10 jun, 2016 - 10:37 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Obama entrou finalmente na corrida. Desta vez não como candidato a presidente, mas como apoio de peso a quem espera que lhe suceda na Casa Branca.
Não há qualquer surpresa neste apoio a Hillary Clinton, a única dúvida estava no “timing”. O presidente foi escrupuloso na manutenção da sua neutralidade durante as primárias do Partido Democrata. Manteve um silêncio absoluto até ao momento em que um dos candidatos obteve a maioria dos delegados e se tornou a escolha do partido.
Como isso sucedeu na terça-feira, Obama veio agora a público exprimir o seu apoio a Hillary. Um apoio que estava inscrito nos astros e provavelmente terá ficado inscrito na memória de ambos desde uma célebre reunião de várias horas algumas semanas antes de Obama tomar posse como presidente.
Hillary Clinton estava então muito renitente em aceitar o cargo de secretária de Estado, mas o recém-eleito presidente insistiu com veemência e convenceu-a nessa reunião. Especulou-se então que a contrapartida terá sido o seu apoio à candidatura de Hillary à Casa Branca oito anos depois.
Verdade ou não, o apoio aí está. Inevitável, mas também genuíno, enfático, empenhado. Obama confessa que nunca conheceu candidato mais qualificado do que Clinton para o cargo e enumera as suas alegadas qualidades – coragem, compaixão, coração. Fala de como testemunhou a sua prestação como secretária de Estado e de como foi difícil batê-la há oito anos quando foram rivais. Diz-se mesmo ansioso por ir para a estrada apoiá-la.
Mas o presidente vai mais longe. Fala para o interior do Partido Democrático, começando a construir pontes após uma campanha divisiva, como sempre são as primárias. Elogia o senador Bernie Sanders por ter trazido para a campanha temas importantes como a desigualdade económica no país e a excessiva influência do dinheiro nas campanhas eleitorais, mas sobretudo agradece-lhe o facto de ter despertado milhares de jovens para a actividade política, que irão votar este ano pela primeira vez.
“Adoptar estas mensagens vai ajudar-nos a vencer em Novembro”, garante Obama, que desvaloriza depois a questão da divisão no partido provocada pela rivalidade entre Hillary e Sanders. Diz que ambos partilham os mesmos valores, que são os valores do partido, e que já há oito anos se disse o mesmo sobre ele e Hillary.
No vídeo com a mensagem, divulgado pela campanha de Hillary, no momento em que Obama fala da unidade do partido para vencer em Novembro aparece uma imagem de Joe Biden a abraçar Hillary. Não é certamente por acaso, já que há alguns meses se especulou que o vice-presidente poderia candidatar-se como alternativa a Clinton.
A estratégia de Sanders
Mas a unidade dos democratas em Novembro passa agora sobretudo por Bernie Sanders. Neste momento, entre os seus eleitores apenas entre metade e três quartos admite votar em Hillary. Há portanto muito trabalho a fazer para garantir essa unidade.
O senador do Vermont esteve esta quinta-feira na Casa Branca e no final da audiência com o presidente leu uma declaração em que reafirma que disputará ainda a primária que resta na próxima terça-feira na capital federal, Washington DC, e que levará à convenção do partido as ideias por que se bateu na campanha.
Reafirmou o seu compromisso em combater a miséria no país, mas pôs a tónica na “inacreditável” candidatura de Donald Trump pelo Partido Republicano e salientou que fará “tudo” ao seu alcance para evitar que ele seja presidente. “Seria um desastre”, disse Sanders, prometendo trabalhar com Hillary Clinton para que tal não suceda.
São declarações que deixam a porta aberta para pôr fim, já na próxima semana, à sua campanha e juntar forças a Clinton no combate a Trump. É também isso que deixa antever a mensagem de Obama, divulgada pouco depois da audiência ao senador.
Tudo leva a crer, pois, que Sanders vai desistir da ideia peregrina de tentar virar o voto dos super-delegados a seu favor e vai apostar em garantir que o programa político dos democratas para os próximos quatro anos adopta as suas ideias.
Entre essas ideias estão a subida do salário mínimo para 15 dólares por hora, a redução drástica ou mesmo abolição das propinas universitárias, a revisão do acordo comercial com a Ásia (o TPP), uma regulação mais restritiva da actividade financeira e bancária e o fim da exploração de gás de xisto através de um método lesivo do ambiente (o chamado “fracking”).
No âmbito partidário, Sanders pugna também por mudanças das regras, com primárias abertas a independentes em todos os estados e com a abolição dos super-delegados. Pretende ainda que gente da sua confiança passe a ter mais influência no comité nacional do partido e mesmo na escolha do vice-presidente.
Com 74 anos, não é crível que Sanders arrisque qualquer outra batalha política de fôlego no futuro. Por isso, graças ao sucesso da sua campanha tem agora capacidade negocial para impor muitas das ideias que lançou e que o próprio Obama acolheu na mensagem de apoio a Hillary. Para surgir ao lado da candidata e mobilizar os milhares de jovens (e não só) que estiveram com ele, Sanders vai exigir que a plataforma partidária consagre as ideias que lhe deram notoriedade.
São ideias que recolheram 12 milhões de votos, mas que em alguns casos contendem com as de Hillary, que recolheram mais de 15 milhões.
A questão da subida do salário mínimo para 15 dólares/hora, que significaria quase a duplicação súbita e arruinaria milhares de empresas sobretudo em zonas menos prósperas do país, é um tema incómodo para Hillary Clinton. Como o é a revisão do acordo de comércio livre com a Ásia, embora nestes dois tópicos ela tenha admitido agir durante campanha.
Em termos simples, Sanders nada tem a perder na defesa das suas ideias, não só pela idade que tem, mas também porque toda a vida foi independente e só se filiou no Partido Democrático no ano passado para concorrer à Casa Branca.
Mas Hillary Clinton se, por pressão do senador, apresentar ao eleitorado um programa bastante à esquerda arrisca-se a perder a maior aposta da sua vida política.