24 ago, 2016 - 20:22 • João Carlos Malta
Em 2004, Aheda Zanetti criou o burkini para que a sua sobrinha pudesse jogar “netball” (jogo parecido com o basquetebol). Não havia vestuário desportivo que se adequasse às meninas muçulmanas e Aheda decidiu criar algo “para dar liberdade, não para a retirar”.
“Quando ela acabava o jogo parecia um tomate, vermelho e quente”, lembra Zanetto, num artigo publicado esta quarta-feira no jornal britânico “Guardian”.
Zanetti estava longe de pensar que criaria tamanha polémica como a que agora se vive em França. Em 15 localidades francesas, as mulheres estão proibidas de usarem o burkini.
As autoridades locais justificam a proibição do burkini com motivos de segurança, considerando que este tipo de fato de banho demonstra, de forma "ostensiva", a pertença ao islão, o que pode gerar distúrbios numa altura em que a França vive o medo da ameaça de grupos extremistas como o autoproclamado Estado Islâmico.
No texto publicado no “Guardian”, Aheda Zanetti explica por que razão criou esta peça de vestuário e critica as autoridades francesas pelo que considera ser uma perseguição que as coloca ao nível dos talibãs.
Aheda explica que quando deu o nome de burkini a este tipo de fato de banho não tinha em mente ligá-lo à burqa ou que fosse uma “burqa de praia”. “Para mim é apenas uma palavra. Vivi na Austrália toda a minha vida e ao desenhar este fato para a praia tinha de lhe chamar algo rapidamente”, escreve.
“A burqa não vem em nenhuma parte do Corão e a nossa religião não nos pede que tapemos as caras, é uma opção de cada um de nós”, diz Aheda Zanetti.
"Bem-estar, alegria e saúde"
As proibições em França deixam-na furiosa. “Espero que não seja racismo. Penso que não entenderam o significado de algo que no fundo só contribuiu para o bem-estar, alegria e saúde”, afirma. “Já há tantos problemas no mundo para quê criar mais?”
Zanetti reclama que a sua invenção deu liberdade às mulheres muçulmanas, que agora lhes querem tirar. E ataca: “Quem é melhor: os políticos franceses ou os talibãs? São igualmente maus.”
Aos que criticam uso do burkini como uma forma de opressão das mulheres, Aheda responde: “O que vocês vêem é uma opção nossa.”
“Se me considero uma feminista? Sim, talvez. Gosto de estar atrás do meu marido, mas eu sou o motor para que as coisas aconteçam. Fui eu que escolhi que fosse assim. Quero que ele fique com os créditos de tudo o que fazemos, mas sou a criadora silenciosa.”
A criadora do burkini acaba o artigo de opinião a dizer que dar um mergulho no mar é das melhores sensações que se pode ter e que ela tem o melhor dos dois mundos: “Uso um bikini por debaixo do burkini”.
Caso acende polémica
As fotografias de uma mulher a ser obrigada a retirar o véu numa praia francesa pelas autoridades locais estão a aumentar a polémica em relação à decisão de proibir o burkini em algumas localidades.
As imagens mostram quatro agentes da polícia a abordar uma mulher muçulmana na costa da Promenade des Anglais, em Nice, onde, em Julho, ocorreu o atentado terrorista que matou 86 pessoas.
Os relatos afirmam que, depois de os agentes a avistarem na praia, a mulher foi obrigada a remover a túnica ao mesmo tempo que as autoridades tiravam algumas notas.
A mulher vestia umas “leggings”, uma túnica e um lenço na cabeça. Os polícias terão escrito que a indumentária não "respeita a moral e o secularismo".
“Eu estava sentada na praia com a minha família”, disse a mulher de 34 anos, cujo primeiro nome é Siam, citada pelo “Guardian”. “Estava a usar um lenço clássico e não tinha intenção de nadar”, acrescentou.
Uma testemunha, Mathilde Cousin, confirmou o incidente ao “Guardian”. “O mais triste é que as pessoas na praia gritavam ‘Vai para casa’ e outras estavam a aplaudir a polícia", disse. "A filha da mulher muçulmana chorava."