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Brasil. "Cunha e Dilma protagonizam um duelo de cadáveres"

04 dez, 2015 - 07:26 • José Bastos

“Desde a eleição de Dilma que o governo não governa”, afirma João Almeida Moreira. Com o processo de destituição, “o Brasil não vai, agora, parar; vai só continuar parado”, sustenta o correspondente da Renascença.

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O barómetro da saúde económico-financeira do gigante brasileiro fechou em alta depois de o presidente do Congresso ter admitido um pedido de afastamento da Presidente Dilma. A Bolsa de Valores de São Paulo operou em alta toda a sessão e fechou com uma valorização de 3,58%, um dia após a decisão de Eduardo Cunha.O real também se valorizou face ao dólar.

Serão estes sinais de que os mercados reagem positivamente à possibilidade da destituição de Dilma? Não necessariamente. Analistas sugerem que o processo soma dúvidas ao processo político e fiscal. O receio é de que uma atmosfera de incerteza e especulação pode afectar uma economia já a sangrar, retrair investimentos e aprofundar a recessão.

João Almeida Moreira, correspondente da Renascença no Brasil, analisa as implicações do pedido de impeachment de Dilma Rousseff.


Há possibilidade real do impeachment ter sucesso e Dilma ser destituída?

Haver, há. Segundo quem acompanha o dia-a-dia das votações na Câmara dos Deputados, apenas cerca de 130 deputados podem ser considerados leais ao governo e Dilma precisa de 171. Nos próximos tempos, deve haver luta voto a voto ,entre os blocos da situação e da oposição, pelos “híbridos”. No entanto, à primeira vista, os partidos à esquerda do PT, embora sejam oposição, devem votar com Dilma.

Admite-se que o processo poderá levar seis a sete meses. Até lá, o país paralisa politicamente?

Sim, mas isso não é novidade: desde a eleição, há mais de um ano, o governo não governa. O ajuste fiscal/ajustamento orçamental não progride porque a oposição tem votado até contra as suas próprias convicções para fragilizar o governo e porque o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tem usado de todo o tipo de expedientes para manter a política brasileira num impasse. Ou seja, o país não vai, agora, parar. Vai só continuar parado.

O que será mais decisivo no processo: a pressão da imprensa e da rua, ou a complexa rede de apoios partidária do governo?

É no Congresso - essa tal rede complexa - que o impeachment se decide, em última análise. Mas a rua e a opinião pública são cada vez mais decisivas no país. Num caso recente, o Senado decidiu-se pela manutenção da prisão do senador Delcídio do Amaral, quando, no passado, o mais provável é que se decidisse por uma posição corporativa. A opinião pública, mais forte, a imprensa, mais activa, forma essenciais - a sessão até passou em directo na TV. Mas a rua, a partir de agora, não será apenas anti-Dilma. Movimentos contra o impeachment e, sobretudo, contra Eduardo Cunha, que é a cara do impeachment, também deverão tomá-la.

Eduardo Cunha agiu por vingança ou por uma ‘tecnicalidade’? Acusado de corrupção, irá durar ainda menos que Dilma?

Vingança. Nem ele acredita na história da ‘tecnicalidade’. Horas antes, os deputados do PT puxaram-lhe o tapete no Conselho de Ética e ele reagiu com ímpeto e fúria, uma das suas imagens de marca. Cunha e Dilma protagonizam um duelo de cadáveres. Mas Cunha, submerso até ao pescoço no Petrolão, é mais cadáver que Dilma, cujo problema é a popularidade rasteira e a economia em cacos. Mas - quase toda a gente concorda - é honesta. Um e outra (ou o PT em vez dela) decidiram agora ir a jogo, esgotados pela chantagem mútua, de longos meses, mas ela parece com mais hipóteses de salvamento.

Se Dilma cair, Michel Temer, vice-presidente, assume. Terá condições para acabar o mandato ou o processo Lava Jato pode interferir?

A Lava-Jato é um tsunami que não olha a nomes ou a cargos. E Temer já foi citado aqui e ali. Não está a salvo, ninguém está, ninguém sente que está - e esse é o principal mérito da Lava-Jato.

Queda de 3,2% do PIB até Setembro, consumo em queda, investimento no pior nível desde 96, uma grave recessão (pode ser a mais expressiva desde os anos 30) – o governo está a tentar estabilizar as contas públicas... O futuro será cinzento?

Hoje, fala-se em retoma apenas em 2017 ou em 2018, quando, no início do ano, se falava em quarto trimestre de 2015 - este que vivemos agora, com impeachment e incertezas. Enquanto a crise política não for resolvida, a económica também não será. A aceitação do impeachment vale, pelo menos, como início da clarificação da área política.

A construção civil está parada com a redução dos investimentos e directamente afectada com as investigações Lava-Jato. Mesmo com Jogos Olímpicos à porta, é a prova de que a turbulência política é decisiva no fraco desempenho económico?

Sem dúvida. A guerra surda - ou, desde ontem, estridente - entre o legislativo e o executivo bloqueiam o país.

O FMI projecta que o Brasil vá cair para o nono lugar no ranking mundial das economias, depois de se ter aproximado do quinto na era dourada de Lula. Que efeitos sociais representa isto? Regresso à pobreza de boa parte da classe média? Imigração?

A classe C, como é chamada a faixa de quase 50 milhões de brasileiros que teve acesso ao consumo nos últimos anos, está a sentir que está a andar para trás. Fala-se cada vez mais em imigração, mas não tanto para os destinos dos anos 90, como Portugal, mas mais para países “à prova de crise", como EUA, Canadá, Austrália, Alemanha. No entanto, não acredito que o recuo deixe o Brasil pior do que estava antes do início da era dourada. Há conquistas que não se perderão facilmente.

Depois da Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos serão a próxima ‘vitamina’ simbólica que afastará a depressão da sociedade brasileira?

Para dizer a verdade, nem sinto que se viva um momento de grande depressão - na prática, por agora. Talvez por causa da proverbial alegria brasileira ou, então, talvez porque o povo sente que já passou, num passado recente, por situações piores, como a hiperinflação, a era Collor, etc. Os Jogos Olímpicos, por serem quase todos centrados numa só cidade de um país gigantesco e por não terem, nem de longe, o apelo popular de uma Copa do Mundo, não me parece que terão muita influência no estado de espírito dos brasileiros. Pelo menos, dos não cariocas.

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