30 nov, 2015 - 11:12
Filipe Duarte Santos, um dos revisores do Painel Inter-governamental da ONU para as Alterações Climáticas, está convicto de que nada do que for decidido na Cimeira do Clima, em Paris, permitirá garantir a meta de não se ultrapassar o limite de dois graus centígrados de aquecimento global até ao final do século. Ainda assim, o professor universitário e especialista em alterações climáticas, acredita que Paris "vai permitir que se decida a existência de revisões periódicas desse objectivo".
Em entrevista à Renascença, Filipe Duarte Santos sublinha a dificuldade existente em conciliar os interesses de dois grandes grupos: os países mais emissores - que estão em desenvolvimento - e os hoje menos poluidores - países mais ricos - que já poluíram muito no passado.
Arranca esta segunda-feira mais uma Cimeira sobre o Clima, em Paris. O que está exactamente em causa e que expectativas para este encontro?
Penso que houve avanços significativos. Sobretudo, no que diz respeito à Cimeira de Copenhaga, de 2009, que criou uma metodologia diferente para reduzir as emissões globais de gases com efeito de estufa para a atmosfera. Essa metodologia foi adoptada na COP 19, em Varsóvia, e consiste em solicitar aos estados-membros da Convenção do Clima que indiquem qual a mitigação das alterações climáticas que podem fazer. Ou seja, qual a contribuição nacional voluntária de cada país para reduzir emissões. O mesmo é dizer que indicam o que estão dispostos a fazer para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis - petróleo, carvão e gás natural. Julgo que será interessante ver em que medida estas contribuições podem ser suficientes para que não se ultrapasse o limite de dois graus centígrados de aquecimento global até ao final do século.
Que razão faz com que esse limite esteja fixado nos dois graus centígrados?
É a temperatura a partir da qual os efeitos das alterações climáticas são particularmente prejudiciais para o desenvolvimento sócio-económico dos países. Por outro lado, é uma temperatura a partir da qual a resposta do sistema climático a esta intensificação do efeito de estufa na atmosfera se torna imprevisível, porque o sistema deixa de responder de uma forma gradativa e linear para poder responder de forma abrupta e mais perigosa.
Exemplos...
Pensa-se que o degelo da Gronelândia, que conduz ao aumento do nível do mar, se torna irreversível com um aquecimento global próximo desses dois graus centígrados. Outro exemplo: as florestas absorvem dióxido de carbono, em particular a Amazónia. Se a temperatura aumentar mais de dois graus, as árvores começam a definhar, as condições climáticas passam a ser adversas e, em vez de serem um sumidouro de CO2, passam a ser emissoras de CO2. Portanto, o problema agrava-se de uma forma muito significativa.
Estamos bem encaminhados para travar a tempo esse aumento da temperatura que tornaria esses fenómenos irreversíveis?
A temperatura já aumentou 0,85 graus centígrados. Por enquanto, os compromissos que foram apresentados em Paris não chegam para ficar abaixo dos dois graus. Espera-se que seja possível garantir esse objectivo. Provavelmente, não vai ser possível conseguir isso em Paris. Mas Paris vai permitir que se decida a existência de revisões periódicas desse objectivo. Ou seja, abre-se o caminho para cumprir esta obrigatoriedade de não ultrapassar este limiar dois dois graus centígrados.
O combate às alterações climáticas assenta numa responsabilidade partilhada. De um lado, temos os países emergentes, que são hoje os principais poluidores. Do outro, temos os países industrializados, que pedem moderação às nações em vias de desenvolvimento no que respeita às emissões de gases com efeito de estufa. Ou seja, este é um problema que responsabiliza todos, mas não por igual...
Basta pensar que, dos 12 países que mais emitem, sete são países em desenvolvimento. Em 1992, eram três. Por isso, há hoje um peso muito maior das emissões dos países menos desenvolvidos. Mas, por outro lado, a situação com que estamos confrontados, deve-se, sobretudo, às emissões dos países mais desenvolvidos. Portanto, há uma responsabilidade histórica desses países na modificação da atmosfera, uma contribuição maioritária na criação do problema com que estamos confrontados. Aí reside a dificuldade destas negociações, porque os países emergentes não cedem no seu legítimo anseio de se desenvolverem, usando as fontes de energia a que conseguem ter acesso.
E o problema é que o preço dos combustíveis fósseis é bastante mais reduzido...
Exactamente. Em particular, o carvão. E o carvão é - dos três combustíveis - aquele cuja combustão emite mais dióxido de carbono para a atmosfera. No caso da Índia, por exemplo, que é um país muito rico em carvão, o desenvolvimento depende do acesso à energia, porque o nosso paradigma civilizacional está baseado num consumo intensivo de energia. É assim desde a Revolução Industrial. Por isso, esses países, para se desenvolverem, precisam de acesso a energia. Quanto mais barata, melhor.
Como se altera o paradigma, permitindo a essas nações o acesso a energia que seja, ao mesmo tempo, economicamente acessível e amiga do ambiente?
Esses países têm feito um esforço muito significativo na diversificação das fontes de energia. Por exemplo, a China tem a maior indústria de energias renováveis do mundo. Bem maior que a dos Estados Unidos e da União Europeia. Portanto, esses países estão a fazer um grande esforço. Simplesmente, são muito populosos e têm um nível de desenvolvimento que não se compara ao do mundo ocidental. Por isso é que um dos pontos prioritários da agenda de Paris é perceber em que medida os países mais desenvolvidos estão disponíveis para ajudar financeiramente as nações mais pobres para que estas diversifiquem as suas fontes de energia e também se adaptem a este clima em mudança.