30 mar, 2016 - 11:10 • André Rodrigues
Nem foi preciso votação. Numa eufórica reunião extraordinária, que não durou mais do que escassos cinco minutos, a decisão do PMDB de abandonar Dilma e o PT foi ruidosamente aclamada. Os seis ministros do chamado partido-charneira do regime brasileiro receberam ordem expressa para abdicarem dos cargos. E há entre os analistas quem antecipe que esta deserção possa desencadear o abandono de outras forças partidárias que suportam o executivo da Presidenta.
Em declarações à Renascença, Francisco José Viegas, antigo secretário de Estado da Cultura e conhecedor da realidade política e social brasileira, considera que está aberta a porta "para a solidão do PT e para a desagregação do poder" no Brasil.
O corte do PMDB, o maior partido da coligação de governo no Brasil, com o PT é um sinal de que Dilma Rousseff já não tem amigos?
É sobretudo um sinal de que o partido-charneira do regime brasileiro se distanciou de Dilma e entregou o PT à sua desdita. O PMDB é um partido de poder, mas é sobretudo o partido de que os outros se servem para chegar ao poder. Isso aconteceu com o PSDB e acontece também com o PT. É o único partido que acompanha a mudança do regime desde o princípio. E até antes, porque é herdeiro da tradição oposicionista dentro do próprio regime. Por isso, esta saída do PMDB traduz um isolamento cada vez maior de Dilma e do governo. Significa, obviamente, a perda do apoio fundamental do PT quer no Congresso, quer no Senado, quer a nível nacional.
Parecem cada vez mais remotas as hipóteses de sobrevivência do governo de Dilma Rousseff - que, aliás, enfrenta o processo de destituição no Congresso. Dilma podia ter evitado este cenário de crise política, antecipando-se, por exemplo, com uma demissão?
Dilma podia, pelo menos, ter negociado com o PMDB uma outra saída. Acontece que o isolamento da presidente e do PT, e depois a entrada em cena de Lula da forma que todos sabemos, criaram uma situação insustentável. Por um lado existia o "impeachment", que já tinha grande apoio dentro do PMDB. E depois, a queda em desgraça do PT, e a evidência de que a mancha da corrupção tinha definitivamente tocado em Lula. Esse foi, a meu ver, o golpe final.
Eu diria que esta deserção do PMDB é um sinal muito importante, porque o PT é uma espécie de sismógrafo da política brasileira e daquilo que os brasileiros designam como fisiologismo. Isto é: a troca de favores, a instrumentalização do Estado, os negócios entre o Estado e as grandes empresas e a ocupação dos lugares-chave do Estado. Portanto, uma imagem que não é muito elegante para o PT é de que os ratos começam a abandonar o navio. E isto é muito significativo porque o PT sempre esteve ligado a todos os governos da democracia brasileira.
Por isso, esta deserção do PMDB - que já não tem nada a ver com o PMDB original, congregador, que reunia toda uma nova geração de políticos depois do regime militar - é um sinal muito grave para Dilma Rousseff que está isolada, quer no PT quer na sociedade brasileira.
Diria que estamos perante a mais grave crise política da história da democracia?
Eu penso que será mais do que isso. Estamos a assistir à agonia do próprio Brasil. E isso é lamentável. Os políticos no Brasil habituaram-se a considerar o poder como coisa sua. E este poder é tentacular e tem a ver com a posse, não só do aparelho do Estado, mas de todas as empresas ou instituições financeiras e políticas que gravitam à volta do aparelho do Estado. Portanto, este corte do PMDB é um sinal grave da solidão do PT que, sozinho, não consegue formar um governo nem uma maioria suficientemente estável nem no Congresso nem no Senado. Portanto, é a porta aberta para a solidão do PT e para a desagregação do poder.
Mas esta deserção parece também revestir-se de evidentes contornos tácticos. Caso se confirme a destituição de Dilma no Congresso, estará aberta a porta para Michel Temer, líder do PMDB - que é também o vice-presidente brasileiro - chegar ao poder?
Não tenho a certeza. Porque, primeiro é necessário reunir as forças suficientes para que seja possível votar a destituição. Mas tanto Michel Temer, como outros líderes do PMDB, como o próprio presidente do Congresso estão tocados também por esta mancha da corrupção e das investigações.
Para que se tenha uma ideia: calcula-se que, neste momento, 12% dos membros do Congresso e do Senado estejam sob investigação, ou estejam indiciados, ou - no limite - estejam mesmo à beira da detenção.
Ainda por cima agora, com esta ideia de que toda a classe política vai ter que responder pelas suas ligações à Petrobras - como se comprova com esta lista negra que circula na imprensa brasileira com pagamentos da Odebrecht aos políticos brasileiros - há uma margem muito grande para o imprevisível na política. E o imprevisível é sempre dramático. Por isso penso que os próximos tempos, sobretudo as próximas duas semanas, vão ser decisivas na política brasileira.