08 mai, 2017 - 12:27 • Marta Grosso
Outubro de 1991. As cerimónias de Fátima chegavam, pela primeira vez, à Rússia, numa transmissão da RTP com acompanhamento da Renascença. Faltavam dois meses para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) chegar ao fim. Nunca os russos tinham ouvido falar na Mensagem de Fátima, até porque a religião era proibida na União Soviética. Além disso, não havia telemóveis, e-mails ou qualquer outra das tecnologias comuns de hoje.
“Lembro-me que tivemos um trabalho grande na Renascença”, recorda Henrique Mota, na altura director de Informação na Emissora Católica.
“Era uma transmissão televisiva e nós, Renascença, tivemos uma colaboração com uma rádio privada – que eu acho que não era pirata mas seria pouco mais do que pirata – na Rússia. Havia um senhor que falava português do Brasil, com o qual eu me correspondia e que às vezes me telefonava – nesse tempo as comunicações faziam-se de uma forma um bocadinho difícil – e foi extraordinário”, acrescenta.
A 13 de Outubro, Henrique Mota estava no estúdio da RTP em Fátima a acompanhar e comentar a transmissão das cerimónias religiosas ao lado de Carlos Fino, então correspondente da televisão em Moscovo e que tinha vindo a Portugal para esta ocasião especial.
“Foi muito importante, histórica e politicamente muito importante, e sinal decisivo da abertura [que estava já a acontecer na URSS]”, afirma o antigo director da Renascença. “A transmissão foi totalmente instrumental, no sentido de ajudar a explicar na Rússia o que tinha acontecido em Fátima, porque tudo era desconhecido lá."
Para a capital russa foi a enviada especial da Renascença Raquel Abecasis, cuja missão era perceber e transmitir a maneira como os russos viveram aquele momento histórico.
“Lembro-me que depois da transmissão das cerimónias se organizou um grande debate na televisão, no qual participaram, entre outras pessoas, D. Duarte Pio de Bragança”, conta na Manhã da Renascença.
Uma aventura na Sibéria
Numa altura em que a religião estava proibida, Raquel Abecasis decidiu aproveitar a deslocação a Moscovo para visitar a maior paróquia católica do mundo.
“A Igreja Católica era proibida na URSS e havia uma paróquia que era toda a Sibéria, que tinha sede na cidade de Novosibirsk, uma cidade do exílio, para onde eram deportados principalmente os intelectuais polacos”, começa por recordar.
A experiência “foi muito interessante, o pior foi o regresso, num voo naqueles aviões ‘teco-teco’ que caíam por todos os lados, que levantavam com as pessoas todas em pé, sem cintos de segurança e com as bagagens todas lá dentro”.
“De repente, começo a sentir uma grande agitação no avião e a perceber que algo não estava bem e o avião começa a fazer uma aterragem de emergência duas ou três horas antes do que era suposto. Quando dei por mim estava perdida algures na Rússia, como se fosse cega, surda e muda porque o alfabeto não é igual ao nosso, ninguém fala uma língua que nós saibamos e sem saber onde estava”, descreve.
Raquel Abecasis acabou por conseguir regressar a Moscovo, “algumas 24 horas depois, pelas mãos de alguém que, por gestos e sinais, me levou de volta a uma estação de comboio”. Já em Moscovo, mais um problema para resolver: conseguir um avião para Lisboa. Mas tudo se resolveu.
“Assistir a um momento de transição da História é um privilégio”, remata a jornalista.
“E lembro-me daquela época, os últimos dois meses da União Soviética. Era uma época em que não havia nada em Moscovo. Era a chamada época dos sacos de plástico, porque as pessoas saíam para a rua com um saco de plástico vazio, à espera do que se iria vender nalguma loja nesse dia e compravam o quer que fosse para depois poderem trocar por outros produtos que lhes fizessem falta”, recorda.
A URSS acabou a 26 de Dezembro de 1991. No dia seguinte, Mikhail Gorbachev renunciou e entregou o poder a Boris Yeltsin.
Num dos anos seguintes, Fátima recebe um grupo de peregrinos russos. “Lembro-me de estar no estúdio [no Santuário], na colunata, e ver que, entre os estandartes e bandeiras que vinham na procissão com as várias peregrinações oficiais, vinha a bandeira da Rússia. Isso era totalmente impensável”, lembra Henrique Mota.
Organizar uma visita papal “é uma dor de cabeça”
Henrique Neto foi um dos principais organizadores da visita de Bento XVI a Portugal, em 2010, e participou também na organização e preparação da vinda de João Paulo II, em 1991.
A visita de João Paulo II foi “verdadeiramente difícil, porque estávamos no tempo em que, imaginem, não havia faxes nem telemóveis nem e-mails” e o Papa ia visitar “a Madeira e duas ilhas dos Açores”, além de Fátima e Lisboa. “Era verdadeiramente difícil”, reconhece.
Mas, mesmo sendo “uma grande dor de cabeça” e sem os meios tecnológicos actuais à disposição, “conseguiam-se coisas que hoje praticamente seriam impossíveis”, realça o antigo director da Renascença.
“Lembro-me de numa reunião estarmos a verificar as dificuldades que havia para a RTP – que na altura era a única estação de televisão – poder fazer a cobertura, quer em Angra do Heroísmo quer em Ponta Delgada dos dois momentos, porque aconteciam no mesmo dia, e de repente eu disse – talvez com a candura de quem tinha 30 anos – só se nos puserem à disposição um C-130 para podermos fazer o transporte do material do Funchal para Ponta Delgada e os equipamentos que estão nos Açores poderem tomar conta de Angra do Heroísmo. E, perante o meu espanto, as pessoas com quem estava a falar levaram isto a sério – e na verdade era a única solução”, conta.
Por altura da visita de Bento XVI, em 2010, a organização portuguesa ajudou a romper alguma das tradições do Vaticano para as visitas papais.
“Propusemos à Santa Sé que tivéssemos também foto-repórteres e 'cameramen' portugueses nos grupos pequenos”. Por normal, o Papa viaja com um conjunto reservado de jornalistas, mas o Vaticano permitiu que alguns profissionais locais estivessem presentes em alturas especiais.
“Por exemplo, ir à torre na Basílica de Fátima e estar aos pés do altar, no Terreiro do Paço, quando o Papa vinha para a missa. Isso acabou por correr muitíssimo bem e em viagens seguintes voltou a ser praticado”, afirma Henrique Mota.
“As visitas do Papa deixam ficar um rasto e esse rasto, na comunicação social, não pode ser de antipatia porque houve um grupo de jornalistas privilegiados que vinham com o Papa e depois havia jornalistas de segunda classe que eram os locais. Isso foi um sucesso que se conseguiu a partir da viagem do Papa Bento XVI a Portugal”, destaca.
"[Na altura em que Bento XVI esteve em Portugal] Estavam cá os responsáveis da visita a Inglaterra para ver como se organizava. E depois acabou por ir uma pessoa da nossa organização dar apoio à organização inglesa, porque a nossa tinha corrido muitíssimo bem”, lembra ainda com satisfação.