11 mai, 2017 - 20:21 • Filipe d'Avillez
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No dia 13 de Julho de 1917 os três pastorinhos de Fátima, Lúcia, Francisco e Jacinta viram Nossa Senhora pela terceira vez em Fátima. Nessa altura ela revelou-lhes o que viria a ser conhecido como o segredo de Fátima.
O segredo é composto por três partes distintas, o que levou à ideia generalizada de que se tratava de três segredos, sobretudo porque a terceira parte ficou muitos anos por revelar e tornou-se conhecido precisamente como o terceiro segredo de Fátima.
1.ª PARTE: A VISÃO DO INFERNO
As três crianças viram “um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados neste fogo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que delas mesmas saíam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faúlhas em os grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros.”
Anos mais tarde um grupo dedicado à mensagem de Fátima encomendou a Salvador Dalí uma representação artística da visão do inferno. O artista aceitou a encomenda e, no processo da pintura, acabaria por regressar à prática do catolicismo.
Importa dizer que a Igreja reconhece a existência de visões sobrenaturais, mas diz que estas devem sempre ser interpretadas pelo contexto social e pessoal dos videntes. Assim, o Catecismo da Igreja Católica reconhece a existência real do inferno: “Morrer em pecado mortal sem arrependimento e sem dar acolhimento ao amor misericordioso de Deus, significa permanecer separado d'Ele para sempre, por nossa própria livre escolha. E é este estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa pela palavra ‘Inferno’”, mas a visão que os pastorinhos tiveram não significa que no inferno existam literalmente chamas, pois essa poderá ter sido apenas a forma como elas, enquanto crianças, compreendiam o conceito. Assim, a Igreja sempre reconheceu nessa visão mais do que uma imagem literal, um sério aviso para a conversão e o arrependimento.
2.ª PARTE: DEVOÇÃO AO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA E CONVERSÃO DA RÚSSIA
Depois de ter mostrado o inferno e a sorte sofrida pelas almas que lá vão parar, Nossa Senhora disse-lhes qual o remédio para salvar as almas de se perderem.
“Deus quer estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior.”
Esta parte do segundo segredo tem sido alvo de alguma polémica e os cépticos sublinham que ela só foi revelada nas memórias da irmã Lúcia, publicadas já na década de 40, depois do início da II Guerra Mundial. Também não é claro se Nossa Senhora terá mencionado explicitamente Pio XI – o que na prática significaria profetizar o nome escolhido por esse Papa, eleito apenas em 1922, cinco anos depois das aparições.
Há ainda o facto de a data comummente indicada como o começo da II Guerra Mundial, 1 de Setembro de 1939 com a invasão da Polónia por parte da Alemanha, ter ocorrido já no reinado de Pio XII, que foi eleito precisamente em 1939. Contudo, essa data diz respeito apenas ao começo da guerra na Europa e não tem em conta a anexação da Áustria, por exemplo, que se deu em 1938 ainda no reinado de Pio XI, nem a guerra entre o Japão e a China, que começou em 1937 e também fez parte da Segunda Guerra Mundial.
A revelação de Nossa Senhora continuou: “Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo pelos seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre.” Lúcia interpretou este sinal como sendo a Aurora Boreal que foi vista em muitos pontos do mundo em Janeiro de 1938, causando pânico entre as populações.
“Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a Comunhão Reparadora nos Primeiros Sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará.”
Numa explicação teológica dos segredos de Fátima, publicada pelo Vaticano depois de ter sido revelada a terceira parte do segredo, o então cardeal Joseph Ratzinger referiu-se à noção de “Imaculado coração”, admitindo que esta pode soar estranha sobretudo a pessoas de mentalidade não-latina. “O termo ‘coração’, na linguagem da Bíblia, significa o centro da existência humana, uma confluência da razão, vontade, temperamento e sensibilidade, onde a pessoa encontra a sua unidade e orientação interior. O ‘coração imaculado’ é, segundo o evangelho de Mateus, um coração que a partir de Deus chegou a uma perfeita unidade interior e, consequentemente, ‘vê a Deus’. Portanto, ‘devoção’ ao Imaculado Coração de Maria é aproximar-se desta atitude do coração, na qual o “fiat” – ‘seja feita a vossa vontade’ – se torna o centro conformador de toda a existência.”
