31 mar, 2016 - 14:39 • João Carlos Malta
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O senador José Serra é um dos principais rostos da oposição ao governo de Dilma Rousseff. É também acusado de ser um dos líderes de um "golpe" para derrubar o governo. No 4.º seminário luso-brasileiro de direito, que decorre na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, defendeu que a queda da Presidente é inevitável.
Já há muito tempo que Serra não acredita que o segundo governo de Dilma chegasse ao fim. Mas também defende que a destituição não resolve o problema político no Brasil.
“Nunca acreditei que a Dilma possa perder o mandato por culpa da crise, o que ocorre no nosso país é que o sistema político impede uma mudança de Governo sem traumas. Historicamente, as mudanças presidenciais foram por suicídio, renúncia, deposição ou ‘impeachment’. O sistema presidencialista não permite outros. O ‘impeachment’, portanto, é um recurso político com decorrências jurídicas”, disse, durante o seminário.
Em entrevista à Renascença, José Serra falou de todos os temas do momento conturbado que o Brasil vive. E não excluiu ser candidato à Presidência em 2018.
Na intervenção durante o colóquio, disse que o seu país passa por um momento mais complexo do que o que se viveu nos golpes militares no Brasil em 1964 e no Chile em 1973. Porquê?
Não vivemos uma altura tão dramática, mas é mais complexa. Há uma situação económica profunda e há uma questão de representatividade política que está abalada. Paralelamente, há uma crise moral bastante acentuada. Tudo isto está convergindo e uma está a reforçar a outra. Não se vislumbra uma saída. Vamos ter de construí-la e acho que a mudança do sistema de governo é uma peça fundamental na reconstrução do país.
Defendeu a mudança do sistema político brasileiro do presidencialismo para o parlamentarismo. Que benefícios poderia trazer ao Brasil? Este momento de crise é o ideal para o fazer?
É o momento para começar, penso que o parlamentarismo só devia estar implantado em 2019, depois das eleições de 2018. Tem que haver uma mudança na forma de governar. O parlamentarismo tem duas vantagens em relação ao presidencialismo: em primeiro, pode-se mudar de governo (no presidencialismo isso é traumático, com mecanismos de “impeachment” ou outros mecanismos de constrangimento ao Presidente); em segundo, os parlamentares passam a ter um voto mais responsável porque se votarem contra o governo sistematicamente, o governo cai e arrisca-se a realização de eleições. E isso é o que os deputados mais detestam, ter de disputar eleições antes do tempo. É um factor que torna os votos mais responsáveis.
O juiz do Supremo Tribunal de Justiça Gilmar Mendes disse neste seminário que não acredita que o sistema político se reforme por dentro. Teria de haver pressão popular nas ruas. Concorda?
Plenamente, principalmente no sistema eleitoral e partidário. Hoje, o voto proporcional para os deputados federais provoca distorções económicas e de diminuição de representatividade. No meu estado [São Paulo], elegem-se 70 deputados federais, num universo de 30 milhões de eleitores que dão o voto para qualquer um dos candidatos.
A maioria dos candidatos eleitos tem de ter votos em 100 municípios. É um absurdo porque acaba por não se representar as pessoas e as campanhas saem caríssimas.
Com a retirada de apoio do partido do vice-presidente Michel Temer, o PMDB, pensa que a Presidente Dilma fica muito mais fragilizada e não tem condições para continuar no cargo?
Isso era previsível e aconteceu. A retirada de sustentação política formal dos partidos porque na prática já o estavam a fazer, isto foi apenas mais um dado. Na política brasileira e não só, é mais difícil fazer maiorias do que unanimidades. A unanimidade é mais fácil depois de ter a maioria, porque se as pessoas percebem que a maioria vai decidir pelo “impeachment” mais gente adere a votar pela queda do governo.
Esse “impeachment” de Dilma é inevitável com o apoio que pode agora ter do PMDB?
Tirando o PT e o PCdoB (Partido Comunista do Brasil), os outros partidos vão votar pela mudança.
O momento no Brasil tem sido apelidado pelo PT, por Dilma e Lula da Silva como um golpe. E o senador Serra é acusado de ser um dos orquestradores. Como responde?
O “impeachment” está previsto na Constituição, o que não significa que se tenha a discussão, se vote e acabou. Tem que se discutir os méritos e essa discussão está a existir.
Mas por que é que o PT diz que é um golpe?
É natural. O que é que vão dizer? Que é acertado? Não vão dizer isso. Em política é assim, quem não quer determinada mudança procura todo o tipo de alegação mesmo que não tenha fundamento.
A relevância que os juízes estão a ganhar na disputa política faz com que muitos acenem com o risco de o Brasil se tornar uma “República de Juízes”. Há esse perigo?
Essa possibilidade sempre existe em tese. Mas não acredito que exista na prática, até porque o sistema judiciário está a funcionar hoje em dia a funcionar com razoável integração dos diversos níveis, primeira, segunda e terceira instância. A natureza dos problemas que estão a ser descobertos e investigados são inquietantes, mas a médio e longo prazo haverá um equilíbrio.
Quais são as perspectivas para o futuro político no Brasil? Vai tomar um papel activo nesse futuro?
Um papel activo já tenho e a única certeza é de que vou continuar a tê-lo. É a única certeza que tenho. Sobre o que vai acontecer no futuro, não tenho uma bola de cristal.
É uma possibilidade candidatar-se em 2018 à Presidência?
Ainda está muito distante.
Houve uma notícia no Brasil que dava conta de que iria desfiliar-se do seu partido e entrar no PMDB. É verdade?
São especulações. Não tem fundamento, há sempre especulação como acontece com determinados políticos e eu sou um deles. Mas não tenho nenhuma mudança no horizonte.