09 mai, 2017 - 17:11 • Filipe d'Avillez
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João Paulo II foi o Papa que mais vezes esteve em Fátima. Foram três ao todo, tantas como os segredos que Nossa Senhora revelou a Lúcia, o último dos quais seria mais tarde interpretado como referindo-se ao próprio Papa polaco.
O professor universitário João César das Neves acompanhou de perto as três visitas e, em entrevista à Renascença, ajuda a contextualizá-las do ponto de vista social, político e religioso.
João Paulo II vem a Fátima em 1982, mas a ligação dele a Fátima é anterior a isso. Quando começa?
Um ano antes. Ele praticamente não sabia nada sobre Fátima e é precisamente por causa do atentado que acontece a 13 de Maio de 1981 que ele desperta para essa realidade. Segundo relatos posteriores, ele terá sido avisado da coincidência entre o atentado e a aparição em Fátima quando acorda no hospital. Pede os documentos ainda no hospital e fez a relação. Sempre considerou que ele tinha sido salvo por intervenção de Maria e mais tarde faz uma relação estreita, já no ano 2000 aqui em Fátima, entre a terceira parte do segredo e esse acontecimento.
Entretanto, em 1982, essa visita é já feita com isso em mente, como agradecimento.
Ele vem cá explicitamente para agradecer a Nossa Senhora. É a primeira visita a Portugal e a primeira visita a Fátima.
Mas é uma viagem de Estado.
É uma viagem de Estado, uma viagem completa, ele visita outras zonas do país, não apenas Fátima. Mas esse é o propósito mais directo, agradecer a Nossa Senhora. Depois, ele também tomou consciência que havia ainda por cumprir a parte final dos pedidos de Nossa Senhora, nomeadamente a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, que ele assumiu como função e fê-lo em Fátima. Lúcia vai dizer que não está, porque não foi feito em união com todos os bispos do mundo, e ele depois vai levar a imagem da capelinha a Roma e fá-lo em Roma em 1984. Cumpre-se finalmente o pedido de Nossa Senhora.
E os efeitos, nomeadamente na Rússia.
Os efeitos foram quase imediatos, de facto Gorbachev toma o poder poucos meses depois desta consagração e começa todo aquele processo extraordinário que conhecemos na Rússia e que se pode ver como uma relação entre os dois. É uma questão de fé, mas claro que a coincidência é extraordinária.
O Papa já tinha feito do combate ao comunismo uma das suas bandeiras, a ligação com Fátima reforça-se também por causa disso?
Essa ligação é muito evidente. Ele tinha sido um grande bispo em Cracóvia e tinha aí, em nome não do combate ideológico, mas da defesa do Povo, afirmado os direitos da Igreja, numa luta muito longa, muito latente e muito cuidadosa da parte dele. O fenómeno acontece quando ele vai à Polónia, pouco depois de ter sido eleito, numa das suas primeiras viagens, que é uma apoteose e que mostra a decadência do regime na Polónia. Mais tarde, outros autores vão dizer que o Papa foi decisivo nessa queda do comunismo.
A queda do bloco soviético era previsível em 1984?
De maneira nenhuma, aquilo é uma surpresa. Primeiro, de fora, para todos os analistas e muitos intelectuais, aquilo parecia seguríssimo. Depois, viemos a saber que o regime estava de facto em queda latente. Ninguém podia compreender o que aconteceu com Gorbachev, ele começa, é importante dizer, com um regresso à pureza do leninismo. A “perestroika” é uma reforma para voltar a implantar a pureza comunista inicial e a "glasnost", a transparência, é um voltar à origem. É esse o seu propósito. Não tem de todo o objectivo de transformar o regime; é o contrário, voltar à origem. Não controlou o que aconteceu a partir daí. Primeiro no seu império, isto é, nos países comunistas, e depois dentro da própria União Soviética.
Que Portugal é que o Papa encontra quando vem cá em 1982?
É um Portugal bastante diferente do de 67 quando vem cá o Papa Paulo VI. É um Portugal democrático, mas é um Portugal em crise. Está à beira de uma ruptura brutal, da segunda vinda do FMI, a liberdade de 74 tinha sido acompanhada por duas crises financeiras dramáticas, o país estava desorientado, não havia muita esperança, era um período dramático.
