12 abr, 2016 - 06:43 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
António Guterres comparece esta terça-feira, às 15h00 de Nova Iorque, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas para defender a sua candidatura a secretário-geral da organização.
A sessão terá a duração de duas horas, durante as quais fará uma intervenção inicial de dez minutos e responderá a perguntas colocadas pelos embaixadores dos países presentes. Se houver tempo, haverá ainda lugar a perguntas colocadas por representantes da sociedade civil. É uma espécie de exame oral ao candidato.
Este procedimento, inédito na história das Nações Unidas, obedece a um objectivo de tornar a organização mais transparente e inclusiva, um propósito conjunto dos presidentes da Assembleia Geral (AG) e do Conselho de Segurança (CS) da ONU.
Na verdade, pela primeira vez, os candidatos ao cargo de secretário-geral vão submeter-se a perguntas dos estados representados na ONU em sessão aberta aos media, ao público em geral e com transmissão directa através da internet. A preocupação da ONU em tornar a escolha do próximo secretário-geral mais participativa e transparente foi ao ponto de abrir um site para que os cidadãos pudessem colocar antecipadamente questões aos candidatos. Um objectivo bem sucedido, já que foram recebidas cerca de mil perguntas, que obviamente ficarão por responder, mas às quais o presidente da Assembleia Geral tentará dar alguma expressão através de elementos do público.
Embora pareça louvável este esforço de transparência e abertura pública de uma organização tida pela maior estrutura burocrática do mundo, fica por apurar o efeito de tais iniciativas no processo de selecção do futuro secretário-geral. Isto porque, como é sabido, a escolha para o cargo assenta essencialmente em negociações de bastidores, em recolha de apoios entre os cerca de 200 países do mundo, em infindáveis conversações diplomáticas, e acima de tudo, na capacidade de entendimento entre os cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança – Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França.
Destes cinco países depende no fundamental a escolha do futuro secretário-geral porque só eles têm direito de veto sobre qualquer nome, o que obriga a um consenso difícil, sem o qual, porém, nenhum candidato pode aspirar ao cargo. Nos termos estatutários, o secretário-geral é eleito na Assembleia Geral, sob proposta do Conselho de Segurança, e embora nada impeça que o CS recomende mais do que um nome para votação, tal nunca sucedeu porque significaria deixar o poder de decisão à Assembleia Geral. Na prática, toda a negociação é conduzida no âmbito do CS e daí é que sai um nome como resultado de um consenso.
A pressão crescente para escolher uma mulher
Isto não significa, porém, que o CS não seja vulnerável ao desenrolar do processo de selecção noutras instâncias, nomeadamente entre os inúmeros países com assento na Assembleia Geral, aos equilíbrios regionais e até às tendências internacionais. E no caso desta eleição em que o antigo primeiro-ministro português está envolvido, os dois últimos aspectos podem militar contra a sua candidatura. O primeiro respeita aos equilíbrios regionais e aponta para a probabilidade de o próximo secretário-geral ser do grupo da Europa de Leste, uma região que nunca teve um secretário-geral. O segundo respeita à pressão crescente para escolher uma mulher, algo que muitos "opinion makers" consideram que seria um enorme impulso para a igualdade de direitos das mulheres no mundo, sobretudo em regiões onde o sexo feminino é ainda vítima de grandes discriminações.
Curiosamente, ou talvez não, os candidatos que até agora se apresentaram parecem reflectir estas duas tendências. Dos oito até agora na corrida só dois é que não provêm da Europa de Leste – Guterres e Hellen Clark, da Nova Zelândia. Dos restantes seis, um é vizinho dos Balcãs (Moldova) e os outros cinco são dos Balcãs, o que torna a corrida ainda mais afunilada do ponto de vista regional. Eslovénia, Croácia, Bulgária, Macedónia e Montenegro lançaram todos candidatos.
No que respeita às mulheres, dos oito candidatos, metade são do sexo feminino, o que também é inédito. Croácia, Bulgária, Moldova e Nova Zelândia apostaram todos em mulheres, aparentemente cavalgando a onda pró-feminino que se terá instalado em vários sectores da opinião pública.
António Guterres terá, pois, que contrariar estas duas tendências com o peso do seu currículo e com a sua capacidade de comunicação. Tem a seu favor a visibilidade e o prestígio internacional adquiridos ao longo de 10 anos no cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e o facto de estar na melhor posição para recolher os apoios do bloco ocidental. Um bom indício recente foi o facto de o jornal britânico “The Guardian” o ter considerado o candidato mais qualificado para o cargo entre os que estão na corrida presentemente.
E convém sublinhar presentemente porque em altos círculos da ONU há a convicção de que até Julho, data-limite para apresentação de candidaturas, surgirá uma nova vaga de aspirantes ao cargo. Segundo uma fonte conhecedora dos meandros da organização disse à Renascença, estes oito candidatos são apenas a primeira vaga, esperando as grandes potências do Conselho de Segurança que surjam outros nomes considerados mais fortes em breve. Essa hipótese, a concretizar-se, provocaria certamente realinhamentos na corrida. A Rússia, de quem se espera um apoio à candidata búlgara, poderia mudar o seu voto num contexto de entendimento com os Estados Unidos, para quem Irina Bokova, actual directora-geral da UNESCO, parece inaceitável.
As sessões de exposição pública dos candidatos que começam esta terça-feira e se prolongam até quinta serão portanto apenas um episódio de uma longa caminhada que Guterres tem pela frente. E ninguém melhor do que ele o sabe, dado que em dez anos de experiência da ONU o antigo primeiro-ministro português tornou-se um profundo conhecedor da forma lenta e rebuscada como decorrem os processos de decisão da organização. E, afinal de contas, a procissão ainda vai no adro.