12 set, 2019 - 08:30 • Anabela Góis , Filipe d'Avillez
A coordenadora do Bloco de Esquerda acredita ser possível reduzir o horário de trabalho para as 35 horas semanais no setor privado, sem reduzir os salários.
Em entrevista à Renascença, Catarina Martins diz que as empresas não só têm capacidade para o fazer, como a medida permitiria criar mais 200 mil postos de trabalho.
“Por um lado, cada trabalhador produz muito mais riqueza em menos tempo, porque a tecnologia o permite, o que quer dizer que podemos diminuir horas de trabalho sem reduzir salário, muito pelo contrário, redistribuir melhor salário seria as pessoas trabalharem menos horas e ganharem mais, porque produzem muito mais”, explicou.
“Por outro lado, os próprios ritmos de trabalho intensificaram e o ritmo a que a pessoa trabalha é muito mais intenso e muito mais penalizador. Mesmo pela saúde das pessoas é possível descer este horário”, conclui.
“Aumentaram em 40% os salários dos administradores e mantiveram congelados salários dos trabalhadores”
Questionada sobre as possibilidades económicas de passar da teoria à prática, a bloquista recordou que “quando a economia começou a reagir e a melhorar um bocadinho, o que fizeram as grandes empresas? Aumentaram em 40% os salários dos administradores e mantiveram congelados os salários dos trabalhadores”.
Em matéria laboral, contudo, o Bloco quer ir mais longe. “Queremos acompanhar isto com novas regras para o trabalho por turnos e o trabalho noturno. Temos 700 mil trabalhadores a trabalhar por turnos com trabalho noturno. É muito lesivo para saúde e para vida familiar, para a conciliação das várias esferas na sua vida. Estas matérias são de toda a importância, é preciso respeito por quem trabalha.”
Catarina Martins sublinha que esta foi uma das lutas do Bloco durante os últimos quatro anos, mas que as propostas foram inviabilizadas pelo PS, com o apoio da direita.
Maioria absoluta é perigosa
Foi uma das muitas críticas que a deputada fez ao Partido Socialista, com a coordenadora a acusar os socialistas de apresentarem objetivos no seu programa eleitoral, sem nunca apresentar contas ou custos. “Nós dizemos que é preciso 100 mil casas para controlar os preços das rendas e 50 mil para famílias vulneráveis e o PS diz que quer erradicar as carências habitacionais até 2024. Mas depois nós dizemos qual é o investimento público possível e necessário, mas o PS não diz nada.”
“Se vamos alterar as carreiras dos funcionários públicos, as pessoas devem saber se é para cima ou para baixo. Quando o PS não tem no seu programa dinheiro para melhorar as condições de vida de quem trabalha para o Estado, quer dizer que quando fala na revisão das carreiras, se calhar os polícias, professores, enfermeiros, médicos e oficiais de justiça pode ser uma revisão em baixo, e querem saber o que lhes vai acontecer. Achamos que é bom haver essa transparência. As contas do PS não existem no programa.”
“As contas do PS não existem no programa”
A coordenadora do Bloco diz que as maiorias absolutas são perigosas e desvaloriza o argumento de que estas permitem legislaturas mais estáveis. “Fala-se em estabilidade, mas não tivemos estabilidade nestes quatro anos? A estabilidade está em as pessoas saberem que podem contar com a sua pensão, com os seus salários, com a sua escola pública, com o SNS”, disse Catarina Martins.
Contudo, questionada sobre a possibilidade de repetir uma solução de “geringonça”, Catarina Martins foi evasiva.
“O Bloco de Esquerda está disponível sempre para puxar pelo que é essencial. O SNS precisa de mais gente, vamos fazer isso; precisamos de mais investimento em todo o território; precisamos de ter outra política que responda pelo clima, vamos a isso!”
“Estaremos disponíveis para todas as soluções que puxem pelo salário, pelas pensões, serviços públicos e território e faremos de acordo com o que sair das eleições. O equilíbrio que sair das eleições é que vai determinar o novo Governo. É o que as pessoas decidirem”, disse, concluindo, contudo, que “o adversário do Bloco não é o PS, o adversário do Bloco é tudo o que é política de austeridade”.
Energia já foi nacionalizada pela China
Durante a entrevista Catarina Martins voltou a insistir na ideia de garantir o controlo público de setores estratégicos, através da negociação com as empresas ou através da nacionalização, nomeadamente dos CTT e da gestão do sistema da energia.
A coordenadora do Bloco acredita que os correios poderiam ser readquiridos pelo Estado por 100 milhões de euros e ironiza, dizendo que a gestão da energia já está em mãos públicas: “nacionalizada já está, mas é pelo Estado chinês, que seja por Portugal”.
O dinheiro necessário para readquirir estas duas empresas seria, segundo Catarina Martins, “cinco vezes menos do que damos todos os anos à Lone Star por causa do Novo Banco.”
Logo no arranque da entrevista a deputada do Bloco reagiu a acusações de que o seu partido tinha sido um “empecilho” ao Governo, dizendo que quem ganha salário mínimo e viu aumentar o seu rendimento em 95 euros por mês em quatro anos, ou os cuidadores informais e pensionistas não deve ter essa opinião.
“Foi o partido que viu aprovados mais projetos de lei nos últimos quatro anos”, referiu Catarina Martins, concluindo que isso é sinal de que trabalhou bem.
“Proteger o SNS da predação dos privados”
Em relação ao novo aeroporto, a coordenadora do Bloco rejeita o Montijo, mas não fala em alternativas, dizendo que o debate está inquinado por falta de estudos de impacto ambientais nos locais alternativos, mas critica o facto de todo o processo estar a ser feito á medida de uma empresa privada francesa que controla a ANA, o que considera “uma aberração”.
Catarina Martins foi ainda questionada sobre o plano de estabelecer quotas de entrada na universidade com base na etnia. Afirmando que existe um problema de racismo em Portugal, lembrou que existem já quotas para vários grupos sociais em Portugal, incluindo atletas de alta competição, e que este "empurrãozinho" podia ser essencial para ajudar alguns grupos a escapar de um ciclo de exclusão. Escusou-se, contudo, a entrar em detalhes sobre como funcionaria o sistema, dizendo apenas que este já é aplicado em vários países e que nesta matéria "o Bloco de Esquerda não inventou a roda".
Por fim, a cabeça de lista do Bloco para o Porto falou sobre a questão das parcerias público-privadas, deixando fortes críticas ao sistema e elogiando a nova lei de bases para a saúde “que diz que o centro é o acesso das pessoas e a promoção da saúde.”
“Temos de proteger o Serviço Nacional de Saúde da predação dos privados. Ninguém compreenderia que uma universidade pública fosse gerida por uma privada, ou que uma esquadra fosse gerida por uma empresa de segurança. O problema é que não funcionam bem. Não há nenhum benefício”, disse.
Para a área da saúde Catarina Martins elenca três prioridades, a começar por mais dinheiro, em orçamentos plurianuais; mais autonomia “para não ficar meses á espera de uma assinatura das finanças” e, por fim, “respeitar as carreiras dos profissionais para quem trabalha na saúde não vá para outros países ou para outra cidade”.
A entrevista a Catarina Martins foi a segunda feita pela Renascença aos líderes dos partidos com assentos parlamentares durante esta campanha. Na quarta-feira foi a vez de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP.
Reveja o direto da entrevista:
[Notícia atualizada às 11h29]