19 mai, 2016 - 01:27
A pouco menos de um mês do referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia, António Vitorino e Pedro Santana Lopes sublinham a incerteza que paira sobre o resultado dessa votação popular. O tema foi a debate na última edição do programa "Fora da Caixa" da Renascença.
O antigo comissário europeu esteve recentemente em Londres e recolheu a tese da abstenção como factor-chave para um desfecho que mantenha o Reino Unidos na União Europeia.
"A sensação que colhi é que o 'establishment' está convencido que vai ganhar e que o Reino Unido fica na União Europeia. Mas há uma grande incógnita. Quantos vão votar? Qual será a abstenção? O risco que existe é que acima dos 50 anos, dois em cada três votam pela saída do Reino Unido e três em cada três dizem que vão votar.
Abaixo dos 40 anos, dois em cada três querem que o Reino Unido fique na UE mas apenas um em cada três diz que vai votar. Como é que esta matemática complicada se joga no dia das eleições? É um totobola, não se sabe porque depende das afluências às urnas", afirma Vitorino na Renascença.
Para Pedro Santana Lopes, o “Sim” pode levar alguma vantagem de momento, sobretudo por via da passagem do Presidente dos Estados Unidos por Londres.
"O pós-Obama naquela campanha foi um momento que marcou uma viragem. Não digo que as pessoas vão votar por causa de Obama. Mas a posição dele foi muito expressiva e chamou a atenção das pessoas para as consequências praticas. Eles caíram na real", considera o antigo primeiro-ministro.
A incerteza domina ainda os resultados que podem advir da luta no plano dos argumentos contra e a favor da manutenção do Reino Unido na União Europeia.
"O debate é mais emocional que racional. Obama fez um discurso totalmente racional. Os argumentos dos querem continuar na União Europeia são d uma enorme racionalidade. A campanha do Brexit é puramente emocional mas é muito importante no Reino Unido. Durante anos e anos os políticos, de um lado e do outro, entreteram-se a bater na União Europeia como o poço de todos os vícios e a fonte de nenhuma virtude. Neste momento, como é que estão à espera que depois de 40 anos a dizer que a UE era a fonte de todos os males, de repente os mesmos políticos apareçam a dizer "já agora deixem-nos ficar"? As pessoas não percebem. Receio que um acontecimento inesperado de última hora de ordem emocional possa desequilibrar a balança", remata o antigo comissário europeu.
Lições das eleições locais
O programa "Fora da Caixa" foi gravado dias após as eleições locais britânicas. António Vitorino assinala com preocupação a transferência directa de votos trabalhistas para o UKIP na Inglaterra.
"O discurso anti-imigração do UKIP pelo vistos tem respaldo nas bases mais trabalhadoras dos trabalhistas", conclui Vitorino para quem a eleição de Sadiq Khan, um muçulmano, para a autarquia de Londres justifica-se pela 'multietnicidade' de Londres "não é extrapolável para o resto do país".
O antigo ministro do PS assinala ainda que a vitória de Khan é pessoal e não deve constituir ameaça à actual direcção do Partido Trabalhista, pelo controlo que a equipa de Jeremy Corbyn, actual líder, mantém sobre o aparelho trabalhista.
Reforma laboral francesa
Os comentadores do “Fora da Caixa” comentaram ainda a aprovação da polémica reforma laboral francesa, com recurso a uma cláusula constitucional que impediu a votação no Parlamento francês. Um recurso que, para António Vitorino, impediu uma fractura maior nos socialistas franceses num "duro teste” para o PS gaulês. O antigo ministro socialista admite que o recém-criado movimento liderado pelo ministro da Economia Emanuel Macron não passa de uma plataforma de reflexão para abrir caminho a uma área politica mais ao centro no PS onde pontifica Manuel Valls, a quem também se opõe nas fileiras do partido.
Santana Lopes observa que a votação da lei laboral francesa pode ter implicações na corrida presidencial francesa. Para o antigo primeiro-ministro, "esta é uma reforma de centro -direita” promovida por um governo socialista, sublinhando que “as razões económicas podem fundamentar um despedimento” e que o pacote laboral implica " alguma marginalização dos sindicatos a propósito das estruturas de negociação”.
"Há aqui um assumir de Hollande e Valls de uma orientação politicamente alinhada com as teses da Comissão Europeia e da União Europeia, contrariadas noutros pontos da Europa como foram no primeiro mandato da maioria socialista em França”, observa Santana Lopes.
António Vitorino contrapõe com o exemplo português. “ Mesmo com esta reforma laboral, o sistema ainda ficará bastante mais rígido que o português. A verdadeira reforma à direita foi feita aqui em Portugal”, responde o antigo ministro socialista.