30 ago, 2016 - 07:03
Foi com um apelo à consciência de apoiantes e opositores, que Dilma Rousseff terminou a audição no Senado brasileiro. Para lá das perguntas da acusação e da defesa, a Presidente suspensa do Brasil defendeu o próprio governo, negou a acusação de que teria cometido crime de responsabilidade. Terminou reafirmando que, se for aprovado, o “impeachment” será um golpe parlamentar.
Ao terceiro dia e num derradeiro esforço para inverter a aprovação da sua destituição, Dilma Rousseff decidiu fazer pessoalmente a sua defesa na câmara alta do Congresso, num processo em que é acusada de editar créditos suplementares em 2015 e de usar dinheiro de bancos federais em programas do Tesouro, as chamadas "pedaladas fiscais".
A sessão, que durou cerca de 14 horas, começou com uma declaração, na qual Dilma Rousseff disse que não cometeu crimes e pediu justiça aos senadores, alertando que está a ser vítima de um golpe.
Ao responder a 48 senadores, que ora elogiaram ora criticaram o conjunto da obra da Presidente reeleita em 2014, e à acusação e à defesa, Dilma Rousseff distanciou-se, vezes sem conta, dos crimes de que é acusada, negando ter violado a Constituição, e reforçou: "Tenho a certeza absoluta de que não se trata de crime de responsabilidade".
A Presidente suspensa alertou que pode ser vítima de um "golpe parlamentar", frisando que "nem todos os golpes são militares e usam a força".
Recusando que o pedido para a sua saída da Presidência tenha nascido nas ruas, a líder brasileira sublinhou que foi alvo de "um dos maiores boicotes" contra a governação, por parte da Câmara dos Deputados, quando ela era liderada pelo seu opositor Eduardo Cunha, político que responsabiliza pelo processo de 'impeachment'.
Durante largos meses antes de ser temporariamente afastada, a 12 de Maio, frisou, a câmara baixa do Congresso "não tinha comissões funcionando", sobretudo "aquelas que impactam a gestão fiscal".
"Tirámos o Brasil do mapa da fome"
"Se certas medidas tivessem sido tomadas no início de 2015, teríamos uma crise económica menor e dela teríamos saído mais rápido", comentou.
"Querer dizer que a crise fiscal do país é por conta de três decretos e uma operação de subsídio é inverter completamente a realidade. Não sei em que mundo estaríamos se uma crise com a proporção da que o Brasil está vivendo fosse devido a isto", comentou a líder brasileira.
"Eu não menti no processo eleitoral", disse, realçando factores para justificar a crise do país, como o preço das 'commodities', a desvalorização do real, a elevação dos juros nos Estados Unidos, as secas no Brasil e a desaceleração da China.
Nas suas respostas, Dilma Rousseff reforçou a ideia de se fazer um referendo sobre a convocação de eleições e uma reforma política, dada a proliferação de partidos (35) que prejudica a governação.
"Tirámos o Brasil do mapa da fome", vincou, criticando medidas tomadas pelo governo interino, de Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), e realçando que jamais voltaria a governar com o que chamou de "PMDB do mal".
Ao final da noite, a chefe de Estado suspensa advertiu os senadores para "o julgamento da história", dado que "não está minimamente provado que houve dolo" nos crimes de que é acusada.
Nas suas considerações finais, a chefe de Estado suspensa pediu aos senadores que votem com "consciência", alertando que tirar um Presidente sem ele ter cometido crimes de responsabilidade é um "ferimento que será muito difícil de ser curado".
Num dia histórico para o Brasil - o primeiro em que um Presidente fez a sua defesa num processo de 'impeachment' -, várias personalidades assistiram ao depoimento no local, entre elas o ex-presidente Lula da Silva, ex-ministros e o cantor e compositor Chico Buarque.
Após o depoimento, o julgamento do primeiro 'impeachment' de um Presidente do Brasil em que não houve renúncia ao cargo prosseguirá com os debates entre a acusação e a defesa, os pronunciamentos dos senadores e a votação.
Se for considerada culpada por 54 dos 81 senadores, a Presidente suspensa perderá o mandato e o direito de ocupar cargos públicos electivos por oito anos.