29 mar, 2016 - 17:36 • João Carlos Malta
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O juiz do Tribunal Federal do Brasil Gilmar Mendes saltou recentemente para a ribalta mediática depois de ter impedido a tomada de posse do ex-presidente da República do Brasil Lula da Silva como ministro.
Gilmar Mendes está em Portugal para participar no 4.º seminário de direito luso-brasileiro de direito, um evento polémico que tem o papel da Constituição em tempo de crise política e económica no centro do debate.
Considerado no Brasil como opositor de Lula, Gilmar Mendes falou abertamente do momento político brasileiro e até disse que a corrupção instalada não se reformará por dentro do sistema político. Afirmou que a pressão da opinião pública é fundamental.
Numa longa conversa de mais de dez minutos com os jornalistas, que a Renascença reproduz aqui na íntegra, Gilmar Mendes considera que os 14 anos de governação do PT instalaram no Brasil um “sistema de corrupção” entre os poderes político e económico como o Brasil nunca conheceu.
O Brasil está a passar um momento conturbado. A Constituição pode ajudar a ultrapassá-lo?
Tem-nos ajudado. Passámos por sérias crises desde 1988 até aqui. Tivemos um “impeachment” [destituição] em 1988, de Fernando Collor de Mello, e episódios ligados à corrupção no parlamento. Tivemos crises graves, mas dentro dos marcos constitucionais.
Como é que responde às críticas a este evento, que foi apelidado de conspirativo por juntar muitas figuras ligadas à oposição ao governo do PT?
Há pessoas ligadas à oposição como há pessoas que apoiam o governo. Está cá o vice-presidente do Senado Jorge Viana, o ex-advogado da União [Luís Inácio Adams]. Em suma, é um evento plural, como tudo o que nós fazemos. Há pessoas que são de direita e pessoas que são de esquerda. Em rigor, é um evento plural.
Os manifestantes à porta da Faculdade de Direito queixam-se da promiscuidade da Justiça com o poder político. É um problema no Brasil?
A justiça no Brasil é profissional. O juiz entra no quadro judiciário por concurso público. É difícil seleccionar pessoas de um partido ou de outro, ao contrário do que ocorre em vários países. Não se pode falar de partidarização da justiça. O que se tem de examinar é se a Justiça está a cumprir bem ou mal o seu papel. Quando a justiça condena alguém de um partido diz-se que está a condenar alguém daquele partido, mas o que temos de perguntar é se condenou alguém que cometeu delitos.
Há quem argumente que as escutas a Dilma e Lula foram ilegais. A justiça está a fazer bem o seu papel?
Primeiro, temos de saber se houve ou não divulgação de escutas ilegais. De facto, o juiz fundamentou a decisão com o interesse público. Isso terá de ser examinado pelos tribunais superiores e num estado de direito quem não concorda com as decisões da 1.ª instância recorre para a 2.ª instância. Mas não quero fazer muitos juízos sobre isso porque posso vir a julgar esse caso no Supremo Tribunal Federal.
Esta terça-feira, o PMDB, partido que sustenta a coligação com o PT, vai decidir se mantém a confiança na Presidente Dilma Rousseff. Se for retirada, o que pode acontecer?
Estamos a viver uma crise e se o PMDB confirmar o plano de sair do Governo, certamente o quadro de governabilidade vai ser mais afectado. A base de apoio vai ser ainda mais reduzida, mais diminuída.
Haverá um cenário de eleições antecipadas?
Isso só acontecerá se houver uma renúncia do Presidente ou do vice-presidente. Ou se houvesse a suspensão dos mandatos do Presidente e do “vice”, que pode ocorrer em tese por haver um processo em tramitação no tribunal eleitoral por abuso de poder politico e económico. É algo que pode ocorrer a longo prazo, mas nem sei se acontecerá.
Lamenta que o vice-presidente [MIchel Temer] não tenha vindo a Portugal para participar neste seminário?
Lamento sim. Teria uma presença marcante, mas entendemos que, devido à definição da data para a reunião do PMDB, é compreensível a ausência. Mas ele até se comprometeu a vir a Lisboa noutra data.
Disse recentemente que no Brasil havia um clima de corrupção generalizada na política brasileira. Como se pode resolver esse problema?
Tenho um sentimento positivo, de vitória. Porque as instituições brasileiras estão a pôr cobro a esse quadro grave de corrupção. Estão a conseguir investigar e punir os responsáveis de casos como o “Petrolão” ou o “Lava Jato”. Tenho também um sentimento de frustração de que não fomos capazes de desenvolver instituições que prevenissem esse quadro de malfeitoria. Nos últimos 14 anos [desde que o PT assumiu o poder] tivemos a instalação de um sistema de corrupção. Temos um modelo de governação cleptocrático. Será desejável que o sistema de justiça tivesse interrompido esse quadro antes.
A corrupção só começou há 14 anos?
Certamente que o sistema politica tem vícios há muito tempo, mas este sistema instalado, como o que aconteceu na Petrobras, não se conhecia.
Como é que os brasileiros podem olhar com confiança para uma possível mudança politica num sistema que está inundado de corrupção em todos os espectros partidários?
Nós temos de fazer reformas no sistema político. O vice-presidente Temer evidenciou, as pessoas querem mais ética e mais reformas na política. O Supremo Tribunal impediu normas que permitiam a doação de empresas privadas.
O PT tem dito que estas investigações a empresas muito importantes como a Petrobras e a Odebrecht têm consequências económicas graves para o país. Como olha para estas declarações?
Não se pode fazer essas considerações. O combate à corrupção não tem que ter em conta esses aspectos. Não se pode dizer que o “Lava Jato” e o combate à corrupção devem ser interrompidos no interesse do desenvolvimento económico. Isso não faz sentido.
Por que é que há mais apoiantes do “impeachment” do que da reforma do sistema político?
A reforma do sistema político não se dá pelos políticos que estão no Parlamento, porque eles são beneficiários desse sistema. É difícil fazer a auto-reforma sem uma pressão da opinião pública. E ela está a manifestar-se para mudar este modelo porque percebe que ele leva a práticas corruptas.