15 abr, 2016 - 01:16 • Catarina Santos , enviada especial à Grécia
Duas vedações de arame farpado separam o campo de Moria do exterior. Lá dentro, acumulam-se mais de 2500 pessoas. Noura é síria e tem 21 anos. Acredita que é pelo facto de ter dois filhos pequenos que a transferiram recentemente para Kara Tepe, um campo aberto e com melhores condições, a dois quilómetros dali.
Foi um alívio. "Em Moria é tão mau… é como uma prisão. Não conseguia ter comida para as crianças. Eles ficaram doentes em Moria e a polícia não me deixou ir ao hospital. E não tínhamos água", descreve Noura.
O marido conseguiu sair da Síria mais cedo e está em Atenas, com autorização temporária de permanência. "Todos os dias pergunto quando posso ir ter com o meu marido e só me dizem para esperar e ter paciência. Se soubesse que a situação na Grécia ou na Turquia seria assim, teria ficado na Síria".
Mizgin, outra rapariga de 26 anos com dois filhos, também vem da Síria e também tem o marido à espera, mas na Alemanha. Chegou a Lesbos precisamente a 20 de Março, quando entrou em vigor o acordo da UE com a Turquia, que prevê a deportação de migrantes que não peçam asilo ou cujos pedidos sejam recusados.
Sentada num dos contentores que servem de abrigo em Kara Tepe, não esconde a revolta. "O sistema não funciona. Só nos dizem para esperar. E continuou igual depois de 20 de Março, porque os regulamentos não funcionam. Temos de ficar na Grécia e não nos podemos mover, não nos dão documentos, por termos chegado a 20 de Março".
Falta de informação cria ansiedade e tensão
O número de pedidos de asilo disparou depois da entrada em vigor do acordo com a Turquia, mas, de acordo com várias Organizações Não Governamentais (ONG) presentes no local, os serviços de imigração gregos não estão a conseguir dar andamento ao enorme volume de processos.
Giorgos Kosmopoulos é director da Amnistia Internacional na Grécia e integrou uma equipa que investigou recentemente as condições no campo de Moria, em Lesbos, e no de VIAL, na ilha de Chios. Concluíram que a pressa na implementação do acordo com a Turquia atropelou direitos fundamentais - como a o acesso dos migrantes a informação legal sobre a sua situação.
"A maioria [dos migrantes] fez um pedido de asilo, sobretudo em Moria, mas isso não é o fim da história. As pessoas têm de perceber o que esse pedido implica, por que é que estão detidas… mas estão simplesmente presas".
O relatório da Amnistia, feito com base em entrevistas a 89 migrantes, denuncia situações de pessoas que não chegaram sequer a receber documentação e outras que terão assinado documentos sem a presença de um tradutor e sem compreenderem o que tinham em mãos.
A australiana Sacha Myers visita quase todos os dias o campo de Moria, ao serviço da organização Save the Children, e foi vendo a situação degradar-se de dia para dia, desde 20 de Março. Dá como exemplos concretos a falta de cuidados médicos, de higiene, de alimentação cuidada e de abrigos.
"Estimamos que estejam lá cerca de mil crianças. As famílias vivem umas em cima das outras, as pessoas estão presas no campo e não sabem por quanto tempo estarão nessa situação, não estão a ter acesso à informação e estão a perder a esperança".
Uma realidade que o Papa Francisco, o arcebispo ortodoxo de Atenas e o patriarca de Constantinopla vão ver de perto este sábado, numa visita a Lesbos que deverá durar pouco mais de quatro horas.