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Crónica

Os refugiados querem tudo o que queremos para os nossos

07 set, 2015 - 16:50 • João Cunha, na Hungria

Chegam cansados e assustados da longa viagem. Falam mal inglês e custa entendê-los. Mas a linguagem universal mais utilizada por estes dias é outra: a da solidariedade. Com gestos, quase tudo se entende.

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O desespero não conhece barreiras.

Este ano, perto de 150 mil refugiados – a maioria sírios – passaram pela Hungria, a caminho maioritariamente da Alemanha. Quase o triplo das entradas de refugiados e/ou imigrantes registada nos primeiros oito meses do ano passado. E são esperados mais.

Muitos deles passam por aqui, pela estação ferroviária de Keleti, em Budapeste. Entre eles, há também muitos cidadãos afegãos, paquistaneses, líbios, iraquianos e eritreus. Chegam cansados e assustados da longa viagem. Falam mal inglês e custa entendê-los.

Mas a linguagem universal mais utilizada por estes dias é outra: a da solidariedade. Com gestos, quase tudo se entende. Com compaixão e amor ao próximo, tudo se resolve. E assim, lá vão conseguindo pedir água, alimentos, roupa e cobertores a quem por aqui os ajuda. Não é ninguém ligado a qualquer organismo governamental. Não é nenhuma organização não-governamental. São cidadãos residentes em Budapeste que não conseguiram, como esta manhã verifiquei, ficar indiferentes quando, por exemplo, saem do metropolitano ou dos comboios e atravessam a estação de Keleti.

A maioria parece nem reparar na miséria em que se encontram estes refugiados, ali encostados a caixas de cartão e muitos cobertores, que os ajudaram a passar a noite a dormir ao relento. É todo um interface de transportes que se transformou numa imenso albergue.

Passam literalmente ao lado de quem, às primeiras horas da manhã, está de pacote de leite na mão e um pedaço de pão com manteiga ou doce, a tomar o pequeno-almoço. Sentado no chão. De filhos pequenos ao colo, embrulhados em mantas, enquanto as crianças mais velhas já jogam à bola.

Mas há quem repare e se organize na ajuda a estes refugiados.

Organizaram-se no que preferem que se chame um movimento, a que deram o nome "Migration Aid", que recolhe e entrega tudo o que estes refugiados precisam. Água, leite, comida, roupas, mantas e produtos para a higiene.

São na sua maioria jovens, entre eles alguns portugueses, que sem se intimidarem pelo medo que alguns tentaram incutir na sociedade húngara, devido à entrada destes refugiados, não hesitaram em fazer o possível para melhorar a passagem pelo país destes refugiados.

Chegaram a ir atrás deles, literalmente, na passada sexta-feira. Fartos da passividade das autoridades húngaras, decidiram fazer a pé, por auto-estrada, o caminho até à fronteira. Ultrapassaram-nos e, mais à frente, no alcatrão, deram-lhes água e comida.

Chegaram a ser em maior número do que os refugiados, estes voluntários, porque já são muito menos os estrangeiros, para além dos turistas, os que por aqui estão.

A medo, lá seguem viagem de comboio até à Áustria. Receosos porque souberam o que aconteceu, nos primeiros dias, a muitos refugiados. Enganados pelas autoridades húngaras (não há outra forma de o dizer), entraram no comboio, mas saíram pouco depois, à força, para serem levados para um campo de refugiados.

Não querem que lhes aconteça o mesmo, porque, dizem, é a pior condição humana a que podiam estar sujeitos. É o corte radical na esperança e vontade que os levou a ganhar a força necessária para sair dos seus países de origem apenas com o que tinham no corpo.

Para tentarem uma vida melhor. Para eles e para os seus.

No fundo, tudo o que queremos também para os nossos. Sem que seja necessário fugir a guerras, repressões e conflitos sectários.
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