A referência à Rússia diz naturalmente respeito ao regime comunista que seria implantado alguns meses depois da revelação, mas no final desta segunda parte do segredo Maria apresentava uma solução: “O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.”
A consagração da Rússia levaria, porém, muitos anos a ser concluída. Sucessivos Papas fizeram algo aproximado, mas a irmã Lúcia foi-lhes dizendo que os seus gestos não correspondiam aos desejos de Nossa Senhora, ora porque não referiam a Rússia pelo nome, ora porque não tinham sido feitos em união com todos os bispos do mundo.
Quando finalmente João Paulo II o fez de forma satisfatória em 1984 os efeitos, segundo os devotos de Fátima, foram quase imediatos. A consagração foi feita em 25 de Março e menos de dois meses depois um acidente numa base naval na Rússia destruiu dois terços dos mísseis da Frota do Norte da União Soviética, incapacitando-a numa altura em que Moscovo se preparava para a usar para atacar a Europa Ocidental por ter aceite a presença de um sistema de defesa americano. O acidente de Severomorsk aconteceu precisamente no dia 13 de Maio. No espaço de um ano foi eleito Gorbatchev, que espoletaria a reforma do regime comunista, levando à rápida dissolução de todo o bloco soviético.
3.ª PARTE: O BISPO VESTIDO DE BRANCO
Poucas coisas motivaram mais teorias da conspiração à volta da Igreja do que a terceira parte do segredo de Fátima, ou o “terceiro segredo”, como ficou conhecido.
A terceira parte da visão foi mantida em segredo, conhecido apenas pelo bispo de Leiria-Fátima e o Papa, até ao ano 2000, altura em que João Paulo II a mandou revelar.
Esta parte da visão é descrita da seguinte forma por Lúcia: “E vimos numa luz imensa, que é Deus, algo semelhante a como se vêem as pessoas no espelho, quando lhe diante passa um bispo vestido de branco. Tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre. Vimos vários outros bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande cruz, de tronco tosco, como se fora de sobreiro como a casca. O Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade, meio em ruínas e meio trémulo, com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena. Ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho.”
E continua: “Chegando ao cimo do monte, prostrado, de joelhos, aos pés da cruz, foi morto por um grupo de soldados que lhe disparavam vários tiros e setas e assim mesmo foram morrendo uns após os outros, os bispos, os sacerdotes, religiosos, religiosas e várias pessoas seculares. Cavalheiros e senhoras de várias classes e posições. Sob os dois braços da cruz, estavam dois anjos. Cada um com um regador de cristal nas mãos recolhendo neles o sangue dos mártires e com eles irrigando as almas que se aproximavam de Deus.”
João Paulo II identificou este “bispo vestido de branco” como sendo ele próprio, e os tiros como o atentado que sofreu em 1981, precisamente no dia 13 de Maio. Nessa altura considerou que foi salvo da morte por intervenção de Nossa Senhora, dizendo mesmo que “uma mão disparou a arma, outra guiou a bala”.
O segredo foi lido, sem que isso tivesse sido previamente anunciado, no final da missa de beatificação de Francisco e Jacinta no ano 2000, em Fátima, presidida pelo Papa João Paulo II.
Para muitos o assunto foi dado como encerrado, mas na oração que preparou para ser rezada na capelinha das aparições na sexta-feira, quando chegar a Portugal, Francisco surpreendeu ao descrever-se a si mesmo como um “bispo vestido de branco”, parecendo com isso dizer que a mensagem de Fátima, mais do que estar ligada directamente a um Papa, está ligado ao papado em si e que mantém toda a sua relevância nos dias actuais.