17 out, 2015 - 16:14 • José Pedro Frazão
Foi um míssil de fabrico russo que em Julho de 2014 abateu o avião da Malaysian Airlines nos céus da Ucrânia. A conclusão de um relatório independente é a única que recebe alguma concordância entre as várias partes do processo.
A partir daqui, as divergências assumem protagonismo. E isso é normal, diz António Vitorino.
"Nestas coisas há que ter alguma prudência. Eu fiz parte da primeira comissão parlamentar de inquérito ao acidente ou atentado que vitimou Sá Carneiro em 1980. Lembro-me que numa das primeiras audições que fizemos, um responsável americano do NTSB (agência de segurança aeronáutica norte-americana) disse que há cem maneiras de deitar abaixo um avião. Nunca é possível fazer a prova de exclusão das cem. Assistimos hoje a explicações técnicas e manifestamente nós nunca teremos uma única explicação sobre as razões pelas quais o míssil foi abatido. Há acordo que foi por um míssil. De onde veio o míssil? Quem o disparou? O míssil estava ainda em actividade ou não? Tudo isso vai permanecer por esclarecer. Nunca haverá neste caso uma certeza absoluta", defende o antigo comissário europeu no programa "Fora da Caixa" da Renascença.
Já Pedro Santana Lopes reconhece a complexidade da investigação. "Não estou a dizer que se se quiser não se consegue chegar mais à frente na investigação. Agora, ter chegado aqui já merece realce e obviamente já é complicado. É uma tragédia que é uma vergonha", declara o antigo primeiro-ministro no debate semanal de temas europeus.
O mundo em anéis de fogo
Esta é uma questão bilateral entre a UE e a Rússia, acrescenta Vitorino que lembra que com duas comissões de inquérito, de Holanda e Rússia, é natural que as conclusões sejam contraditórias.
"Certas organizações internacionais que até aqui tinham protagonismo central - a começar pelas Nações Unidas - vão perdendo terreno. Cada vez mais a dinâmica vai-se afunilando para questões regionais ou até bilaterais entre estados", sustenta o antigo ministro socialista.
Com o agravamento da crise síria, a Rússia ganhou também um protagonismo que vai além do conflito ucraniano.
"O mundo hoje em dia tem tantos anéis de fogo que se vai 'distraindo' de um para o outro a uma velocidade verdadeiramente impressionante. Face à imensidão daquilo que está em causa nos territórios da Síria e à volta, a questão ucraniana foi colocada noutro plano", argumenta Santana Lopes no "Fora da Caixa".
Um actor imprescindível
A emergência da Rússia nos teatros de operações do Médio Oriente é um dado novo que lembra equações antigas, diz Santana Lopes.
"Faz lembrar um pouco os anos 60, início dos anos 70, na guerra entre Israel e os países árabes à sua volta, o papel forte da então União Soviética e a relação com os Estados Unidos. A Rússia está a entrar pelo Médio Oriente de uma maneira como há muito tempo que não acontecia, por causa de Síria, Estado Islâmico, etc. Há muito tempo que não víamos botas russas no terreno como vemos agora", diz Santana Lopes.
Um paradoxo, acrescenta António Vitorino, referindo-se à relação difícil entre a Rússia e o mundo ocidental.
"As relações da UE ou EUA e a Rússia degradaram-se por causa da intervenção russa na Ucrânia, quer nas zonas rebeldes quer a anexação da Crimeia. Por outro lado todos temos a consciência de que a Rússia é imprescindível para encontrar uma solução para a crise síria. Por isso de alguma forma estamos condicionados na capacidade de encontrar uma forma de relacionamento com a Rússia. Porque tendo necessidade deles, temos suficientes factores de tensão e conflito com a Rússia que impedem que se encontre uma via de diálogo", remata Vitorino no debate semanal de temas europeus da “Edição da Noite”, da Renascença.