28 fev, 2016 - 14:58
Há uma batalha em curso nos Estados Unidos pelo acesso aos códigos de um telemóvel. A Apple recusa acatar uma ordem judicial de colaboração com o FBI para desbloquear um Iphone usado por um dos alegados autores de um atentado que vitimou 14 pessoas em San Bernardino, na Califórnia. A intenção das autoridades é o desenho de um novo software que elimine protecções de segurança criadas pela Apple para segurança dos utilizadores dos aparelhos.
A Apple baseia a sua defesa na invocação da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, ao nível da protecção da liberdade de expressão, onde se inserem códigos criados pela empresa. Ambas as partes vão testemunhar na próxima semana no Congresso em Washington.
O tema lança um debate sobre fronteiras entre a protecção de dados pessoais e da defesa da segurança nacional e é comentado no programa "Fora da Caixa" por dois políticos com formação jurídica. Pedro Santana Lopes diz que é preciso separar as águas.
" Tim Cook diz: ‘Eu já forneci tudo o que respeita ao telemóvel do dito terrorista, agora não vou fornecer o tal software, a tal chave, que permitiria ao FBI e às autoridades terem acesso a todo e qualquer um dos aparelhos que, porventura, estivessem envolvidos em operações deste tipo’. Aí eu acho que há uma fronteira. É razoável fornecer a do que está envolvido, [mas] não fornecer o software que possibilidade o permanente acesso", considera o antigo primeiro-ministro.
António Vitorino sublinha que o FBI quereria criar um software específico para fazer a desencriptação de dados. " O que a Apple diz é uma coisa muito interessante, é que o sistema de segurança dos iPhones da Apple – isto não deve ser entendido como publicidade – quando se tenta descodificá-los utilizando uma série de vezes uma ‘password’ errada acciona um mecanismo especial de protecção. Demora cinco anos a tentar descobrir o código ou apaga tudo. Podemos estar a ter um enorme batalha legal em torno de um telemóvel que já não tem, rigorosamente, lá nada!", diz Vitorino na Renascença.
Como seria na Europa
O caso é formalmente de natureza americana mas tem ressonância global. Seria diferente na Europa, com outro enquadramento social e constitucional?
"Com todas as cautelas que um prognóstico deste género deve merecer, em princípio, a Apple defender-se-ia com os mesmos argumentos, em função dos mesmos valores e direitos fundamentais", alvitra António Vitorino. Já Pedro Santana Lopes tem outra convicção, a de que " na Europa seria mais difícil para a Apple e o argumento da segurança seria mais prevalecente".
Para justificar a sua opinião, o antigo primeiro-ministro invoca o momento de combate ao terrorismo que se vive na Europa. "Estou a pensar no exemplo do Presidente francês, François Hollande, nas medidas excepcionais tomadas, na reacção que suscitou ou não suscitou. O que é facto é que as coisas avançaram.É muito curioso. Estamos a falar dos dois países das declarações dos Direitos do Homem ou das revoluções contemporâneas desses movimentos das luzes. Nos Estados Unidos penso que é mais forte a reacção do lado dos direitos fundamentais, apesar da grande preocupação com a segurança", comenta Santana Lopes.
O processo recorda a forma como o acesso a informação pessoal contida em meios electrónicos é matéria de grande sensibilidade. António Vitorino considera que houve um travão na forma como o acesso era proporcionado às autoridades.
" Como nós vimos com as revelações do Edward Snowden, o acesso irrestrito era fornecido pelos operadores de telecomunicações. Isso está um pouco em retrocesso. Esses operadores têm a consciência que não podem continuar seguir as práticas que seguiram anteriormente de acesso irrestrito, quase de devassa. Onde é que se encontra o justo ponto de equilíbrio? Quando o pêndulo começar a oscilar dentro de uma área um pouco mais limitada", remata o antigo comissário europeu.