15 abr, 2016 - 20:51 • José Pedro Frazão
António Guterres tem uma missão difícil. A eleição para o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas passa por angariar os votos necessários na Assembleia-Geral, o que implica sempre passar pelo crivo dos países membros do Conselho de Segurança. Entretanto, há apresentações e audições de todos os candidatos, como ocorreu esta semana em Nova Iorque.
António Vitorino, ex-ministro de Guterres, considera que a prestação do antigo primeiro-ministro português foi notável.
“Pode até nem vir a ser escolhido, mas estabeleceu uma fasquia. Quem vier a ser escolhido vai ter sempre que ser comparado com essa fasquia”, diz Vitorino, para quem Guterres pode até ser preterido por outras razões, mas a substância da sua intervenção vai servir de referência no processo de escolha do sucessor de Ban-Ki-Moon.
O antigo ministro da Defesa sublinha que Guterres "não fez uma linguagem de pau. Não usou a chamada linguagem diplomática, que é falar e não dizer rigorosamente nada. Ele não fugiu às questões”. No entanto a audição passou ao lado das referências à reforma do Conselho de Segurança. “ É das questões mais divisíveis. Se tivéssemos que começar por reformar a ONU não começaria pelo Conselho de Segurança. Por que é exactamente aí onde todas as armas são imediatamente despoletadas”, explica Vitorino.
Também Pedro Santana Lopes elogia a audição de Guterres. “ Hoje em dia como ele não disputa o lugar a ninguém cá dentro, toda a gente diz bem dele lá fora. Mas também temos que dizer cá dentro porque ninguém deixa de ficar orgulhoso quando ouve a qualidade com que ele se apresenta ali perante todos aqueles examinadores. É extraordinário como o seu discurso flui sobre os mais variados temas”, diz o também antigo chefe de governo português.
Santana diz que Guterres "é um candidato de grande nível. Quem nos dera a nós ter um SG da ONU com ele”. Caso seja eleito, alvitra Santana, o antigo alto-comissário da ONU para os Refugiados será um homem com uma profunda ligação à realidade do mundo. “ Não acredito que ele se torne um homem fechado num gabinete”.
Lutar contra uma mulher
A pressão em curso para a eleição de uma mulher para o cargo de topo da ONU é uma realidade deste processo. António Vitorino admite que a intervenção de Guterres não trava essa tendência. “Mas vai exigir a escolha de uma mulher, não apenas por ser mulher mas por ter qualidades de algum modo equiparáveis aquelas que ele próprio evidenciou. Isso é escrutinável a partir do exterior”, acrescenta o antigo comissário europeu.
Santana Lopes pensa que Guterres tem o perfil ideal para o cargo neste momento. " No momento que o mundo vive, com o drama dos refugiados e dos migrantes em todo o mundo, seria muito inteligente escolher um homem com o percurso de António Guterres. Seria adequado às necessidades do tempo que vivemos”, atesta o antigo primeiro-ministro.
A posição dos países membros permanentes do Conselho de Segurança será decisiva, admite Vitorino, ainda que o voto caiba aos países da Assembleia Geral da ONU e não apenas os cinco do Conselho de Segurança.
"Esses são os que escolhem, mas o voto é de todos. Essa escolha tem vantagens e desvantagens para Guterres. Ele não tem o veto de nenhum dos cinco membros permanentes, nenhum disse claramente que não. Mas ele vai ter que ganhar o voto, isso é obviamente mais difícil”, avalia Vitorino na Renascença.
As vantagens de Portugal
O papel importante da diplomacia portuguesa em favor de Guterres é sublinhado por António Vitorino, que assinala a distribuição dos países membros da ONU em grupos regionais. “A diplomacia portuguesa tem uma longa experiência de trabalhar com a sensibilidade e a atenção de cada um desses grupos regionais. Há grupos que à partida serão bastantes mais favoráveis à candidatura do engenheiro Guterres ou na própria Ásia. Ou até na América Latina, por paradoxal que pareça”, acrescenta o antigo comissário europeu.
Portugal, diz Vitorino, "tem a vantagem de um país que não tem anticorpos. Tem dado probas de compreender a agenda que vai para além do que são os temas prioritários dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança. Essa lógica inclusiva é muito importante”.
Para Pedro Santana Lopes, a presença recente de Portugal no Conselho de Segurança da ONU e os altos cargos ocupados na organização por personalidades como Freitas do Amaral, Jorge Sampaio ou o próprio António Guterres mostra a competência da máquina diplomática portuguesa. No entanto, contrapõe o social-democrata “não sei se isso não pode prejudicar um bocadinho o engenheiro Guterres. Temos tido várias vitórias nesse campo e se for eleito mais um português, vão dizer que aí vem mais um…"
Vitorino corta a jogada com uma visita à história recente. “Quem quiser ser contra a candidatura do engenheiro Guterres pode lembrar-se desse argumento. Mas talvez convenha recordar a essas pessoas que na altura em que Guterres era alto-comissário da ONU, Durão Barroso era presidente da Comissão Europeia. Eram dois portugueses. Neste momento, só ficariam com um. Já estavam a ganhar qualquer coisa".