
“A fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade divina e do amor para com o Deus fiel”, diz o catecismo.
A moral e o pragmatismo
O lado comercial do cumprimento de promessas não faz qualquer confusão a António. Confessa que nem percebe as críticas. “Sou sincero, isto envolve dinheiro, mas é também um sofrimento. Uma pessoa vai a pé, vai sozinho, temos de comprar bom calçado e temos despesas também. Quem quer pagar, paga; quem quer fazer, faz. Isto não tem mal nenhum, não se está enganar ninguém e há coisas bem piores.”
Só lamenta que muitos não o entendam. “Muitas vezes recebo chamadas a gozar com o que faço e a criticar-me violentamente”.
Este pagador de promessas já fez contas e dos 1.800 euros que cobra desde Lisboa até Fátima, há pelo 400 euros de despesas.
Entre os pagadores de promessas, há, contudo, aqueles para quem a questão do dinheiro não é tão líquida. André (nome fictício) trabalha na TAP e não quer revelar o nome.
Diz-se um peregrino por convicção. Já ia a Fátima em grupo, antes de começar a pagar promessas por outros. Há três anos que paga promessas por outros, mas até agora nunca cobrou dinheiro. “A minha grande motivação é ajudar e que aquela pessoa se sinta realizada”, explica.
Para André, fazer uma promessa e cumpri-la é diferente de dizer a outro para a realizar. “Mas se uma pessoa já mais velha ou com um problema físico me pedir, porque não o fazer sem questionar?”
Não critica quem recebe dinheiro por cumprir promessas, mas ele teria de encontrar uma justificação. Isto apesar de ter colocado um anúncio no OLX em que pede dois mil euros para uma peregrinação. Esclarece que isso aconteceu “sem querer”, depois de incentivos de amigos. Garante que pensava que o anúncio nem tinha sido publicado.
“Posso até colocar anúncios e ter a esperança de que me telefonem, mas mesmo assim não sei se conseguiria receber. Teria de arranjar uma justificação que fizesse sentido para mim para moralmente poder aceitar o dinheiro”, explica.
E conclui: “Normalmente as pessoas que o pedem têm dificuldades e eu sinto-me mal de cobrar a pessoas que têm dificuldades.”
Se ele o faz eu também posso fazer
Ricardo Neves, tal com André, foi motivado a colocar um anúncio na internet por uma reportagem da TVI sobre o decano dos pagadores de promessas, Carlos Gil, que há mais de dez anos faz este tipo de peregrinação.
Aos 33 anos, Ricardo pensou: “Se ele consegue fazer eu também posso. Ainda para mais com os valores que dizia que lhe pagavam.”
Os 2.500 euros que Carlos Gil garante cobrar foram o maior aliciante para o anúncio que este jovem de Cascais colocou no OLX. “Pago as promessas por si. Valores a combinar, em função da distância pretendida e do tipo de promessa (….) Antigo escuteiro católico e peregrino”, diz o anúncio.
“Ainda ninguém me contactou, mas se me ligarem vou fazer”, conta. E tem um preço em mente: 1.900 euros.
Mais experiente é João Alberto, natural de Viseu, que aos 25 anos já tem pelo menos 15 peregrinações para pagar promessas de outros no currículo.
No momento em que falou ao telefone com a Renascença, estava a passar em Coimbra em direcção a Fátima. Também se desloca a Santiago de Compostela (Espanha) ou a Lourdes (França). Os preços variam, mas até o santuário português pede mil euros.
Se a promessa é mais complexa, envolvendo, por exemplo, carregar uma cruz, o valor pode aumentar. Tal como os outros colegas, valida a veracidade do trabalho que faz com fotografias ou com carimbos em cafés e igrejas em que vai parando.
João diz que conta com a ajuda de padres amigos para chegar aos que querem os seus serviços. Mas também põe anúncios em igrejas. Em relação aos que o procuram só tem um princípio: não julgar.
“Não pergunto sobre as motivações das pessoas, não sei porque decidem ou não fazer a promessa. Isso não tem a ver comigo, tem a ver com Deus. Simplesmente, limito-me a caminhar e a fazer aquilo que me mandam.”