09 mai, 2017 - 16:28 • Inês Rocha
COMO DALÍ VIU O INFERNO QUE OS PASTORINHOS VIRAM
Em 1960, o norte-americano John Haffert, fundador de uma associação internacional de fiéis conhecida por Exército Azul, encomendou um quadro ao pintor surrealista Salvador Dalí. A obra deveria partir da primeira parte do Segredo de Fátima, a Visão do Inferno, tal como a terão visto os três pastorinhos em 1917, na Cova Da Iria, em Fátima.
A encomenda transformou-se em muito mais do que um trabalho para o pintor espanhol. Ao estudar a mensagem de Fátima e a descrição das aparições, e ao se encontrar, alegadamente, com a irmã Lúcia, Dali converteu-se ao catolicismo, a religião da sua infância.
Mas o pintor guardou esta transformação para si mesmo, como explica o documentário “O Segredo de Fátima de Salvador Dalí” (2012), de Paul Perry.
"Dali definitivamente tornou-se mais religioso durante este período", explica Nicolas Descharnes, produtor do documentário e perito no trabalho do surrealista. "Mas escondeu-o das pessoas. Só um grupo especial de pessoas sabia da conversão de Dali e da sua rotina diária de missas e orações”.
Uma prova da sua conversão, diz o especialista, é o aumento na ordem dos 400% de arte religiosa criada pelo pintor desde que pintou a “Visão do Inferno”.
O quadro marca o regresso do pintor ao surrealismo, que marcou também os primeiros anos da sua obra.
UM "FÁTIMA MILAGROSA", DEZ ANOS DEPOIS DAS APARIÇÕES
Ao longo de 100 anos, a história de Fátima chegou algumas vezes ao grande ecrã. A primeira longa-metragem a abordar o tema, o filme mudo “Fátima Milagrosa” (1928), tem assinatura do italiano Rino Lupo e representa ainda a estreia de Manoel de Oliveira como actor. O histórico realizador português era, na época, aluno numa escola de representação que Lupo fundara no Porto.
O filme conta a história de Aninhas, uma jovem paralítica que pede um milagre à Nossa Senhora de Lourdes, na Penha de Guimarães. No entanto, como a sua oração não é ouvida, a jovem decide então juntar-se à multidão que caminha em direcção a Fátima. “Fátima Milagrosa” inclui largos excertos documentais da peregrinação a Fátima de 1927, dez anos depois das aparições, onde é possível ver o nível de devoção do povo naquela época e a multidão que enche a Cova da Iria.
O tema aparece, no entanto, em vários filmes ao longo da história, como “O Milagre de Nossa Senhora de Fátima”, feito em 1952 pela Warner Brothers, “O Dia em que o Sol Bailou” (1988), um filme de animação norte-americano com realização de Steven Hahn, e “Fátima” (1997), uma produção nacional que contou com actores como Joaquim de Almeida, Diogo Infante e Catarina Furtado.
Já 2017 é um ano recheado de filmes e séries relacionados com o tema: em Abril, João Canijo lançou “Fátima”; esta semana, são lançadas as séries de televisão “Jacinta”, da TVI, e “The Message of Fatima”, do canal católico EWTN.
A caminho estão o "remake" de “O Milagre de Nossa Senhora de Fátima”, um projecto internacional que junta várias produtoras norte-americanas, e "Fatima and the Secret Treasure”, uma animação em 3D que deverá ser lançada em 2018.
LÚCIA NUMA NOVELA
Se a literatura à volta dos acontecimentos de Fátima era já vasta, as comemorações do centenário das aparições marcaram uma forte aposta das editoras portuguesas no tema.
No último ano, foram publicados livros com análises religiosas, políticas e sociológicas ao fenómeno surgido em Fátima em 2017. Mas um dos mais surpreendentes foi o romance de José Luís Peixoto, que tem a irmã Lúcia como protagonista e relata, em forma de "novela", os acontecimentos entre Maio e Outubro de 1917 em Fátima. “Em Teu Ventre” foi lançado em Outubro de 2015. Em conversa com a Renascença, na altura do lançamento, o autor confessou que este foi um dos livros mais exigentes que escreveu.
Meses depois, outros dois autores portugueses lançaram romances baseados nas aparições de Fátima: Manuel Arouca publicou “Jacinta: A Profecia” (2016) e Nuno Lopes Tavares lançou “A Hora de Maria” (2017).
O MILAGRE NA VOZ DE ELVIS
A influência de Fátima na música é visível não só no reportório litúrgico como também na música mais popular, tanto em Portugal como no estrangeiro.
Exemplo disso é a canção que Elvis Presley gravou, em 1971, sobre o milagre de Fátima. Chama-se "The Miracle of the Rosary" e foi escrita por um amigo da família Presley, devoto de Nossa Senhora de Fátima: Lee Denson.
Também Tony Bennett gravou uma canção dedicada a Fátima, em 1950. O histórico cantor norte-americano fez uma versão de “Our Lady of Fatima”, a conselho dos seus produtores, já que esta música, da autoria de uma pianista amadora, tinha-se tornado um sucesso nos Estados Unidos.
Saiba mais sobre estas canções.
UM TERÇO NOS CÉUS
É impossível contabilizar os objectos inspirados por Fátima ao longo dos anos, já que a imagem da Nossa Senhora de Fátima é o modelo iconográfico mariano mais divulgado da época contemporânea, presente em quase todas as igrejas do mundo católico.
No campo da escultura inspirada nas aparições de 1917 é, no entanto, de assinalar a polémica obra “Suspensão”, de Joana Vasconcelos, um terço de 540 quilos suspenso a 26 metros de altura no Santuário de Fátima.
A escultura foi comparada, nas redes sociais, a um outro terço suspenso, criado em 1998 e cuja nova versão foi inaugurada a 5 de Abril em Vila Velha, no Brasil. A autora nega as acusações de plágio.
No âmbito das comemorações do centenário das aparições, houve marcas e autores a criar colecções especiais de joalharia e decoração inspiradas no tema. A joalheira-designer portuguesa Maria João Bahia lançou a colecção “Celebrar Fátima”.
Também a Vista Alegre lançou uma colecção dedicada à Nossa Senhora, com esculturas dos Pastorinhos e da Nossa Senhora criadas por Cristina Leiria.
FÁTIMA NOS PALCOS
Também houve quem subisse aos palcos para assinalar o centenário das aparições de 2017. Em Abril 2016, a companhia Vortice Dance estreou o espectáculo "Fátima, o Dia em que o Sol Bailou". A convite do Santuário de Fátima, os coreógrafos Cláudia Martins e Rafael Carriço prepararam um espectáculo sobre Fátima e a sua história "numa linguagem artística contemporânea e multidisciplinar".
Em Outubro do mesmo ano, a Elenco Produções estreou o musical “Entre o Céu e a Terra”, que contou com a participação da cantora Sofia Escobar e de actores como José Raposo, Joel Branco e Sofia Portugal.