17 mar, 2016 - 19:57 • Ricardo Vieira
Quando os procuradores começaram a puxar o fio à meada, em 2013, nem imaginavam que estavam a abrir uma verdadeira caixa de pandora. A mais recente peça do complexo puzzle, com ligações aos negócios e à política, é um herói do povo: o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As notícias de que Lula da Silva estava a ser investigado por suspeitas de corrupção tinham vários meses e confirmaram-se no início deste mês.
A 4 de Março, a polícia bateu à porta do homem que presidiu aos destinos do Brasil entre 2003 e 2011. Lula da Silva foi detido e interrogado nas instalações da Polícia Federal do Brasil no Aeroporto de Congonhas.
Simultaneamente, a casa do antigo Presidente, em São Bernardo do Campo, no estado de São Paulo, e a casa de um dos seus filhos, Fábio Luiz, conhecido como “Lulinha”, foram alvo de buscas.
Esta nova fase da operação “Lava Jato”, denominada “Aletheia”, incluiu ainda buscas nas instalações do Instituto Lula e na empresa de construção civil Odebrecht.
Lula da Silva foi inquirido pela equipa especial de procuradores encarregue do caso “Lava Jato”, processo liderado pelo juiz federal Sérgio Fernando Moro, e libertado ao fim de quatro horas.
O antigo líder do Partido dos Trabalhadores (PT) dirigiu-se ao país para negar todas as acusações. “Não devo nem temo”, declarou.
Cinco suspeitas capitais
Os esclarecimentos de Lula da Silva não convencem o Ministério Público. Para os procuradores, "há evidências de que o ex-Presidente Lula recebeu valores oriundos do esquema Petrobras por meio da destinação e reforma de um apartamento triplex e de um sítio em Atibaia, da entrega de móveis de luxo nos dois imóveis e da armazenagem de bens por transportadora. Também são apurados pagamentos ao ex-Presidente, feitos por empresas investigadas na Lava Jato, a título de supostas doações e palestras".
Em causa estão alegados favores, doações e o pagamento de serviços de palestras, num total de 7,2 milhões de euros. O dinheiro será proveniente de seis empresas ligadas ao escândalo de corrupção na petrolífera Petrobras.
Os procuradores acreditam que Lula da Silva é o verdadeiro proprietário de uma quinta em Atibaia, São Paulo. Terá sido uma prenda de empresas de construção em troca de favores. O ex-Presidente brasileiro admite que frequentou a quinta, mas garante que não é o dono.
Outra das suspeitas que recai sobre o antigo líder do PT é a de que utilizou o Instituto Lula para receber vantagens indevidas das construtoras envolvidas no escândalo da Petrobras/Lava Jato.
O Ministério Público suspeita que o antigo Presidente utilizou a empresa LILS Palestras para receber subornos dos empreiteiros, entre 2011 e 2014. O Instituto Lula nega qualquer irregularidade e garante que o pagamento de mais de 70 palestras dadas por Lula da Silva foi declarado ao fisco e que os respectivos impostos foram pagos.
Lula da Silva também é suspeito de ser o verdadeiro proprietário de um apartamento triplex, no condomínio Solaris, na zona de Guarujá. Mais uma prenda das construtoras. A defesa nega ocultação de património e garante que o ex-Presidente desistiu de comprar a casa de luxo.
Por fim, terá recebido uma vantagem indevida da construtora OAS, que pagou a mudança e o armazenamento de bens pessoais retirados do Palácio do Planalto quando Lula deixou a Presidência, em 2011. O Instituto Lula garante que a mudança foi paga pela Presidência.
O plano B de Lula
Quando já se começava a falar na possibilidade de prisão preventiva, Lula da Silva é nomeado ministro da Casa Civil da Presidente Dilma Rousseff.
O cargo é equivalente ao de primeiro-ministro e confere alguma imunidade jurídica. Lula da Silva pode apenas ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal e já não pelos procuradores do Ministério Público responsáveis pela operação “Lava Jato”.
O Supremo Tribunal do Brasil tem um total de 11 juízes. Oito foram nomeados por Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Lula da Silva tomou posse como chefe da Casa Civil esta quinta-feira, 17 de Março, mas a nomeação foi suspensa poucos minutos depois por uma decisão judicial. O Governo pode e vai apresentar recurso da decisão.
Horas antes da cerimónia, o juiz federal Sérgio Moro divulgou gravações de escutas de conversas entre Dilma e Lula, em que a Presidente diz ao seu antecessor que mandou alguém entregar o termo de posse do ex-Presidente como ministro, para o caso de ser necessário.
A Polícia Federal considera que as escutas demonstram a tentativa da Presidente de interferir nas investigações.
O maior escândalo de corrupção da história do Brasil
O caso “Lava Jato” começou em 2013, em Curitiba, no estado do Paraná, com uma investigação à utilização de uma rede de postos de combustíveis e de lavagem de carros (lava a jato) para branqueamento de capitais de organizações criminosas.
O caso local foi ganhando contornos nacionais e é hoje o maior esquema de corrupção em investigação da história do Brasil, que envolve a petrolífera Petrobras, grandes empresas de construção civil e políticos.
“O maior processo de corrupção em investigação no Brasil começou com simples suspeitas de branqueamento de capitais, mas revelou rapidamente um “polvo” com inúmeros tentáculos que tocam a empresa Petrobras, empresários de topo e a política. Ao todo, são cerca de 500 as pessoas e empresas sob investigação. O esquema, baseado na superfacturação de contratos públicos, terá lesado o Estado brasileiro em mais de seis mil milhões de euros”, disse o procurador Roberson Pozzobon, em entrevista à Renascença no final do ano passado.
Mais de 50 pessoas foram condenadas até ao momento, entre os quais Marcelo Odebrecht, o antigo líder da maior empresa de construção civil da América Latina, que vai passar os próximos 19 anos na cadeia pelo envolvimento no escândalo de corrupção.
A sentença do tribunal de Curitiba ajuda a perceber o que está em causa. Odebrecht é formou um cartel com outras empresas que, desde 2006, apresentaram “sistematicamente” propostas combinadas para ganhar concursos de obras da Petrobras.
As construtoras decidiam quem ganhava as obras, manipulavam os preços dos projectos e pagavam subornos. “Eles conseguiam, sem uma real concorrência, serem contratados pelo preço mais elevado possível”, explicou o juiz Sérgio Moro sobre o esquema que começou durante a presidência de Lula da Silva.
[notícia corrigida às 01h29]