Nos últimos dez anos, a capacidade de prevenir e resolver conflitos no mundo "diminuiu muito", diz António Guterres em entrevista à
Renascença.
Em Dezembro, o ex-primeiro-ministro português deixa o cargo de alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados.
No horizonte, pode estar uma candidatura a secretário-geral da ONU, mas para já o que Guterres quer é ajudar os refugiados. Só nos últimos cinco anos quase que quadriplicou o número daqueles que todos os dias são forçados a deixar as suas casas para fugir de guerras e perseguições.
Uma parte de uma entrevista à
Renascença na qual António Guterres diz que a sociedade europeia está a "
ensinar" aos governos o que eles devem fazer e
rejeita a ideia de que entre os refugiados pode haver terroristas infiltrados.
Na sexta-feira, a sua porta-voz confirmou que vai deixar o ACNUR no fim do ano. O seu mandato já tinha sido prolongado por seis meses com a justificação de que a situação dos refugiados no mundo era de tal ordem que era melhor manter uma continuidade do trabalho. A situação parece estar cada vez mais grave. Não é razão para continuar? Ou já não pode haver mais prolongamentos? O mandato foi prolongado, sobretudo para poder gerir bem a transição até ao fim do ano. Mas já são dez anos e meio e a norma nas Nações Unidas é que o máximo que se pode fazer em qualquer dos postos são dois mandatos – aliás, é o que acontece na generalidade das constituições dos países. O que está a acontecer é a perfeita normalidade e o que seria completamente fora de qualquer processo normal seria se isso não se verificasse. Naturalmente, no final do ano terminarei as minhas funções. Entretanto, está aberto um processo de candidatura. Para aqueles que queiram vir a ocupar o lugar haverá um processo de selecção semelhante ao que eu próprio tive há dez anos. Isso é que é normal e acontece em todas as organizações das Nações Unidas.
E mantém a expectativa de uma candidatura a secretário-geral? Há imensas organizações que têm secretários-gerais, de modo que não faço sequer ideia do que está a falar…
Das Nações Unidas, claro. Sobre essas matérias, a seu tempo se verá o que faz sentido. O que me interessa agora é unicamente garantir que, nesta fase dramática que estamos a atravessar, seja capaz de fazer o melhor possível, ajudando e contribuindo a que, num mundo em que, infelizmente, o número de pessoas deslocadas pelos conflitos, pelas guerras, pelas perseguições políticas, pela violação dos direitos humanos está em crescimento, essas pessoas possam ter o apoio de que necessitam
A situação agravou-se muito durantes estes seus dois mandatos. Só para lhe dar uma sucessão de números que é expressiva por si própria: em 2010 havia 11 mil pessoas que, por dia, eram deslocadas por conflitos, que tinham de abandonar as suas casas, as suas comunidades; em 2011, eram 14 mil por dia; em 2012, eram 23 mil por dia; em 2013, eram 32 mil por dia; no ano passado, 42.500 por dia. Isto diz bem o que é o crescimento avassalador das necessidades humanitárias e a tragédia deste mundo onde a capacidade de prevenir conflitos e de os resolver está infelizmente, hoje, muito, muito diminuída.