21 out, 2013 - 07:00 • Ricardo Vieira
Lisboa e Luanda estão separadas no mapa por milhares de quilómetros e agora por uma crise nas relações ao mais alto nível. As águas podem estar conturbadas, mas Rui Meireles mantém a calma, não trabalhasse ele numa empresa de navegação.
Para este português que ganha a vida em Angola desde 2008, nada mudou no dia-a-dia com o fim da "parceria estratégica" entre Angola e Portugal, tal como foi anunciado pelo presidente José Eduardo dos Santos.
Rui Meireles, 32 anos, admite ter ficado "triste e reticente" com a situação, mas não acredita em represálias contra a vasta comunidade lusa. Espera que os negócios continuem como de costume no país dos kwanzas, a moeda angolana. Porém, não afasta a possibilidade de alguns protocolos de colaboração, a emissão de vistos ou as parcerias com empresas portuguesas a nível das exportações para Angola poderem "ficar mais complicadas" ou "comprometidas" com a quebra da "química" entre Lisboa e Luanda.
José Pedro Rocha, 40 anos, também emigrou para Angola, onde dirige desde 2009 o património imobiliário de uma empresa multinacional. Ouvido pela Renascença, refere que em Portugal há uma visão "completamente deturpada da realidade angolana, daquilo que é a forma de trabalhar do governo e das pessoas em Angola".
Engenheiro civil de formação, José Pedro Rocha também não sente nos contactos diários qualquer impacto do arrefecimento das relações entre os dois países , mas considera que existe uma "muito má leitura" entre Lisboa e Luanda, "com algum preconceito à mistura de ambas partes".
"Uma fogueira sem interesse nenhum"
Angola é o maior destino fora da Europa das exportações portuguesas e as relações económicas entre os dois países têm vindo a assumir uma importância crescente. Para José Pedro Rocha, "muitas empresas com relações com entidades angolanas, públicas ou privadas, parceiros de negócios, poderão sentir-se um pouco atraiçoadas" com a actual crise diplomática. E explica porquê.
"Os portugueses estão aqui a tentar fazer o melhor possível para demonstrar que Portugal é um país com o qual Angola pode contar e, ao mesmo tempo, não percebemos muito bem porquê, mas alguém desse lado do mundo tenta boicotar aquilo que nós todos, os portugueses, tentamos recuperar daquilo que foi uma má experiência da descolonização".
Rui Meireles, por seu lado, considera que em Portugal se "está a deturpar algumas declarações", nomeadamente o pedido de desculpas a Angola feito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros. "Ele colocar alguma água na fervura", diz.
"Está a alimentar-se uma 'fogueira' e uma 'guerra' que não tem interesse nenhum, nomeadamente para Portugal, para os portugueses que podem vir a emigrar para Angola e para os que já cá estão. Não acredito que haja represálias directas, mas positivo isto não será, com certeza. Não entendo sequer muito bem a reacção de alguns meios de comunicação em Portugal, de alguns membros do Governo, da oposição, em querer fazer disto uma grande batalha. Não vejo como é que Portugal e os portugueses possam retirar coisas positivas disto", sustenta Rui Meireles.
Por sua vez, José Pedro Rocha considera que as palavras de Rui Machete foram utilizadas por alguns políticos e comunicação social "de forma nociva para o nosso Governo e para as relações com Angola".
Perante o sucedido, Rui Meireles e José Pedro Rocha pretendem regressar a Portugal? "Como bom e saudoso português, sim, mas no curto e médio prazo esse plano não está no horizonte", responde Rui Meireles.
Quanto a José Pedro Rocha, explica que vai passar as férias de Natal a Portugal, mas com bilhete de ida e volta. "Se me perguntarem se gostaria de viver em Portugal: sim, acho que é um país espectacular para viver, poucos países do mundo têm as condições que nós temos para viver, mas para viver é preciso ganhar dinheiro e para ganhar dinheiro em Portugal, a curto ou médio prazo, acho pouco possível."