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Entrevista

"Le Canard Enchaîné". O jornal a duas cores que dá bicadas na crise da imprensa

16 jan, 2017 - 19:23 • Elsa Araújo Rodrigues

Não quer dar lições aos outros jornais, mas pode gabar-se de, com uma redacção pequena, vender semanalmente 400 mil exemplares. "A independência de um jornal começa na caixa registadora", diz o editor-chefe Érik Empatz.

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O jornal "Le Canard Enchaîné" pode ser descrito como o irredutível gaulês da imprensa a nível mundial. Há 100 anos que sai para as bancas francesas. Em papel, claro, e impresso a duas cores – preto e vermelho. Com uma redacção relativamente pequena, com aproximadamente 30 jornalistas, vende, semanalmente, 400 mil exemplares.

Apesar de não ter escapado à queda nas vendas, o jornal, que nunca teve publicidade, dá lucro – cerca de três milhões de euros, em 2015.

A Renascença falou com Érik Empatz, editor-chefe deste jornal que faz sátira, mas também jornalismo de investigação, para tentar perceber o segredo para este "pato acorrentado” manter a independência de grandes grupos económicos.

Qual é o segredo do vosso sucesso?

Para começar, a razão do nosso sucesso, é que desde o início, que o "Canard" é um jornal completamente independente. Isto quer dizer que o nosso jornal nunca dependeu de um grupo financeiro e sempre foi independente da publicidade. Ou seja, desde o início que nunca tivemos publicidade. Não dependemos dos grandes grupos económicos, como foi acontecendo com outros jornais franceses que foram comprados. Penso que é isso que nos torna fortes.

Actualmente, as pressões exercidas sobre os meios de comunicação, e sobre os jornais em particular, não são tanto pressões dos Governos a dizer "não devem escrever isto ou aquilo". Existem muitas pressões económicas, pressão dos anunciantes, que, de uma forma ou de outra, dizem: "Se escreverem mal da nossa empresa, retiramos a publicidade do vosso jornal". Como se sabe, neste momento, os jornais são muito dependentes das receitas publicitárias e isso cerceia-lhes a liberdade. Mas nós temos liberdade plena e, sem dúvida, que essa é a razão do nosso sucesso.

O custo de produção do vosso jornal é baixo...

Sim, custa 1,20 euros. E não aumentámos o preço do jornal desde 1993.

Há 24 anos que não aumentam o preço do jornal?

Sim. Consideramos que o jornal vende bem e que os nossos leitores devem beneficiar das nossas vendas. Mas, por outro lado, não oferecemos nada.

Refere-se ao facto de "Le Canard Enchaîné" ter uma presença muito limitada na internet e nas redes sociais e não disponibilizar conteúdos digitais de forma gratuita?

Não cometemos um erro que muitos jornais em França – e noutros países – cometeram, quer sejam diários ou semanários. A maioria precipitou-se e foi a correr para a internet. Passaram a disponibilizar os artigos de forma gratuita. E, depois, graças a esta "fórmula gratuita", perderam uma boa parte dos seus leitores.

Muitos jornais perderam metade dos leitores e, agora, é muito difícil regressar a uma fórmula em que o leitor tenha que pagar para ler. Nós não fizemos isso. Para já, a nossa presença na internet é extremamente minimalista. O nosso site apenas disponibiliza os títulos do jornal às quartas-feiras. Por enquanto, a internet não está no topo das nossas prioridades porque as nossas vendas em papel ainda são muito boas. Vendemos 400 mil exemplares por semana. E vamos continuar a vender o jornal em papel, enquanto isso for possível. Se, um dia, passarmos apenas a estar disponíveis na internet, o que deverá acontecer no futuro – provavelmente, num futuro muito próximo –, isso será também porque em França há uma diminuição muito acentuada dos pontos de venda. Existem cada vez menos quiosques, desapareceram muitos nos últimos anos. E isso é muito preocupante. Mas, por enquanto, as nossas vendas são boas. O jornal dá lucro e o problema ainda se não coloca.

No dia em que passarem definitivamente à versão digital, será através de um modelo pago?

Sim. Passaremos directamente a um modelo pago, de certeza.

São um jornal satírico que também faz jornalismo de investigação. Já revelaram muitos escândalos e dão muitas notícias. Como conseguem unir estas duas facetas e, em simultâneo, serem um jornal com tanta credibilidade?

Para responder a essa pergunta, tenho que voltar à questão da independência. Quando investigamos negócios, por exemplo, que envolvem bancos ou somas de dinheiro importantes, não estamos acorrentados. Temos uma certa independência que nos permite investigar a fundo esses casos. Por outro lado, somos muito rigorosos em relação às informações. Como temos uma tiragem muito significativa e somos credíveis, quando fazemos perguntas, as pessoas têm tendência a responder-nos.

Não têm dificuldade em investigar?

Se telefonarmos a um ministro, por exemplo, ele responde. Sempre que ligamos a alguém importante, se o "Canard" ligar a perguntar, é atendido e temos respostas. Isto também acontece porque temos uma enorme preocupação com a verificação exaustiva de todas as notícias que damos. Não publicamos informações se não tivermos provas suficientes que as sustentem. Somos muitas vezes ultrapassados pela concorrência porque consideramos que não tínhamos provas suficientes para publicar determinada história. Mas é o facto de não abdicarmos desse rigor, em detrimento da velocidade de publicação, que, no fim das contas, nos garante a reputação de sermos exactos e precisos nas investigações que levamos a cabo.

