16 jul, 2016 - 00:02 • Filipe d'Avillez
Passadas poucas horas desde o início do golpe na Turquia, ainda não se sabe bem quem será o responsável ou sequer qual a dimensão da participação militar. Mas apesar de não haver certezas, parece haver apenas duas possibilidades de responsáveis pelo golpe: Fethullah Gulen ou a velha guarda secularista das Forças Armadas.
Gulen é uma personalidade bastante obscura. Vive no exílio, aparece pouco em público, mas lidera um movimento de inspiração islâmica que é vista pelo actual regime, também de inspiração islâmica, como uma ameaça.
Os gulenistas têm sido purgados da vida pública turca ao longo dos últimos anos. Publicações associadas ao pregador foram encerradas e membros das forças armadas demitidos ou encostados.
Segundo o canal Al-Jazeera, estaria prevista uma revisão periódica do Exército e da Força Aérea daqui a 15 dias e havia rumores de que vários outros oficiais iriam ser removidos de lugares de influência, o que explicaria o facto de esses elementos terem agido agora, acreditando poder tratar-se de uma última hipótese.
Gulen era aliado de Erdogan até 2013, mas os dois incompatibilizaram-se nesse ano e actualmente o primeiro encontra-se na lista de criminosos mais procurados na Turquia, o que o mantém longe, num exílio confortável nos Estados Unidos.
A visão do Islão abraçada pelo Movimento Gulen é descrita pelos próprios como sendo moderada, amiga do diálogo inter-religioso e compatível com a ciência, embora o Fethullah seja conhecido por divulgar manuais científicos que promovem uma visão criacionista do mundo, incompatível com teorias da evolução.
Num ponto que é actualmente muito importante, Gulen tem-se oposto ao envolvimento da Turquia na guerra civil da Síria, defendendo uma intervenção armada contra o Estado Islâmico.
Movimentos próximos deste clérigo negan envolvimento no golpe e acusam os partidários de Erdogan de "irresponsabilidade" pelas acusações. Dizem que é cedo para tirar conclusões sobre o que se está a passar.
Secularistas
Outra possibilidade é que o golpe seja liderado pela velha guarda secularista turca.
Durante anos as Forças Armadas turcas viam-se como as defensoras da herança secularista de Kemal Ataturk, o pai da Turquia moderna, depois da queda do Império Otomano, que impôs uma série de reformas e ocidentalizou o Estado.
Os secularistas desconfiam profundamente dos movimentos religiosos, incluindo o islamismo supostamente moderado do partido AK de Erdogan.
Ao longo dos últimos anos vários dos principais militares ligados a esta ala das Forças Armadas foram detidos, julgados e presos ou apenas expulsos do serviço activo pelo regime de Erdogan. Muitos julgavam que o movimento secularista em si tinha sido quebrado, e já não apresentava uma verdadeira ameaça, mas este golpe poderá provar que esse não é o caso.
Por enquanto, contudo, não há certezas sobre quem é responsável pelo levantamento, pelo que apenas o tempo dirá qual a ideologia e os verdadeiros motivos por detrás do mesmo.