26 set, 2018 - 13:00 • Filipe d'Avillez
Dia 8 de setembro de 2018, os filhos do vulcão vieram ao continente.
Com sede na vila de Santa Cruz da Graciosa, ilha da Graciosa, nos Açores, o Graciosa Futebol Clube é, a par com o vizinho e rival Sport Clube Marítimo, o participante na Taça de Portugal desta época que vem de mais longe do Jamor. São mais de 1.600 quilómetros, mas bem que podia ser noutro planeta, pois o Jamor continuará a ser um sonho.
O primeiro contacto da Renascença com os adeptos do Graciosa é feito através do Facebook. João Santos, um natural da ilha que reside no continente, rejubila num comentário na página do clube quando o sorteio dita uma deslocação ao campo do Casa Pia e promete presença e apoio.
No dia do jogo lá nos encontramos junto ao restaurante Dom Leitão, no estádio Pina Manique, enquanto outros adeptos da equipa vermelha e amarela vão surgindo aos poucos. O presidente do clube, André Silva, diz que esperam pelo menos trinta pessoas nas bancadas, na maioria graciocenses e amigos que vivem já no continente, uma vez que a viagem é demasiado cara para que muitos locais acompanhassem a equipa.
Equipados a rigor, João Santos não esconde a alegria de poder ver os seus amigos a jogar em Lisboa. E são todos amigos, garante. “Pode haver um ou outro jovem que não conheça, porque já saí há 12 anos, e eles seriam novos, mas certamente tiro a feição pelo pai ou pela mãe e chego lá!”
A dimensão familiar do Graciosa salta à vista. Sara, de 11 anos, nasceu em Lisboa mas é filha de um graciosense, Duarte, que por sua vez é irmão do jogador Pedro Andrade, e filho do presidente da Mesa da Assembleia Geral. O próprio Pedro, que hoje enverga a braçadeira de capitão, já foi presidente do clube.
João Santos confirma que a rivalidade com o Sport Clube Marítimo, que no mesmo dia joga contra o Angrense, também para a Taça, tem bases familiares e que sendo forte, já foi pior. “Há uma rivalidade. Não se pode considerar que seja um Benfica - Sporting, mas é parecido. Mas à medida que vão crescendo as gerações as rivalidades tornam-se mais saudáveis. Acredito que há uns tempos atrás a rivalidade era maior, mas atualmente é saudável”.
Mais adeptos vão chegando e começa-se a perceber que as estimativas do presidente do clube podem ficar aquém. As cervejas vão saindo e percebemos que talvez metade dos membros desta claque informal do Graciosa nem graciocenses são, apenas amigos. É o caso do Luís Barbosa, que fez 300 quilómetros do Porto só para ver este jogo entre uma equipa do Campeonato de Portugal e uma que este ano vai disputar a Série Açores.
“Estudei com três açorianos há 12 anos. Pouco depois fui lá numas férias de verão e agora vou lá quase todos os anos. Em 12 anos houve dois ou três em que não fui”, explica.
Sendo uma ilha tão pequena, inevitavelmente tem também muitos amigos que apoiam o rival Marítimo, mas ele não tem dúvidas. “As pessoas em casa de quem fico são pessoas com tradição no Graciosa e desde a primeira vez que fui para lá que foi sempre o Graciosa. Sou azul e branco do Porto, mas sou também amarelo e vermelho do Graciosa.”
Perto das 17h, vão-se bebendo as últimas cervejas antes de entrar para as bancadas quando se começa a ouvir um burburinho e de dentro do restaurante emerge, rodeado de adeptos da equipa açoriana, um empregado. Identifica-se como Gil Quintas, ex-jogador e capitão do Casa Pia e também ex-jogador, durante uma época, do Graciosa. Jogou na mesma altura que o Paulo Jorge que é atualmente tesoureiro do clube e presidente da junta da freguesia de Santa Cruz.
“Só tenho a agradecer tudo o que fizeram por mim lá e um dia hei de lá regressar e ir lá visitar as pessoas, pois de certeza que serei bem recebido, como fui quando lá estive. É um prazer enorme ver esta equipa a disputar esta competição, a Taça de Portugal, alegria do povo”, diz, admitindo que hoje tem o coração dividido.
Da esperança à resignação
Começa o jogo e contam-se perto de 60 adeptos na bancada, embora pelo menos sete sejam estrangeiros. Já lá vamos.