Têm uma regra que exige um certo anonimato aos vossos jornalistas. É muito raro ver um jornalista do "Le Canard Enchainê" num canal de televisão a comentar uma investigação, um escândalo que tenham revelado, por exemplo...

No último ano, tivemos alguma presença na televisão, fomos a alguns programas, a propósito da celebração dos 100 anos do jornal. Fizemos um livro de comemoração do centenário do "Canard" e também fomos para o promover, tem vendido bem. Mas, fora deste quadro, a regra do nosso jornal defende que as nossas informações e comentários são reservados aos nossos leitores, às pessoas que compram o jornal. É por isso que não participamos de programas de debate com outros jornalistas ou comentadores para discutir determinado tema ou assunto. Não o fazemos porque consideramos que isso não é benéfico, não nos traz nada de palpável. Somos muito discretos.

No que diz respeito aos artigos que não são assinados, isso tem a ver com o facto de serem artigos nos quais trabalharam várias pessoas e serem relativamente curtos. No entanto, também temos muitos artigos assinados. O anonimato não é literal. Mas é verdade que permanecemos muito discretos. Não alimentamos nem defendemos o vedetismo, nem seguimos a onda dos jornalistas-vedeta. É algo que não faz parte da cultura do nosso jornal.

O "Le Canard Enchaîné" alia a investigação jornalística à sátira, através de uma linguagem humorística muito própria. Referem-se a muitas das personagens políticas através de alcunhas que criaram para elas. É isso que vos diferencia de um jornal como o "Charlie Hedbo"?

O "Charlie Hedbo" também é um jornal satírico, mas não fazem investigação. Nós fazemos as duas coisas: investigações jornalísticas sérias, mas que tentamos sempre dar a conhecer aos nossos leitores sem nos levarmos muito a sério. Ou seja, tentamos escrever essas histórias de forma engraçada. Maurice Maréchal, que fundou o "Canard" durante a I Guerra Mundial, em 1916, um dos anos mais mortíferos da guerra, tinha uma “fórmula” para dar as notícias. Dizia: "Quando vejo uma coisa que me escandaliza, a minha primeira reacção é indignar-me. Mas a minha segunda reacção é rir-me. É mais difícil rir, mas é mais eficaz." Nós tentamos seguir esta máxima. Tentamos falar de coisas muito sérias, de contar histórias, de fazer investigação, de escrever editoriais, de comentar, de opinar, mas fazê-lo sempre sem nos levarmos demasiado a sério. Tentando sempre rir das coisas.

Em Portugal, os jornalistas passaram os últimos dias em congresso, a discutir o futuro do jornalismo e dos jornais. O "Le Canard Enchaîné" tem uma receita que funciona, vende, dá lucro. Como resolver os problemas que muitos jornais enfrentam?

No "Canard" não damos lições a ninguém. Temos perfeita noção do luxo que é podermos fazer o que fazemos, da forma como o fazemos, nos dias que correm, e sem termos de enfrentar problemas de vendas ou de falta de rendimentos publicitários. Não queremos nem podemos estar em posição de dar lições a quem quer que seja. Mas, se tivéssemos apenas um conselho a deixar, seria este: a independência de um jornal começa na caixa registadora. O quero dizer com isto é que devemos tentar ser o mais independentes possíveis em termos financeiros. A independência financeira dá uma força que agrada aos leitores. Porque, quando todos os jornais vendem espaços publicitários aos mesmos anunciantes, às mesmas empresas, e dão todos as mesmas notícias, o mesmo tipo de informação e no mesmo tom, é fácil de perceber que, ao fim de um tempo, deixam de fazer falta ao leitor.

Os jornais são de tal forma parecidos que se estão a tornar irrelevantes?

“Voilá”! É preciso preservar a alma do jornal e a sua especificidade. Devemos fazer o que sabemos fazer bem e ser um jornal particular, diferente. Não devemos tentar ser parecidos com todos os outros. Devemos é ser diferentes uns dos outros. E tentar ser o mais independentes possível, em termos financeiros. Se temos um conselho muito vago a deixar, é este. Mas, repito: nunca nos colocamos em posição de quem dá lições. Isso é algo que também não faz parte da nossa cultura enquanto jornal.

Comentários
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  • José Seco
    01 fev, 2017 Lisboa 07:52
    Basta apenas olhar para a França mesmo ao lado de Portugal pra qgpe perceber o quanto Portugal é atrasado e propositadamente atrasado pois os "senhores do poder" em Portugal julgam que é possível desenvolver o país apenas se privilegiando a si próprios e explorando o povo! O resultado tem estado bem á vista no caso português! È uma espécie de Angola da Europa!
  • rahul
    17 jan, 2017 Portimão 19:57
    Voilá... 2 2=4... e os nossos inteligentes "opinistas" nunca se aperceberam de nada... rssss
  • rosinda
    16 jan, 2017 palmela 21:22
    preservar a alma de um jornal e importante!

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