21 mar, 2016 - 19:09 • José Pedro Frazão
Depois de o PP não ter conseguido apoios para governar, o PSOE encontra os mesmos problemas, ao não encontrar uma fórmula que junte o partido Cidadãos (Ciudadanos, no original), de centro-direita e o Podemos, de extrema-esquerda. Este último está agora a debater-se com uma luta interna pelo poder ao nível dos seus principais dirigentes.
“A política espanhola é muito personalizada e há ali verdadeiros conflitos de personalidades. Há quem diga que a solução será a substituição das liderança dos dois partidos - PP e PSOE”, afirmou António Vitorino na edição da passada sexta-feira do "Fora da Caixa" da Renascença.
Certo é que nem Mariano Rajoy, líder do PP, nem o socialista Pedro Sánchez têm conseguido superar os obstáculos para formar plataformas de Governo com base num quadro parlamentar fora do tradicional bipartidarismo espanhol. E Pablo Iglésias, líder do Podemos, combate o seu número dois numa cisão na cúpula de um movimento partidário que poderia dar ao PSOE a ilusão de replicar uma solução de governo “à portuguesa”, ainda que com a companhia dos Cidadãos.
“Creio que não houve sequer uma verdadeira tentativa de formar uma solução à portuguesa”, diz António Vitorino, que lembra que o PSOE decidiu uma “aproximação completamente distinta” ao escolher os Cidadãos como parceiro de coligação. “Consigo compreender essa opção de Pedro Sánchez. Esse é um reforço de um centro político que ficou muito debilitado com o resultado destas eleições. O problema da Europa é que em todos os países o centro político está a afundar-se. Nessa medida, o PSOE, como uma das componentes do centro politico em Espanha, tentou encontrar uma alternativa de coligação com um partido de centro-direita como o Ciudadanos”, argumenta o antigo ministro do PS.
Manda quem pode no Podemos?
Pedro Santana Lopes ensaia uma outra explicação para as diferentes experiências de Portugal e Espanha, ligada à forma como a austeridade foi vivida em ambos os países.
“Como a austeridade foi mais pesada em Portugal, a esquerda e extrema-esquerda portuguesa e os seus eleitores não aceitariam que não pusessem fim a essa governação dos partidos mais identificados com o período mais difícil. Em Espanha é diferente. A austeridade não foi tão pesada e o Podemos quer muito mais do que querem o PCP e o BE. O Podemos quer seis ministérios relevantíssimos. Já o PCP e o BE nem querem aparecer como muito responsáveis pelo Governo”, analisa o antigo primeiro-ministro na Renascença.
As comparações são inevitáveis, mas António Vitorino separa águas. “O Podemos é uma organização muito especial. Não creio, aliás, que seja justo compará-lo com o BE aqui em Portugal. As histórias, os percursos e as origens são completamente distintas”, assinala o militante socialista.
Com as divergências internas a ganharem força na cúpula do Podemos, o seu líder Pablo Iglésias acaba de afastar homens próximos ao número dois do movimento. Vitorino lembra um ditado francês que sustenta que todas as coisas de natureza profunda acabam por vir à superfície, impedindo de fugir à sua natureza.
“Pablo Iglésias é claramente um líder caudilhista, muito mais à vontade na política clássica da América Latina ou na corrente chavista do que Catarina Martins aqui em Portugal. E é um caudilhismo autoritário, como estamos a ver”, acrescenta Vitorino no debate de temas europeus e internacionais da Renascença.
Prognósticos do fim do jogo
O futuro político espanhola continua incerto ao ponto do actual quadro parlamentar parecer incapaz de fornecer uma solução governativa. O socialista António Vitorino considera “muito pouco provável” que haja um governo em Espanha e antecipa a realização de novas eleições.
“O drama espanhol vai ser agravado se as novas eleições não produzirem uma mudança significativa do quadro partidário”, acrescenta Vitorino. Para Santana Lopes, com a ressalva da dificuldade em prever cenários em Espanha, os partidos que tentaram formar Governo podem vir a ser premiados nas urnas pelo seu esforço. “Apostaria no fortalecimento dos Ciudadanos e do PSOE, porque apesar de tudo Sánchez foi lá e tentou”, acrescenta o social-democrata.
Quanto a Rajoy, a imagem do ainda primeiro-ministro parece demasiado debilitada. “Rajoy colocou-se numa posição de não ir à investidura, escaldado com o que aconteceu em Portugal. Se Rajoy não cansar com tudo isto…”, diz Santana.
O impasse político não tem afectado ainda os números da economia espanhola, que terminou 2015 a crescer acima de 3%. António Vitorino admite que a falta de soluções pode começar a ter repercussões na confiança dos investidores.
“Por enquanto, ainda não há ainda muitos sinais disso, a economia espanhola continua a funcionar. Mas a prazo, se não houver uma solução, este compasso de espera que ainda não produz danos irreparáveis pode começar a ter efeitos negativos do ponto de vista económico. E isso também não é bom para Portuga”, alerta o comentador da Renascença.