26 abr, 2016 - 09:00 • Filipe d'Avillez
Esme Wiegman é presidente da Associação Holandesa de Doentes, uma organização com 58 mil membros que aborda questões médicas e éticas e fornece ajuda gratuita ao domicílio de pessoas doentes. Foi também deputada no Parlamento holandês durante cinco anos, altura em que desempenhou o papel de porta-voz para assuntos de ética e de saúde.
“Não são só cristãos que estão a levantar a voz contra a eutanásia, mas também pessoas que trabalham nos serviços de saúde e questionam se é isto que queremos para a nossa sociedade”, diz.
Esta terça-feira será entregue no Parlamento português uma petição que pede a legalização da eutanásia.
Qual é a lei actual da eutanásia na Holanda?
Há muita confusão sobre o que diz de facto a lei. Na verdade, a eutanásia continua a ser proibida, mas há critérios que os médicos podem seguir que os isentam de punição em casos de eutanásia. O que a lei diz é isso, mas muitas pessoas, tanto na Holanda como na Europa, pensam que os holandeses gozam de um direito à eutanásia. Mas não é isso que está na lei.
Na prática, contudo, é como se fosse completamente legal?
Na prática as pessoas pensam que têm o direito à eutanásia a pedido e os médicos são obrigados a explicar precisamente o que diz a lei. Um dos critérios fala de sofrimento incomportável, mas o que é sofrimento incomportável? Quando a lei foi criada em 2002 toda a gente pensava que a dor era a principal razão pela qual as pessoas com doenças terminais, como o cancro, pediriam para morrer. Mas hoje em dia a perda de dignidade também é invocada por muitas pessoas para pedir a eutanásia.
Recentemente a televisão holandesa mostrou um caso sobre uma família que pediu eutanásia para uma doente com demência e foi autorizado.
Há casos na Holanda em que as pessoas estão a ser eutanasiadas a pedido da família e não por sua vontade?
Neste caso dizem que havia vontade da própria, expressa por escrito anos antes. Mas será claro que esse pedido com vários anos ainda é válido? Não sabemos. Mas houve um médico que disse que conhecia a doente e por isso aceitou eutanasiá-la.
O manifesto português define a eutanásia como “a resposta a um pedido do próprio — informado, consciente e reiterado —” para “antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura”. Na sua experiência, isto descreve a prática na Holanda?
Temo que não, porque os critérios na nossa lei são muito abrangentes, como se viu no tal programa que referi. Era melhor quando a lei falava apenas em doentes terminais, mas agora os critérios são muito abertos.
Os defensores da eutanásia falam frequentemente de um direito a morrer com dignidade. A legalização da eutanásia trouxe mais dignidade para os doentes holandeses?
De todo. Eu também sou a favor da morte com dignidade, mas refiro-me aos cuidados paliativos, por isso o uso da palavra “dignidade” neste debate é muito enganoso. O direito a morrer com dignidade diz muito sobre os padrões de cuidados hospitalares e paliativos e nada sobre o direito à eutanásia.
Preocupa-me o que esta mentalidade nos diz sobre como tratamos os idosos, por exemplo. Os idosos podem sofrer na vida pela perda de familiares e porque sentem que a vida perdeu o sentido. Isso é um problema na Holanda, mas a resposta não deve ser a eutanásia, mas sim pensar como cuidar destas pessoas, como é podemos dar mais significado às suas vidas?
A questão da eutanásia é pacífica na Holanda ou ainda é controversa?
Aquele programa que passou na televisão deixou muitas pessoas enfurecidas. Algumas diziam que não se devia mostrar a eutanásia na televisão, mas outras disseram que esta não era a solução para esta mulher que sofria de demência.
Não são só cristãos que estão a levantar a voz contra a eutanásia, mas também pessoas que trabalham nos serviços de saúde e questionam se é isto que queremos para a nossa sociedade.