Houve algum impacto da visita do Papa a nível político e social?
Foi importante na unidade do país. A visita do Papa foi um momento muito grande para a vida da Igreja e mesmo para a estabilidade do regime, que era assim reconhecido pelo Papa.
Passamos a 1991, a segunda vinda do Papa a Portugal continental. Aí encontrou já um país diferente...
Aí tínhamos tido o grande período de crescimento pós-adesão, estávamos confiantes, tinha corrido bem e, portanto, o Portugal de 1991 é completamente diferente do Portugal de 1982. Já é um país assumidamente europeu, os medos que tínhamos tido nos primeiros anos após a adesão tinham passado, estávamos à beira de assinar o tratado de Maastricht e entrar no caminho para o euro. É um país bastante mais optimista, bastante mais positivo.
E João Paulo II vai outra vez a Fátima...
Sim, e outra vez a 13 de Maio, para celebrar agora os dez anos do atentado, dez anos de um pontificado que não teria acontecido se Nossa Senhora não tivesse desviado a bala, como o Papa disse. É um momento grande para o próprio pontificado porque vai começar uma segunda fase, a da “Evangelium Vitae” e dos ataques, agora por outras razões. Isto é, o período triunfal do pontificado de João Paulo II, que é o período da vitória política contra o comunismo, vai ser transformado quando, na segunda parte, o Papa começa a defender a vida, a família e nessa altura os antigos aliados deixam de ser aliados e ele começa a ser atacado.
Ainda está de boa saúde e é talvez um dos últimos momentos em que ainda tem o mundo inteiro aos seus pés porque vai começar uma segunda fase bastante mais dolorosa, bastante mais difícil, pessoalmente, pela doença, mas também pelos ataques à posição aberta em defesa da família, que não foi compreendida por muita gente, mesmo dentro da Igreja.
São depois precisos nove anos até ao regresso…
É verdade. Ele depois faz questão de vir cá. E de uma forma completamente desorganizada porque estamos no jubileu do ano 2000 e durante o jubileu o Papa quer-se em Roma, é em Roma que tem de estar, não noutro lado. Vir cá e fazer aqui a beatificação dos pastorinhos é uma teimosia de João Paulo II, que se compreende para quem vê a história, mas que em termos logísticos é um disparate. Na prática esta foi a mais curta das viagens, praticamente só a Fátima, mas fez a beatificação dos pastorinhos no ano 2000 e fez questão de vir no meio do Jubileu, saindo de Roma e vindo para aqui. É um grande momento do seu pontificado.
Como é que reagiu quando se apercebeu que ia ser lido o terceiro segredo?
Não tinha sido anunciado e eu não sabia de nada. Foi uma surpresa.
Estava à espera de qualquer coisa, por causa da beatificação, mas não estava à espera daquilo e quando comecei a perceber... Da maneira que o cardeal [Angelo] Sodano leu... Ele nem sequer anunciou que o ia fazer, começou a explicar propriamente o assunto, foi uma surpresa, mas foi uma surpresa extraordinária. Hoje, ninguém se consegue lembrar do que era o drama do terceiro segredo, as loucuras. De repente, ser anunciado ali foi muito bem jogado porque acabou com a especulação.
Pode-se dizer que o Papa de Fátima é João Paulo II?
Sim, por causa da identificação que ele fez com o segredo, por causa do esforço que fez para cumprir à risca aquilo que Lúcia disse que Nossa Senhora tinha pedido.
Mas papas de Fátima houve muitos, o primeiro Papa de Fátima é Pio XII, porque foi sagrado bispo a 13 de Maio de 1917... Paulo VI também foi chamado Papa de Fátima. Jacinta vê o Santo Padre a chorar, portanto desde o princípio que nas revelações de Fátima a figura do Papa está muito presente.
O Papa Francisco não tem muitas preocupações de andar a fazer grandes viagens, nem andar a cumprir calendários, não é esse o seu propósito, ele não é como São João Paulo II, que era muito cuidadoso com isso, ou mesmo Bento XVI, e, no entanto, apesar disso vem, é um facto espantoso (algo que, aliás, está a gerar perplexidade em muitas áreas, até muitas próximas dele, por ele cá vir). É muito importante.