08 jun, 2016 - 20:00 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Define-se a si própria como uma “junkie” da política, e como boa viciada não pode estar muitos dias sem assistir a comícios, sem participar em iniciativas eleitorais, sem ver e sem acompanhar a sua candidata.
Vive no Michigan, perto de Detroit, a cidade da indústria automóvel, quase encostada ao Canadá, mas desde que está reformada, como tem tempo (e, ao que parece, dinheiro) tem seguido a campanha de Hillary Clinton um pouco por todo o país. Esteve no Iowa no arranque das primárias, no Nevada, na Florida e noutros sítios de que já nem se lembra. Agora está em Brooklyn, Nova Iorque, a assistir ao comício de consagração da primeira mulher candidata a Presidente.
Mas ao contrário do que possa pensar-se, Christy Nordhiln não é exuberante. Está obviamente feliz com esta vitória, mas não é das que se manifestam mais ruidosamente. Discreta, acede de imediato a responder a algumas perguntas e quando lhe dizemos que somos de uma rádio portuguesa revela que conhece bem Portugal e ainda melhor Espanha. Viveu em Vigo, teve uma companheira espanhola durante muitos anos, deu aulas um pouco por todo o Mundo, e pouca coisa lhe escapa na Península Ibérica.
Como nada lhe escapa na política americana, naturalmente. Não tem dúvidas de que Hillary Clinton possui a experiência, os conhecimentos e a inteligência para ser presidente. “É de longe a melhor candidata. O Bernie Sanders é um grande homem, trouxe algumas boas ideias para a campanha, mas agora é altura de se sentar”, diz. “Não vai ser fácil, ele está dentro de uma bolha e não está a ver o filme todo. Se insistir em ir até à convenção não será uma ameaça para Hillary, mas transforma-se numa brincadeira. Agora pode sair com dignidade e influenciar o programa do partido”.
Suspeita, porém, que Sanders queira antes “alimentar o ego” e continue a acreditar que pode conseguir a nomeação, o que “é uma loucura”. Mas reconhece que Sanders valorizou a campanha: “A concorrência é sempre positiva, obriga as pessoas a fazerem melhor. Puxou Hillary mais para a esquerda e isso é bom. Ela mostrou mais motivação, mais resistência, mais integridade e foi à luta, desmentindo aqueles que acham que ela é presunçosa e se comporta como uma rainha”.
Quando lhe perguntamos se será fácil convencer os apoiantes de Sanders a apoiar Hillary, divide-os em três grupos: “Alguns irão para casa fumar erva e esquecem a campanha; outros ficarão tão zangados que podem fazer algo doentio como votar em Trump; mas a grande maioria será sensata, vai acalmar, dormir sobre o assunto, que é o que se faz após uma grande luta, e regressará para votar em Hillary”.
Que foi o que ela fez, afinal, há oito anos quando a sua candidata foi batida por Obama nas primárias democratas, mas soube digerir a derrota e empenhar-se na campanha do seu rival até à vitória.
Neste momento, porém, não está convencida que Bernie Sanders ajude a trazer os seus apoiantes para o regaço de Hillary. “Não sei, neste momento isso é um desconhecido, isto tem sido uma campanha de desconhecidos. Ninguém previu que Trump fosse o nomeado republicano. Este ano não se podem fazer quaisquer previsões”.
Excepto talvez prever que Trump vai perder as eleições em Novembro. “Acho que ele atingiu já o seu pico e agora vai-se despenhar. O armário dele tem tantos esqueletos que quando as portas se abrirem vão enterrá-lo”. Mas muitos desses esqueletos foram já expostos e não tiveram impacto assim tão negativo, objectámos. “Porque quem estava a votar eram apenas republicanos e o Partido Republicano hoje é um campo de batalha, uma desordem total. E francamente isso até é mau para todos, é mau para o país”.
Para lá da substância do que diz Trump, que “não faz qualquer sentido, que é absurdo”, ele “não tem maneiras, não pode representar o país no mundo, e as pessoas vão começar a ver isso, a perceber que não lhe podem dar a responsabilidade de liderar a maior potência do mundo e ter a chave do arsenal nuclear”.
Pouco depois, Hillary Clinton definiria este sentimento expresso por Christy: Trump é “unfit” (impróprio, inapto, incapaz) para ser presidente. Não serve para o cargo, proclamou a candidata democrata perante um pavilhão cheio de apoiantes em delírio.
Toda vestida de branco, Hillary não foi eufórica. Falou num tom pausado, calmo, em claro contraste com o ambiente local.
Falou para o país através das televisões e foi enumerando algumas das afirmações de Trump que justificam a sua “incapacidade” para ocupar a Casa Branca. Desde ter chamado “porcas” às mulheres, até ter ridicularizado um deficiente, passando pelo preconceito racista em relação a um juiz de origem mexicana, que tem um dos muitos casos judiciais de Trump em mãos. “Tornar a América poderosa de novo faz-se puxando as pessoas para cima, não achincalhando-as”.
Mas antes, não se esqueceu de agradecer a Bernie Sanders a extraordinária campanha que fez, bem como aos seus apoiantes, “especialmente aos muitos jovens” que ele entusiasmou. Mostrou compreensão pela frustração que eles sentirão no momento em que perderam, relembrando o seu próprio caso: “Sei o que é depositar entusiasmo em alguém ou alguma causa e depois perder”. Estava dado o recado para que todos alinhem agora com a sua candidatura.
E num momento considerado histórico por muitos por ser a primeira vez que uma mulher consegue a nomeação por um grande partido para ser candidata a presidente, Hillary invocou a 19ª emenda à Constituição americana que em 1919 consagrou o direito de voto às mulheres, na mesma data em que a sua mãe celebrava o aniversário – 4 de Junho.
A batalha mais decisiva de Hillary Clinton começou na terça à noite (madrugada de quarta em Portugal) naquele pavilhão de Brooklyn, onde uma multidão eufórica esperou estoicamente mais de três horas em pé, em filas para entrar e em bancadas improvisadas, para a ouvir falar apenas 20 minutos.
Finalmente com a Casa Branca no horizonte, um único obstáculo pelo caminho chamado Donald Trump, restam-lhe exactamente cinco meses para cumprir a ambição de uma vida. As eleições são a 8 de Novembro e a escolha nunca terá sido tão contrastante.