11 jun, 2016 - 13:27 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Justamente na semana em que se dissiparam em definitivo as dúvidas sobre quem serão os dois adversários nas eleições de Novembro para a presidência dos Estados Unidos, o contraste entre as duas candidaturas não poderia ser maior.
De um lado, Hillary Clinton garantiu a nomeação e começou a somar apoios num caminho longo para unificar o Partido Democrático após as clivagens das primárias. Do outro, Donald Trump começa a perder apoios entre as hostes conservadoras, cerca de um mês após ter garantido a nomeação do Partido Republicano.
Hillary teve na quinta-feira o apoio declarado e entusiástico do presidente Obama, a que se somou o do vice-presidente Joe Biden e da senadora do Massachusets Elizabeth Warren, uma progressista do partido que estará na lista de Clinton como possível vice-presidente.
Trump perdeu o apoio de um senador republicano do Illinois e arrisca-se a perder o de outros, caso insista em alardear os seus preconceitos raciais. O senador Mark Kirk decidiu retirar o apoio que lhe tinha dado anteriormente na sequência daquele que foi até agora o comentário mais controverso desta campanha.
O multimilionário acusou um juiz federal de não possuir isenção suficiente para o julgar porque era “mexicano”. A afirmação suscitou reacções indignadas por todo o lado e recebeu o epíteto de “racista” de vários responsáveis políticos, incluindo do speaker da Câmara de Representantes e candidato a vice-presidente em 2012, Paul Ryan. “É o manual da definição do racismo”, disse Ryan, que é hoje o mais poderoso republicano em cargos eleitos e que demorou algumas semanas a apoiar Trump na corrida à Casa Branca.
O juiz visado nasceu no estado do Indiana, filho de pais mexicanos, e é tão americano quanto Trump. E mesmo que o não fosse, a sua imparcialidade enquanto juiz não pode ser questionada em função da sua origem étnica. É essa a definição de racismo, como assinalou Paul Ryan.
E por que o atacou Trump afinal? Porque o juiz tem entre mãos um dos milhares de casos judiciais em que o multimilionário e as suas empresas estão envolvidos e que respeita a uma denominada “Universidade Trump”, anunciada como a escola ideal para aprender as imbatíveis técnicas negociais do seu patrono e ter sucesso nos negócios.
Acontece que muitos dos alunos que nela se matricularam e pagaram propinas consideraram-se defraudados porque a “universidade” queria apenas que eles vendessem planos e projetos de vária índole. “Vender, vender, vender”, era o lema, acusam hoje muitos dos que processaram Trump e a dita “universidade”, que entretanto faliu e fechou.
Ora, o comentário sobre o juíz foi para muitos republicanos a confirmação dos preconceitos raciais de Trump, que aliás insistiu mais tarde em que se o juiz fosse muçulmano também não teria isenção suficiente para o julgar, redobrando a sua atitude xenófoba.
Atitude que motivou uma chuva de críticas de todos aqueles republicanos (e são muitos) que se recusam a apoiar o multimilionário. A pressão subiu e enquanto o senador Mark Kirk retirava o seu apoio, Paul Ryan fez uma declaração formal em que, apesar de acusar Trump de ter feito uma afirmação racista, disse que o preferia a Hillary Clinton porque com ele na Casa Branca poderá levar a cabo o programa conservador pelo qual se bate.
Na sexta-feira, outro proeminente senador, Mitch McConnell, líder da bancada republicana no Senado, admitiu que poderia também retirar o apoio a Trump. Numa entrevista ao canal Bloomberg, McConnell disse que não queria especular sobre o assunto, mas que “era muito claro” que Trump “tinha de mudar de direcção e é isso que espero que aconteça”.
Exprimiu a sua convicção de que se Trump for eleito fará uma política de centro-direita, o que o deixará confortável, mas criticou a sua falta de preparação para o cargo. “É bastante óbvio que ele não domina os assuntos”, e por isso precisa de um candidato a vice-presidente com “muita experiência e muitos conhecimentos”.
É este tipo de comentários que tem deixado muita gente perplexa no campo republicano. Como é possível admitir que se prefere um candidato que faz afirmações racistas só porque ele viabilizará uma determinada agenda política? Ou como é possível apoiar alguém para presidente que se reconhece que não domina os assuntos e não tem preparação para o cargo?
Uma perplexidade que Mitt Romney, o candidato republicano em 2012 que escolheu Ryan para seu vice-presidente, também exprimiu na sexta-feira. Foi duríssimo com Trump, de quem se demarcou há meses.
“Não quero o racismo a espalhar-se pelo país. Não quero ver um presidente a dizer coisas que alterem o carácter das futuras gerações. Os presidentes têm impacto na natureza da nação. E espalhar racismo, intolerância e misoginia é extraordinariamente perigoso para o coração e o carácter da América”, afirmou à CNN, num fórum de reflexão sobre o futuro do Partido Republicano, onde Paul Ryan também compareceu e foi duramente confrontado com a sua opção pró-Trump.
Um outro senador republicano, Lindsey Graham, firme opositor de Trump, tem apelado aos seus pares para que retirem o apoio ao multimilionário. Graham é um senador veterano e amigo íntimo de John McCain, com quem partilhou vários combates políticos e com quem formou uma dupla considerada inseparável no Senado. Nunca os dois estiveram em desacordo, excepto agora a propósito de Trump.
McCain, que foi atacado por Trump no início das primárias por ter sido prisioneiro de guerra no Vietname – “não gosto de heróis de guerra que se deixam prender”, disse Trump, apoucando o candidato do partido a presidente em 2008 – acabou por apoiar o multimilionário e disponibilizou-se para lhe dar conselhos sobre política externa.
Um gesto que surpreendeu muita gente, dado que McCain sempre foi considerado um homem de forte carácter. Em Novembro, o seu lugar de senador pelo Arizona estará em jogo e McCain já admitiu em privado que este pode ser o combate da sua vida política porque Trump tem hostilizado o eleitorado hispânico, que no Arizona representa 22 por cento dos votantes.
De resto, as preocupações de muitos republicanos com a candidatura de Trump não se resumem à corrida à Casa Branca. Em Novembro próximo, será eleita também a Câmara de Representantes e cerca de um terço do Senado e no partido receia-se que o efeito Trump acabe por provocar a derrota de muitos congressistas e senadores e os republicanos percam a maioria que detêm hoje em ambas as câmaras do Congresso.
Em suma, num momento em que o partido deveria estar a cerrar fileiras e mobilizado para o combate político de Novembro, surgem sinais de crescente divisão graças à excentricidade – para dizer o mínimo – do seu candidato à Casa Branca. Um candidato que parece apelar apenas a um eleitorado nostálgico de uma América exclusivamente branca, que já não existe, e que parece rejeitar cada vez mais os preconceitos raciais.