11 mai, 2017 - 14:07 • Filipe d'Avillez
Quando os deputados portugueses se sentaram na Assembleia da República para ouvir discursar Ronald Reagan, em 1985, poucos esperariam uma referência a Fátima e aos pastorinhos. Mas foi isso que aconteceu.
Já na fase final do seu discurso, Reagan abordou a dimensão religiosa do homem. “A nossa reivindicação de liberdade humana e a nossa sugestão de que os direitos inalienáveis vêm de alguém maior do que nós estão ancoradas no transcendente”, disse, para depois evocar João Paulo II, seu amigo e aliado na luta contra o comunismo.
“Ninguém fez mais para recordar o mundo da verdade da dignidade humana, bem como do facto de que a paz e a justiça começam com cada um de nós, que aquele homem especial que veio a Portugal há uns anos depois de ter sofrido um terrível atentado. Veio cá, a Fátima, o local do vosso grande santuário, movido pela sua especial devoção a Maria, para pedir pelo perdão e pela compaixão entre os homens, para rezar pela paz e o reconhecimento da dignidade humana através do mundo", disse Reagan.
Mas o mais surpreendente ainda estava para vir. “Quando me encontrei com o Papa João Paulo II, no ano passado, no Alasca, agradeci-lhe pela sua vida e pelo seu apostolado. Atrevi-me a sugerir que o exemplo de homens como ele e nas orações de pessoas simples em todo o mundo, pessoas simples como os pastorinhos de Fátima, reside mais poder do que em todos os grandes exércitos e estadistas do mundo.”
Reagan concluiu então, dizendo que apesar de ele ser Presidente de uma das duas superpotências mundiais, vinha a Portugal também para aprender sobre o poder. “Isto também é algo que os portugueses podem ensinar ao mundo. Porque a grandeza da vossa nação, como a de qualquer nação, reside no vosso povo. Pode ser vista no seu dia-a-dia, nas suas comunidades e vilas, e sobretudo nas igrejas simples que pontuam a vossa terra e que dão testemunho de uma fé que justifica todas as reivindicações de dignidade e liberdade dos homens.”
“Digo-vos que é aqui que está o poder, aqui se encontra a realização final do sentido da vida e do propósito da história e aqui se encontra a fundação para uma ideia revolucionária – a ideia de que os homens têm o direito de determinar o seu próprio destino.”
A história deste discurso foi revelada num artigo escrito pelo historiador Paul Kengor, na revista Crisis. O autor recorda que Tony Dolan, o principal autor dos discursos de Reagan, era um católico devoto que conhecia bem Fátima. Dolan confirmou a Kengor que o Presidente, apesar de não ser católico, estava a par do fenómeno.
“Ele sabia de Fátima. Fátima era uma parte importante do movimento anticomunista. O movimento de Fátima era algo que ele teria conhecido e, para além disso, ele tinha uma vertente mística muito forte.”
Por isso Dolan incluiu a frase no discurso: “Eu sabia que ele ia gostar e que a iria usar. Tinha a certeza. Foi muito atrevido”.
Mas o interesse de Reagan por Fátima não se ficou por aí. Em 1987 o Presidente ia novamente encontrar-se com o Papa, em Roma, e sabendo da importância de Fátima para João Paulo II quis inteirar-se totalmente sobre o assunto. O homem encarregue de o fazer foi o embaixador dos EUA junto da Santa Sé, Frank Shakespeare, que, por coincidência, tinha sido embaixador em Lisboa antes de ser colocado no Vaticano.
“Falei com o Reagan sobre Fátima na viagem, tanto no avião como no carro. E ele escutou com muita, muita atenção – estava muito atento. Estava mesmo muito interessado”, recorda Shakespeare, em conversa com Kengor.
A julgar por estes testemunhos, dos líderes mundiais da altura, não era apenas o Papa João Paulo II que Fátima tinha um papel importante a desempenhar na luta contra o comunismo.