17 dez, 2015 - 19:09 • Inês Alberti, em Valladolid
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Quem não soubesse, ficaria surpreendido por ver longas filas de pessoas serpenteando os arredores do Centro Cultural Miguel Delibes, em Valladolid, naquela noite fria de uma quinta-feira.
Quem soubesse que se tratava de um evento da campanha do esquerdista Podemos, um dos partidos que ameaçam o bipartidarismo espanhol, no qual falaria o líder Pablo Iglesias, ainda mais surpreendido ficaria. Mais de 1.700 pessoas encheram a sala do centro cultural daquela cidade, a 200 quilómetros de Madrid, e tradicionalmente de direita.
“Acho que ninguém estava à espera de tanta gente, nem os da organização”, diz à Renascença Monica Salas, de 40 anos, que esteve uma hora e meia na fila para entrar. “É preciso mudar as coisas neste país. E este é o único partido que pode mudar alguma coisa.”
Carlos, de 50 anos, trabalha nos Correios com um contrato temporário. A filha quer emigrar “porque não vê futuro” em Espanha. Também esteve uma hora na fila, mas não ficou surpreendido pela adesão. “Muitos estão aqui pelo Pablo Iglesias, ele é a 'atracção' do partido, mas sobretudo porque as pessoas querem uma mudança em Espanha, querem o fim do bipartidarismo, da corrupção”, diz.
Também Álvaro, um estudante de 24 anos, confirma o mesmo discurso: “Estamos cansados do mesmo”. Foi a primeira vez que foi a um evento político, que encontrou nas redes sociais, porque “queria ver o Pablo Iglesias”. “Ele é um fenómeno.”
“Sí, se puede”
Apesar do esforço do voluntário, na casa dos 30 anos, à porta do edifício, de contar o número de “Podemitos” que entravam em fila ordenada, muitos acabaram por ficar de fora.
Dentro da sala, o público vibrava de entusiasmo, rompendo espontaneamente em aplausos ou cânticos (“Sí, se puede” – sim, é possível). Por toda a audiência viam-se camisolas e balões roxos com o símbolo do Podemos ou bandeiras republicanas.
Jovens, idosos, crianças, solteiros, pais, desempregados, empregados, pessoas que sempre votaram no mesmo partido ou aqueles que vão votar pela primeira vez, todos ali estavam pela mesma razão: mudança.
A música do Caça-Fantasmas – que abre sempre os comícios do Podemos – deu início à entrada em cena de Pablo Iglesias.
É recebido como uma estrela de rock. De cabelo longo apanhado, pulseiras de couro no pulso, mangas da camisa arregaçada, desceu com dificuldade as escadas até ao palco, rodeado por fãs que pediam um aperto de mão, um autógrafo, uma “selfie”.
Antes de Iglesias, falou Irene Montero, candidata do partido a vice-primeiro-ministro. Licenciada e com um mestrado em psicologia, tem 27 anos, e é uma espécie de Mariana Mortágua versão Podemos. Tem sido tanto criticada por ser demasiado nova para um cargo tão importante, como elogiada por ter começado tão cedo a sua carreira política.
Subiu ao púlpito emocionada, onde apelou ao voto dos “avós e dos netos”, criticando duramente os governos anteriores e “os senhores do velho”.
A sobrevivência de Roberto
Em vez de um comício típico, Iglesias apostou numa espécie de “entrevista de trabalho”. Os membros da audiência fizeram-lhe perguntas “mais difíceis que aquelas que eles fazem na televisão”.
Falou Pedro, um desempregado de 24 anos, que queria saber sobre medidas para quem esteja a entrar no mercado laboral; Inês, arquitecta de 32 anos, também sem emprego, que queria perceber melhor o TTIP (tratado de livre comércio entre a União Europeia e o Estados Unidos); Isidro, de 34 anos, licenciado em jornalismo, desempregado, interessado em saber mais sobre as medidas de protecção ambiental; Isabela Rosso, de 41 anos, mãe de dois filhos, desempregada e que agradeceu a Iglesias por “dar esperança a tantos”.
Emocionado, Roberto quis saber como é que uma família de quatro, em que o pai está desempregado, a mãe contraiu dívidas como trabalhadora independente e uma das filhas é celíaca, pode viver “um bocadinho mais feliz”.
“Quanto ganhas por mês?”, perguntou Iglesias. Roberto respondeu “480 euros”, de lágrimas nos olhos. A sala indignou-se. O candidato comentou: “Isso é indecente.”
“Estamos num país em que mais de metade dos desempregados recebem absolutamente nada, têm que viver às custas de amigos, dos avós, que têm que fazer um esforço enorme para tirar algum dinheiro da pensão. Assim não se pode viver”, acusou. Iglesias prometeu aumentar o salário mínimo até aos 900 euros de forma gradual nos próximos anos e limitar o salário de cargos públicos até três vezes o salário mínimo.
Netos, falem com os avós
O que pareceu mais um convívio entre amigos onde se falou de trabalho, de política, de economia, do ambiente, da vida dos avós, das crianças, dos netos, dos pais, terminou ao fim de uma hora e meia.
O líder do Podemos pediu aos netos que “falem com os seus avós”, porque é preciso mostrar-lhes “que as suas lutas não foram em vão”, porque é preciso “construir um projecto novo para este país, que faça os nossos filhos e netos tão orgulhosos de nós, como nós somos dos nossos pais e avós”.
“O fundamental num Presidente [do Governo] não é que use gravata ou um fato muito caro e que se olhe ao espelho para ver o quão elegante que está. Para mim, o fundamental é que um Presidente esteja preparado, que dê a cara, que não se esqueça que é um trabalhador posto ali pelo povo para trabalhar para o povo.”
No próximo domingo, pediu o candidato, “é preciso uma demonstração cívica, de todos os povos deste país (…), que com ternura, vão às urnas com um sorriso na cara.” “Porque sim, é possível!”