Os jogadores entram em campo e cumpre-se um minuto de silêncio pela morte de um dos sócios fundadores do Graciosa. Silêncio mesmo, sepulcral, e não a moda moderna das palmas.
Depois os jogadores tomam as suas posições e João Santos, tatuagem da ilha da Gracisa na barriga da perna, comenta: “Sabem que vamos ganhar isto, não sabem”. Mas está enganado.
O apoio é incessante, os jogadores chamados pelo nome, por quem os conhece de criança. Leandro Benjamim, o guarda-redes de apenas 17 anos, faz uma exibição fantástica, mas não consegue impedir os três golos na primeira parte. Da parte do Graciosa muito esforço, mas nem uma oportunidade de golo.
Aproveitamos o intervalo para conversar com alguns dos estrangeiros. Um grupo de cinco jovens alemães parece ainda não saber bem como é que foi ali parar. Estão de visita a Lisboa e queriam ir ao futebol. Este era o jogo mais próximo. Antes do apito final já se terão posto a caminho. Mas o Per e o Peter, da Suécia, são verdadeiros fãs de futebol e aproveitam as suas viagens para visitar estádios e equipas novas. A qualidade do futebol não os convence, mas a cerveja a um euro e a alegria dos graciocenses sim, levando o presidente André Silva a abrir a mochila para lhes vender duas camisolas oficiais, ajudando assim a abater em 50 euros os custos da viagem.
Na segunda parte já não se espera a reviravolta, mas sonha-se pelo menos com um golo. O mais próximo que se chega, em termos de festejos, é quando o Casa Pia falha o seu segundo penalti, depois de uma expulsão bastante forçada do defesa açoriano. Mas outros três remates chegam ao fundo da baliza, transformando o resultado final nuns duros 6-0.
Se os adeptos presentes estão resignados, na ilha ainda há esperança. O jogo não tem transmissão nem acompanhamento ao minuto e por isso quando Jorge Paulo recebe um telefonema para saber como vão as coisas informa o seu interlocutor que o Graciosa está a ganhar 2-0, embora o Casa Pia esteja a pressionar muito. Desliga o telefone e ri-se: “Durante os próximos dez minutos a ilha está em alta”. Haja bom humor para lidar com a derrota e eliminação.
Em termos de bom humor, aliás, a goleada favorece os açorianos. Quando um jogador do Casa Pia tenta “cavar” uma falta junto à bancada um dos adeptos grita desenfreadamente: “Vulcões e terramotos! Nem sabes o que isso é!”, enquanto outro comenta que como o IVA é mais baixo nos Açores isso desconta nos golos sofridos.
O vulcão desempenha claramente um papel importante no imaginário dos graciocenses, como se vê no outro cântico:
“Nascido numa ilha branca \ Criado no meio de um Vulcão \ Eu vivo, de maneira franca \ Graciosa, do meu coração!”
“Nisto ninguém nos ganha”
O jogo termina e nem parece que perderam. Os jogadores vêm agradecer o apoio e os aplausos e gritos de incentivo duram vários minutos. Lá fora a festa continuará.
No parque de estacionamento há um carro com a mala aberta e geleiras cheias de minis. Os jogadores vão chegando e convivendo com os amigos, todos bebem.
Pedro Andrade, capitão, não tem dúvidas de que apesar do resultado a experiência valeu bem a pena. “Foi um sonho que sempre tivemos. Conseguimos este ano finalmente disputar a Taça de Portugal, viemos aqui fazer o nosso melhor, conscientes das dificuldades, mas acho que fizemos o melhor e representámos bem o nosso clube.”
O clube poderia ter mais sucesso se contratasse mais jogadores de fora da ilha, mas isso seria trair os princípios. “A nossa política é mesmo essa, as camadas jovens. Temos 80% da equipa das camadas jovens, eu inclusive. Camadas jovens e sempre pessoal açoriano e, de preferência, graciocense.”
André Silva, o presidente, é homem de poucas palavras, mas o brilho nos olhos não esconde a emoção de ter vindo disputar este jogo. Para um clube como o Graciosa, chegar à Taça de Portugal é em si um feito histórico.
De mini na mão aproveita para relaxar antes de ter de apanhar o autocarro de volta para o hostel onde a equipa está instalada. “Nisto”, diz, levantando a garrafa, “ninguém nos ganha”, e bebe mais um golo.
[Notícia corrigida às 10h38 de 29/09/2018]