24 set, 2019 - 11:16 • Eunice Lourenço
O “arrufo” entre o Bloco de Esquerda e o PS está a tornar-se uma discussão conjugal na praça pública neste início de campanha oficial. Uma discussão que já passou por recados de parte a parte, por discussão a sério no último debate e por uma troca de cartas entre Manuel Alegre e Catarina Martins nos jornais.
Para quem não seguiu os últimos desenvolvimentos, aqui fica um breve resumo:
- no fim-de-semana, Catarina Martins disse que estas eleições se disputam entre o PS e os partidos à sua esquerda;
- Manuel Alegre não gostou do que ouviu e escreveu a Catarina Martins, via Público;
- no frente-a-frente com Rui Rio, nas rádios, na manhã de segunda-feira, o líder do PS afirmou que o Bloco foi o último a juntar-se à “gerigonça” e acenou com riscos de instabilidade se aquele partido tiver um resultado que lhe permita ser decisivo;
- à noite, no último debate a seis, na RTP, Catarina Martins quis repor a sua verdade histórica e discutiu com Costa a formação e os ganhos da “gerigonça”;
- esta terça-feira, Catarina Martins responde a Manuel Alegre no Expresso;
Que Catarina Martins colocou publicamente, ainda na pré-campanha de 2015, as condições para um acordo com o PS foi público e não
teve resposta de António Costa naquele momento. Jerónimo de Sousa só colocou as
suas condições publicamente depois de 4 de Outubro. Que na manhã do dia das
eleições, decorreu um encontro entre homens de confiança de Costa e de Catarina
(Fernando Medina, Jorge Costa e Francisco Louçã) também se sabe há anos. Mas
António Costa também nunca escondeu que, para si, foi decisivo perceber que
podia contar com o PCP. E também sempre fez questão de elogiar a seriedade e
fiabilidade dos comunistas.
A tensão entre o PS e os seus parceiros de esquerda e entre o Bloco e o PCP faz parte do ADN da “gerigonça”, é mesmo condição para o seu funcionamento. António Costa confia mais nos comunistas dos que nos bloquistas e os comunistas nunca confiaram nos bloquistas, que sempre os tentam ultrapassar nas negociações.
Houve, no entanto, um momento em que o frágil equilíbrio de confiança foi quebrado. Foi no âmbito das negociações da lei de bases da saúde. A determinado momento, o Bloco divulga que chegou a acordo com o Governo para o fim das parcerias público-privadas. O anúncio criou ondas de choque no grupo parlamentar socialista e o Governo, pela voz de Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, acusou o Bloco de má-fé negocial e de ter divulgado um documento de trabalho.
O Governo estava habituado a que o Bloco divulgasse acordos acabados de fixar. Foi, assim, com o chamado “imposto Mortágua”, que também surpreendeu a bancada socialista. Mas o caso da saúde - a confiar na versão do Governo de que era uma versão de trabalho - foi entendido como uma manobra pública de pressão por parte do Bloco.
E Costa quis servir a vingança fria. Quando, finalmente, houve acordo, fez questão que fosse o PCP a divulgá-lo. E quis que se soubesse que o Bloco tinha sido ultrapassado. O Bloco acabou por se juntar ao acordo, mas o episódio deixou marcas na confiança que nunca foi muita.
Ainda o Bloco gatinhava e já António Costa fazia acordos com o PCP para a Câmara de Lisboa, para reformas da segurança social e até para um orçamento retificativo. E sem precisar de papel passado, ao contrário do que acontece com o Bloco, que já disse que, a haver acordo para a próxima legislatura, terá de voltar a ser escrito, apesar de Marcelo Rebelo de Sousa não fazer essa exigência que Cavaco fez em 2015.
A única certeza sobre o futuro das relações entre o PS e o Bloco é que o pragmatismo irá vencer. Por muito que gostasse de se ver livre de Catarina, se não tiver maioria absoluta e não lhe bastar outro parceiro, António Costa irá fazer tudo o que pode e sabe para fazer jogar a sede de poder do Bloco em seu favor.