12 mai, 2016 - 19:44 • Sérgio Costa
Descrever pormenorizadamente cada golpe, revolta ou mudança de ciclo político desde a implantação da República no Brasil seria um exercício demasiado longo e de extrema complexidade para um simples artigo.
Justificada a razão pela qual nos concentramos num espaço temporal mais reduzido, olhemos para alguns dos mais relevantes acontecimentos políticos desde 1930 no Brasil. São alguns elementos para compreender o actual momento do Brasil. Preparado?
Para este exercício afaste, desde já, essa ideia peregrina de ver o Brasil apenas como o país da euforia, do carnaval e do samba. O alvoroço sobre o qual escrevo não é compatível com sorrisos nem propício ao uso de confetes.
A todos os acontecimentos que se seguem estão associados altos níveis de intriga política, traições, manipulações e corrupção.
Revolta de 1930
A nossa viagem histórica tem início em 1930, ano de profunda crise económica após o “crash” da bolsa de Nova Iorque (mais à frente vamos perceber que os Estados Unidos têm uma fiel ligação às bruscas rupturas políticas no Brasil). A economia brasileira está esmagada com a drástica redução das exportações de café.
Reinava até então a chamada “política do café com leite”, que se traduzia na alternância entre mineiros (Minas Gerais) e paulistas (São Paulo) na chávena – perdão, na cadeira presidencial.
O então paulista Presidente em fim de mandato, Washington Luís (que, por mero acaso, nem era natural do Estado de São Paulo, apenas radicado), deveria indicar um político mineiro para a sucessão. Eis que os cafeicultores de São Paulo anunciam o seu apoio ao candidato, e também paulista, Júlio Prestes. Júlio poderia estar prestes a assumir a presidência, mas do indignado estado de Minas Gerais surge um nome marcante da política brasileira do século XX: Getúlio Vargas.
Segue-se um conturbado período eleitoral (demasiado complexo para fixar num pequeno artigo), com decisões ao som de disparos, até que Prestes é anunciado como vencedor e novo Presidente da República. Militares saem à rua, anulam a eleição e Getúlio Vargas chega ao poder. Resultado: inicia-se o período da Nova República e Getúlio permanece no poder durante 15 anos, sem direito a qualquer tipo de consulta popular.
A entrada em acção dos militares não era inédita, mas esta revolta criou as bases para outro golpe, na década de 60, que viria a marcar (e marca ainda) profundamente a política e a sociedade brasileira. Já lá vamos.
Getúlio durante a democracia
Ainda em 1950, já com o regresso da democracia, Getúlio Vargas recupera o poder via eleições (sim, é o mesmo político que ininterruptamente lidera o governo durante 15 anos sem eleições). O Brasil vive um período de significativa expansão económica.
É durante o governo democraticamente eleito de Vargas que surge o nome de Carlos Lacerda. Jornalista e político, Lacerda não é uma das figuras mais relevantes da história contemporânea do Brasil, mas é nesta personalidade que nos iremos concentrar agora pois serve de elo de ligação entre as próximas etapas desta viagem histórica.
Assumindo o papel de principal oposicionista de Getúlio, Lacerda era o autor de uma incendiária rubrica televisiva que servia de plataforma de protesto ao governo.
É neste quadro que se dá o atentado da Rua Tonelero (Copacabana, Rio de Janeiro). Na madrugada de 5 de Agosto de 1954, um atentado a tiros de revólver, nas proximidades da residência de Lacerda, mata o major Rubens Florentino Vaz, da Força Aérea Brasileira, e fere, no pé, o jornalista e futuro deputado federal e governador da Guanabara. O atentado foi atribuído a membros da guarda pessoal de Getúlio.
Foi o rastilho para uma nova e acentuada crise política. A Força Aérea Brasileira tinha como grande herói o brigadeiro Eduardo Gomes, que, curiosamente, Getúlio derrotara nas eleições de 1950. O caso permaneceu como âncora das manchetes dos jornais da época.
Por causa do crime da Rua Tonelero, Getúlio foi submetido a intensa pressão para renunciar à presidência. Não só pela imprensa, mas igualmente por militares. O “Manifesto dos Generais”, de 22 de Agosto de 1954, pede a renúncia de Getúlio. Foi assinado por 19 generais de exército, entre eles, Castelo Branco. Fixou este nome? Já falaremos dele.
Getúlio não aguentou. Na madrugada de 24 de Agosto de 1954, o Presidente brasileiro pôs fim à própria vida. A nota deixada ficou célebre:
“Preferi ir prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.”
A Getúlio seguiram-se Juscelino Kubitsheck e Jânio Quadros. Dois presidentes que tiveram igualmente Lacerda como principal rosto da oposição, embora sem grande consequências.
Golpe militar de 1964
Jânio, que em 1961, em plena Guerra Fria, condecorou Che Guevara e restabeleceu ligações diplomáticas com a União Soviética, China e Cuba, abandonou por iniciativa própria a presidência ao fim de sete meses. Um mandato curto, ainda assim suficiente para criar prurido na diplomacia norte-americana.
Sucede-lhe João Goulart, vice-presidente, que aprofunda os princípios do curto mandato de Jânio Quadros. Ao programa de reforma agrária e ao plano de nacionalizações não tardou o descontentamento de grandes proprietários, empresários e até militares. A este junta-se Carlos Lacerda. Sim, o tal jornalista e governador da Guanabara que nesta altura chega a pedir auxílio aos Estados Unidos.
A 31 de Março de 1964, militares saem de novo às ruas e impõem, sob ameaça de tanques, a fuga de Goulart para o Uruguai. Um golpe liderado, entre outros, por um homem que tinha garantido fidelidade ao governo de Brasília: Castelo Branco. Lembra-se?
Este militar, que já havia contribuído para o fim de Getúlio Vargas e participado na revolta de 1930 (que colocou Getúlio no poder), assumiu a presidência dando início a um regime militar de 24 anos, sob o alto patrocínio da CIA (a tal fiel ligação norte-americana).
Seguiu-se um dos mais sanguinários regimes da história contemporânea no Ocidente. A restrição de liberdades e o fim dos partidos políticos motivaram a criação de grupos armados oposicionistas, apoiados por Cuba e União Soviética. Dilma Rousseff era uma entre milhares de estudantes que aderiram à luta armada no Brasil.
“Impeachment” em democracia
“O dia que durou 24 anos” (assim olham para o regime militar vários historiadores brasileiros) só terminaria em 1985 com a transição para a democracia.
José Sarney assume a presidência interina após o falecimento de Tancredo Neves, o mineiro que tinha sido ministro da justiça de Getúlio Vargas.
As primeiras eleições livres após o regime militar, em 1989, conduzem Collor de Mello ao poder, mas logo em 1991 surgem denúncias de irregularidades, envolvendo pessoas do círculo próximo do Presidente (ministros, amigos e mesmo a primeira-dama, Rosane Collor).
Em entrevista à revista Veja, Pedro Collor de Mello, irmão do presidente, revela um esquema de corrupção envolvendo o ex-tesoureiro da campanha Paulo César Farias. Collor não resiste à criação de uma comissão parlamentar de inquérito e a um processo de destituição que apaixonou o país.
Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, presidentes eleitos, passam sem grandes sobressaltos o teste do poder. Dilma Rousseff (a estudante que pegou em armas contra o regime militar) sucede a Lula e mantém o PT (de esquerda) no poder. A história que se segue já todos conhecemos.