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“Foi com Timor-Leste que percebi como a ONU é decisiva”, confessa Guterres

09 jun, 2016 - 10:55 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Candidato português a secretário-geral das Nações Unidas está em Nova Iorque em operações de charme em defesa da sua candidatura. Mas há muitos países a preferirem que seja uma mulher a ocupar o cargo.

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António Guterres confessou em Nova Iorque que aquilo que verdadeiramente lhe despertou o interesse pelas Nações Unidas foi a crise de Timor-Leste.

“Quando a crise pela independência de Timor-Leste surgiu e eu era primeiro-ministro é que me apercebi verdadeiramente como as Nações Unidas eram decisivas para resolver problemas no mundo. Já me interessava desde jovem pela instituição, mas foi naquela altura que tive oportunidade de trabalhar com pessoas fantásticas e reforcei o meu interesse pela ONU”, afirmou Guterres na quarta-feira, numa sessão de apresentação da sua candidatura a secretário-geral promovida pelo Instituto Internacional da Paz (IPI, na sigla inglesa).

Entre as pessoas “fantásticas” com quem trabalhou, o ex-primeiro-ministro português lembrou o brasileiro Sérgio Vieira de Melo, responsável pela administração transitória da ONU em Timor-Leste e que viria a morrer em 2003 num atentado bombista no Iraque, onde representava o secretário-geral.

E também o britânico Ian Martin, outro representante da ONU em Timor-Leste, que assistia à palestra no IPI.

O Instituto Internacional da Paz (International Peace Institute, IPI) é um “think tank” independente nova-iorquino que trabalha em ligação estreita com a ONU e monitoriza as suas actividades, visando promover a paz, a segurança e o desenvolvimento sustentável.

O que quer Guterres para a ONU?

No âmbito da corrida a secretário-geral, o IPI convidou os oito candidatos em presença para, em sessões individuais, defenderem a sua candidatura.

E foi isso que fez Guterres na quarta-feira, expondo as suas ideias numa intervenção inicial que pouco diferiu daquela que tinha feito perante a Assembleia Geral das Nações Unidas a 12 de Abril, quando apresentou oficialmente a candidatura.

Lamentou que a comunidade internacional esteja a falhar na manutenção da paz no mundo, apontou a prevenção como essencial e enumerou as “raízes” dos problemas actuais: a urbanização crescente desacompanhada de empregos, o que agrava a exclusão social; as mudanças climáticas que geram instabilidade; e a facilidade de comunicação que, ao criar desigualdades, também as torna mais intoleráveis porque mais conhecidas.

Referiu-se aos três pilares em que assenta a acção da ONU – paz, desenvolvimento sustentável e direitos humanos – para dizer que tais acções devem ser integradas e não fragmentadas como são hoje, porque só assim se poderá garantir aquilo a que chamou “um continuum de paz”.

Criticou ainda a forma como a ONU está organizada, uma “estrutura desintegrada”, que carece de “simplificação, descentralização e mais parcerias”. Por fim, pôs ênfase na questão da igualdade de género para advogar o fortalecimento das mulheres numa organização onde 84% dos cargos são desempenhados por homens. Guterres defende um roteiro para a igualdade com metas definidas e avaliação independente, que permita maior responsabilização e transparência.

Este ponto pode ser o nó górdio da sua candidatura, já que parece haver um consenso na ONU quanto à necessidade de escolher uma mulher para o cargo. Não por acaso, entre os oito candidatos até agora declarados, há quatro mulheres.

As reconhecidas qualificações do antigo alto comissário para os Refugiados – assinaladas pela agência Reuters, pelo jornal britânico “The Guardian” e verbalizadas por um dos intervenientes na sessão do IPI – poderão acabar secundarizadas perante a aparente determinação de muitos países em optar por uma mulher. Acresce que os Estados Unidos têm neste momento na ONU uma embaixadora e podem estar prestes a eleger a primeira mulher como Presidente.

Mas seria na parte das perguntas que Guterres teria oportunidade de se expor um pouco mais, sobretudo quando o interrogaram sobre o que tenciona fazer quanto ao conflito na Crimeia e às tensões no mar do sul da China. Duas perguntas que, a sorrir, classificou como destinadas a evitar que ele fosse eleito secretário-geral. Dois temas polémicos que envolvem membros do Conselho de Segurança (Rússia e China) de cujo apoio muito dependerá o sucesso de qualquer candidatura.

Por isso, Guterres sublinhou que o secretário-geral “não é o líder do mundo”, tem de ser antes “um construtor da paz”, um “mediador”, um “construtor de pontes” que garanta canais de diálogo, o promova e esteja acima das partes. “O secretário-geral tem de respeitar a Carta (da ONU), não tem agenda própria, não deve procurar excessivo protagonismo e deve ser visto por todas as partes de um conflito como imparcial, um promotor do diálogo, porque só assim será respeitado por todos os membros do Conselho de Segurança”, enfatizou.

Num outro tema que poderia também ser polémico, Guterres evitou ainda habilmente entrar por esse caminho. Foi numa pergunta sobre a responsabilidade de proteger, um conceito que nem todos os membros do Conselho de Segurança interpretam da mesma forma. O ex-primeiro-ministro português definiu-o como “muito importante”, mas que tinha sido reduzido à sua dimensão militar e era necessário “restabelecer a pureza do conceito”. Não esclareceu, porém, em que termos.

Guterres está esta semana em Nova Iorque em operações de charme e de “lobbying” no âmbito da sua candidatura. O encontro no IPI integrou-se nesse conjunto de acções.

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