12 jul, 2016 - 07:42 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Depois de, em Abril passado, ter havido entrevistas individuais aos candidatos perante a Assembleia Geral da ONU, esta terça-feira é a vez de um debate que segue um modelo celebrizado nos Estados Unidos – o do “Townhall”.
O modelo consiste basicamente em responder a perguntas do moderador, mas também às questões provenientes de um painel de pessoas previamente seleccionadas e que deverão ser representativas do eleitorado.
No caso dos candidatos a secretário-geral da ONU, o debate será conduzido por dois jornalistas, mas perante os embaixadores dos países representados nas Nações Unidas, que são afinal o eleitorado natural de quem se propõe gerir a organização nos próximos cinco anos.
Os representantes dos Estados-membros colocarão as suas questões aos candidatos, mas haverá também perguntas provenientes da sociedade civil, quer através de individualidades presentes, quer através de cidadãos anónimos das várias regiões do mundo que as enviam previamente pela internet.
O debate vai abrir com questões sobre direitos humanos, mas vai alargar para os inúmeros assuntos que envolvem as Nações Unidas e cada candidato terá oportunidade de explicar o seu programa e a sua visão para o desempenho do cargo.
No entanto, dado que estão neste momento na corrida nada menos do que 12 candidatos, a organização decidiu dividi-los em dois grupos de cinco cada (dois não podem comparecer).
O candidato apresentado por Portugal, António Guterres, estará no primeiro debate e terá como contendores Vesna Pusic, da Croácia, Susana Malcorra, da Argentina, Vuk Jeremic, da Sérvia, e Natalia Gherman, da Moldávia.
No segundo, debaterão Hellen Clark, da Nova Zelândia, Danilo Turk, da Eslovénia, Christiana Figueres, da Costa Rica, Igor Luksic, do Montenegro, e Irina Bokova, da Bulgária.
Ausentes estão Srgjan Kerim, da Macedónia, e Miroslav Lajcak, da Eslováquia, que vão enviar vídeos sintetizando as suas posições.
Ambição de transparência
Cada segmento deverá durar cerca de uma hora e ambos serão transmitidos em directo pela cadeia Al-Jazeera em inglês, que também emitirá através do seu site. O sinal de televisão vai ser disponibilizado gratuitamente a quaisquer outros operadores.
O site da ONU também emitirá em directo. A emissão começa às 18h00 de Nova Iorque, 23h00 em Lisboa.
Esta parceria entre as Nações Unidas e a Al-Jazeera pretende levar o debate ao maior número de pessoas pelo mundo fora, num esforço de tornar mais transparente uma organização que muitos acusam de ser a maior burocracia mundial e tomar decisões apenas em círculos fechados.
O presidente da Assembleia Geral, o dinamarquês Mogens Lykketotf, tem-se empenhado em fazer da eleição do próximo secretário-geral um exemplo de transparência, participação e abertura à opinião pública. Daí que tenha promovido as entrevistas individuais com cada um dos candidatos perante a Assembleia Geral e agora tenha avançado com este debate em formato “townhall” e transmissão televisiva para todo o mundo.
“No passado, os secretários-gerais foram escolhidos à porta fechada. Desta vez queremos assegurar que os Estados-membros e o mundo inteiro têm hipótese de conhecer quem são os candidatos, qual a sua visão e o seu desempenho”, explicou Mogens Lykketoft.
Embora este esforço seja louvável, fica por apurar o efeito de tais iniciativas no processo de selecção do futuro secretário-geral. Isto porque, como é sabido, a escolha para o cargo assenta essencialmente em negociações de bastidores, em recolha de apoios entre os 193 países do mundo, em infindáveis conversações diplomáticas, e acima de tudo, na capacidade de entendimento entre os cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança – Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França.
É já, aliás, no próximo dia 21, que os 15 membros do Conselho de Segurança – cinco permanentes e dez rotativos – iniciam o processo de selecção do candidato a secretário-geral, que será certamente complexo e moroso.
Habitualmente, o Conselho de Segurança faz uma recomendação à Assembleia Geral e, embora teoricamente possa recomendar mais do que um candidato, a prática é a de indicar apenas um, evitando surpresas no plenário.
Para que isso suceda, é necessário que haja consenso, sobretudo entre os membros permanentes, muito em particular os Estados Unidos e a Rússia. A recomendação à Assembleia Geral de um nome deverá recolher pelo menos nove votos no Conselho de Segurança, entre eles, o dos cinco permanentes.
É provável que na reunião do dia 21 fique esboçada uma primeira linha de candidatos, uma espécie de “short list”, que uma semana mais tarde, no dia 28, poderá consolidar a posição dos que nela constarem. Os restantes deverão então perceber que não têm hipóteses e deverão sair da corrida.
António Guterres deverá estar nessa “short list”, segundo a convicção dos círculos diplomáticos em Nova Iorque, não só pela experiência de dez anos como Alto Comissário para os Refugiados, onde lhe é creditado um bom trabalho, mas também pela sua preparação, pelas ideias que lançou e pelo desempenho que tem tido nesta corrida.
Um desempenho que será novamente posto à prova esta terça-feira no debate em que participa e que certamente não angustia o antigo primeiro-ministro português, conhecida que é a sua vasta experiência parlamentar e de debates políticos. Quer no tempo em que foi líder da oposição, quer quando foi primeiro-ministro, Guterres sempre evidenciou uma grande destreza discursiva e capacidade argumentativa. São trunfos que o têm destacado nesta corrida a secretário-geral das Nações Unidas.
“Ameaça” argentina
Esta corrida é muito marcada pela ambição de fazer eleger uma mulher, já que foi o presidente da Assembleia Geral que encorajou os Estados-membros a candidatar mulheres.
Dos doze candidatos em presença, seis são mulheres, uma das quais parece ser particularmente forte – a argentina Susana Malcorra, que foi chefe de gabinete do actual secretário-geral Ban Ki-moon durante três anos e é actualmente ministra dos Negócios Estrangeiros do seu país.
Com larga experiência de ONU, Malcorra terá cultivado um excelente relacionamento com os Estados Unidos e poderá surgir agora como a candidata do consenso entre americanos e russos, já que as restantes candidatas provenientes do Leste da Europa parecem não reunir tal convergência.
Talvez por isso, Susana Malcorra, juntamente com António Guterres e a neo-zelandesa Hellen Clark, deverá estar no grupo da frente que sairá das primeiras reuniões do Conselho de Segurança sobre o futuro secretário-geral.
Guterres e Clark, que foi primeira-ministra e dirige actualmente o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) têm sido genericamente considerados os mais aptos para o desempenho do cargo.
Mas neste mês de Julho a “short list” não deverá ficar reduzida a estes três candidatos, porque nesse caso a Europa de Leste, donde provém a esmagadora maioria, ficaria afastada da corrida. A búlgara Irina Bokova, actual directora-geral da UNESCO, parece em melhor posição até porque contará com o apoio russo.
Em Agosto, os decisores vão a banhos e o processo será retomado em Setembro. Prevê-se que em Outubro haja um nome a apresentar à Assembleia Geral, que o votará antes do final do ano porque o novo secretário-geral assume funções a 1 de Janeiro de 2017.