21 jul, 2016 - 22:32 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
A eleição de um português para o cargo mais importante das Nações Unidas e um dos mais importantes do mundo deixou esta quinta-feira de ser uma possibilidade para passar a ser uma probabilidade.
A votação obtida pelo antigo primeiro-ministro António Guterres na primeira reunião do Conselho de Segurança (CS), que decorreu em Nova Iorque, dificilmente poderia ter sido mais favorável. Com 12 votos positivos (encorajadores, na linguagem diplomática da ONU) em 15 possíveis, nenhum voto negativo (desencorajador) e três sem opinião, Guterres ficou a liderar a corrida, apesar de não ser mulher nem ser da Europa do Leste.
Desde o início do processo de escolha do secretário-geral que está no terreno uma campanha promovida por vários países para que a opção recaia numa mulher. E, além disso, a tradição de rotatividade do cargo entre as várias regiões do mundo aponta desta vez para o grupo da Europa de Leste. Graças a estes dois factores surgiram na corrida seis mulheres e oito europeus de Leste em doze candidatos.
Mas a primeira votação do Conselho de Segurança indicia que este órgão não parece ter sido muito sensível à questão do género – entre os cinco candidatos mais votados só há uma mulher.
Depois de Guterres ficou o ex-presidente da Eslovénia, Danilo Turk, que recolheu 11 votos positivos, dois negativos e dois sem opinião. Na terceira posição ficou a búlgara Irina Bokova, actual directora-geral da UNESCO, com 9 votos positivos, 4 negativos e dois sem opinião. Com os mesmos 9 votos positivos ficaram os ex-ministros dos Negócios Estrangeiros sérvio e macedónio, respectivamente Vuk Jeremic e Srgjan Kerim, ambos com 5 votos negativos e um sem opinião.
Só depois deste quinteto da frente surgem duas candidaturas que eram consideradas fortes: a da ex-primeira-ministra e actual responsável pelo PNUD, Helen Clark, e a da ministra dos Negócios Estrangeiros argentina Susana Malcorra, que entre 2012 e 2015 foi chefe de gabinete do secretário-geral Ban Ki-moon.
Cada um dos 15 países membros do Conselho de Segurança – cinco permanentes e dez não-permanentes – votou em cada um dos candidatos, exprimindo o seu “encorajamento”, “desencorajamento” ou “sem opinião”.
O voto é secreto, mas o facto de Guterres não ter tido qualquer país a opor-se à sua candidatura é sintomático. E, por outro lado, 80% dos membros mostrou simpatia pela sua candidatura, mais do que por qualquer outra, o que indicia que não tem anticorpos no CS, especialmente entre os membros permanentes, que dispõem do direito de veto – EUA, Rússia, China, Reino Unido e França.
Formalmente quem elege o secretário-geral é a Assembleia Geral da ONU, em plenário, mas sob proposta do Conselho de Segurança e não há memória de o CS ter indicado mais do que um nome para votação.
Depois desta primeira ronda, aguardam-se agora os seus efeitos nas diversas candidaturas. Habitualmente, os candidatos que ficam mal classificados retiram-se da corrida, diminuindo o leque de opções de votação para votação. O CS deverá reunir de novo na próxima semana para uma segunda ronda de votos e eventualmente no início de Agosto, antes de ir de férias.
Nessa altura, espera-se que já só estejam na corrida muito poucos candidatos. Face ao cenário decorrente desta votação, só os cinco candidatos da frente parecem ter alguma hipótese de chegar ao cargo. E se houver mais duas reuniões do CS antes de férias, talvez só os três primeiros “sobrem” para o pós-férias.
Danilo Turk, que ficou logo atrás de Guterres na votação, foi presidente da Eslovénia e é um diplomata prestigiado que trabalhou muitos anos na ONU. Foi assistente de Kofi Annan, representante do seu país e presidente da Assembleia Geral. É formado em Direito, trabalhou em direitos humanos e conhece bem o aparelho da organização.
Irina Bokova é a actual directora-geral da UNESCO, foi ministra dos Negócios Estrangeiros da Bulgária, chefiou várias delegações do seu país a conferências internacionais e foi embaixadora búlgara na ONU. Parece ter o apoio da Rússia nesta candidatura, embora o apoio do seu próprio país tenha chegado a estar em dúvida, já que havia na Bulgária quem preferisse candidatar a actual comissária europeia Kristalina Georgieva.
Embora não haja prazo limite para apresentação de candidaturas, não é crível que ainda surja alguma com hipóteses de disputar o cargo.
Na semana passada, o Governo australiano revelou a intenção de avançar com a candidatura do ex-primeiro-ministro Kevin Rudd, mas é convicção geral que será tarde demais para ter qualquer influência na corrida.
Sobretudo porque desta vez, ao contrário do que sucedeu nas eleições anteriores, cada um dos candidatos submeteu-se a um processo de exposição pública que incluiu entrevistas e debates perante a Assembleia Geral e quem quer que apareça agora teria de sujeitar-se ao mesmo processo e o tempo escasseia.
Talvez não seja coincidência o facto de os três candidatos mais votados terem apresentado a candidatura em Fevereiro e terem tido tempo para uma campanha longa e abrangente.
O CS quer ter o processo fechado em Outubro, porque o novo secretário-geral toma posse a 1 de Janeiro de 2017.
[notícia actualizada às 01h04]