21 dez, 2015 - 01:40 • José Bastos
No início da viagem ao desconhecido na Espanha, aparentemente ingovernável, saída das eleições, Mónica Ferro identifica o PSOE como o “grande derrotado” do momento.
A ex-secretária de Estado da Defesa não antecipa uma solução de governação “à portuguesa” porque os socialistas veriam o seu espaço tradicional ameaçado pelo Podemos, de Pablo Iglésias, um dos vencedores da noite. Questão de sobrevivência, portanto.
Ainda assim, Mónica Ferro salvaguarda que no processo de encontrar soluções “o exercício do poder é a cola mais agregadora de todas”.
A especialista do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Lisboa não afasta um quadro de novas eleições em que os eleitores poderão regressar a um voto mais tradicional, leia-se, mais do bipartidarismo agora derrotado. Seria a reacção a ter experimentado “uma solução que nem sequer conseguiu gerar um Governo”.
Esta segunda-feira, em Espanha, mais que perguntas há uma constatação: é preciso negociar muito, negociar sem parar…
Esta segunda-feira é dos dias mais interessantes na política espanhola em muitos anos. Não só temos o fim do bipartidarismo puro de dois partidos – alternavam no poder como se fosse natação sincronizada – numa alternância perfeita como temos a emergência de dois novos partidos relevantes. Também muda o peso relativo do PSOE neste novo elenco eleitoral. Mariano Rajoy vai ter de arranjar alianças.
Não creio que possa ser outro partido que não o PP a tomar a dianteira no processo de formação de novo governo, mesmo numa altura em que se desenham a lápis as várias coligações possíveis.
São aritméticas que se poderão fazer mais tarde, mas agora cabe ao PP tentar encontrar uma fórmula para, pelo menos, Rajoy ser investido como primeiro-ministro.
Mas quais são as alternativas verdadeiramente realistas à disposição de Rajoy e do PP?
Tentar, desde logo, uma aproximação com o Ciudadanos, apesar das resistências de Albert Rivera, e mesmo assim seria uma força minoritária. Daí que a via que Rajoy terá de explorar será contactar o maior número de partidos, incluindo forças nacionalistas, e tentar arranjar um acordo que permita a investidura. Um acordo que pode ampliar-se a médio prazo no sentido de poder discutir questões que sejam caras a essas forças e tentar um entendimento mais substantivo. Mas a prioridade de Rajoy é poder ser investido como primeiro-ministro.
A “solução à portuguesa” será uma possibilidade numa segunda fase? PSOE aspirar a governar Espanha com apoios à sua esquerda e nacionalistas (o Podemos tem resultados notáveis na Catalunha e País Basco)?
A possibilidade constitucional existe. Se o partido mais votado não conseguir formar governo, 48 horas depois o Rei poderá convidar o segundo partido mais votado. Mas acho que uma coligação 'à portuguesa' será muito difícil porque acredito que o PSOE – o grande derrotado das eleições espanholas – não vai querer coligar-se com o Podemos – está a ser apresentado como o grande vencedor da jornada - porque os socialistas irão ver ameaçado o seu espaço eleitoral tradicional.
Já o Ciudadanos dificilmente se irá envolver num compromisso com o PSOE, apesar de no seu programa ter temas habitualmente caros à esquerda. Neste processo de tentar encontrar colas agregadoras sublinho, no entanto, que o poder é a cola mais agregadora de todas.
Portanto, somados os votos do Podemos com as várias alianças regionais e nacionalistas feitas com a força de Pablo Iglesias – deputados que no Congresso votarão ao lado do Podemos – talvez haja nesse quadro, no limite, a possibilidade de se encontrar “uma solução à portuguesa” no sentido de partidos que não ganharam as eleições poderem governar.
Por irónico que possa parecer face à derrota do bipartidarismo PP-PSOE estável, estável, seria uma “grande coligação à alemã”? Com Rajoy e Sánchez parece impossível…
Os últimos dias de campanha foram muito agrestes na relação dos dois. O debate televisivo entre os dois líderes ficará para os anais de ciência política na parte: ‘O que não se deve fazer num debate’. Será a análise de todo aquele tom de confronto. Será o momento em que Sanchéz diz a Rajoy: “Você não é uma pessoa decente”. Um tom que terá concorrido para Rajoy ter um melhor resultado nestas eleições. Esta relação a somar a um quadro de crescente confrontação nacional e regional entre os dois partidos contribui, em princípio, para inviabilizar um cenário de acordo entre estes dois líderes. A política está hoje demasiado personalizada para que neste caso possa resultar. Nas últimas horas também já se especulava o cenário da desistência de um ou de outro da liderança dos seus partidos de forma a poder viabilizar uma grande coligação ao centro.
Nesse cenário o elo mais fraco seria Pedro Sánchez?
Sim. Pedro Sánchez perde nestas eleições um espaço que era tradicionalmente do Partido Socialista, do PSOE.
Mas o PSOE não exigiria como moeda de troca a saída de Rajoy e a sua substituição por Soraya Sáenz de Santamaría, a número 2 do Governo?
A possibilidade não está afastada num contexto de avaliação dos vários cenários. Rajoy envolveu Soraya Sáenz em vários debates numa dinâmica que foi entendida como ‘o apontar de dedo’ à sucessora. A decisão podia até servir para pacificar algum processo de tensão interna num PP que quer renovação. De resto, veja-se o que aconteceu nestas eleições: três dos quatro principais candidatos tinham uma média etária de menos de 40 anos. 36, 37 e 43 anos. Rajoy aparece penalizado por uma imagem mais conservadora: um homem de 60 anos, com experiência política, mas como se houvesse uma questão quase geracional na política espanhola. Embora em política a experiência seja muito importante, o facto de uma mulher jovem e competente como Soraya Sáenz assumir destaque pode servir para suavizar um pouco esta questão geracional.
Agora a chave está no rei Filipe VI, 40 anos depois do pai, a enfrentar uma ‘segunda transição’ espanhola. Será surpreendente se optar por novas eleições em 2016?
Essa seria ‘a marca de água’ do início do reinado de Filipe VI. Sem possibilidade de ser constituído um novo Governo, a data de investidura que está marcada é 13 de Janeiro, contam-se 60 dias para permitir constitucionalmente a realização de novas eleições. Nesse cenário, uma de duas: ou temos o Podemos a confirmar uma trajectória de ascensão ou, então, poderemos ter o regresso a uma tendência de voto mais tradicional, como que dizendo “experimentamos uma solução que nem sequer foi capaz de gerar um novo governo”. Nesse quadro, se os números da melhoria económica continuarem a aparecer, aposto então num PP reforçado eleitoralmente.