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Paulo Portas. “A aproximação americana à Rússia pode ser uma oportunidade"

19 jan, 2017 - 00:02 • Raquel Abecasis (Renascença) e David Dinis (Público)

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros comentou a situação entre Rússia e Estados Unidos na entrevista conjunta Renascença/Público.

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“A aproximação americana à Rússia pode ser uma oportunidade”
“A aproximação americana à Rússia pode ser uma oportunidade”

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Qual é o risco maior da Presidência Trump?
Se a Rússia pode ser uma oportunidade, há uma consequência para a Europa. Ele tende a valorizar os países individualmente e não como um todo...

A entrevista que ele deu esta semana ao The Times mostrava que ele aposta numa desintegração.
Ele vai ser essencialmente um Presidente económico, sabe quais são as economias que funcionam. Vai valorizar a relação especial com o Reino Unido. O que ele diz de maneira violenta sobre quem paga a segurança dos europeus é uma questão latente há muitos anos... E é evidente que a Europa vai ter que investir mais na sua segurança - não nos meios clássicos, mas na cooperação entre serviços de inteligência e nas comunicações. Eu não vou entrar na discussão sobre a NATO, que ele trata de forma muito desagradável, mas acho que na questão de quem é que financia a segurança da Europa vai haver consequências. Mas onde eu acho que está um risco grande na Presidência Trump é no comércio. Aí é que o assunto é muito sério.

Com a China ou com a Europa?
Com a China e com a Europa, por esta ordem. E quem pensa que a questão está nos tratados bilaterais, com Canadá ou México, no tratado com a UE... sim, vai ser relevante. Mas chamo a atenção já em 2017 para um desafio violentíssimo para todos os blocos económicos. Refiro-me à reforma do imposto de sociedades dos EUA - a reforma do IRC dos americanos. Que aponta para uma taxa plana de 15%, o que é um desafio à competitividade. Aponta para larguíssimas deduções dos salários no IRC e do investimento também. E ainda uma sobretaxa sobre os importadores e os traders dos EUA, para os dissuadir de importarem produtos e bens. Há quem fale de uma sobretaxa de 10% - ou de uma segmentada de 45% sobre produtos chineses. Isto leva a quê? A uma restrição do comércio, a uma pausa na compra e venda e leva a retaliações (a China já avisou que retaliará e não vejo como a Europa pode fazer outra coisa). Se olharem para os dados, os EUA importam da China três vezes mais do que exportam; e importam duas vezes mais da Europa do que exportam. As retaliações provocarão danos, mas o que o sr. Trump está a tentar fazer é um proteccionismo económico que, num primeiro momento beneficiam a economia americana, num segundo prejudicam todos.

Isso parece uma tendência crescente, para lá dos EUA.
O mundo está culturalmente numa fase muito complicada. A Europa não tem crianças, é contra os imigrantes, é a favor dos direitos adquiridos toda a vida, sem saber como se vão pagar - e agora também é contra o livre comércio? Isto é uma receita para o desastre. Não há continente que cresça assim. Os EUA têm o dobro do crescimento, metade do desemprego e o problema é dos EUA? Ou está na Europa? A Europa está a perder competitividade desde a digitalização e da globalização. E os europeus estão a convencer-se que são perdedores da globalização - e quem não vende nem compra empobrece. E não inova.

E isso tem tendência para dividir os europeus, porque a Alemanha não se acha perdedora da globalização.
O principal perdedor estratégico do Brexit foi a Alemanha. Porque tem a única economia grande do euro que é competitiva. Fez reformas, adaptou-se. A economia inglesa era a que podia ajudar a Alemanha, que agora fica sozinha a levar com os problemas e as dívidas da Europa.

E isso pode influenciar as eleições alemãs deste ano?
Onde estão os líderes na Europa? É quase inevitável reconhecer que a única pessoa confiável que resta é a senhora Merkel. Ela irá provavelmente para um quarto mandato...

Mas o isolamento da Alemanha não provocará uma mudança?
A Alemanha tem um problema com a memória tal que não quer liderar sozinha. Mas precisa de ter alguém. E a França no meio da globalização decidiu baixar a idade de reforma, fazer uma taxa sobre a riqueza, que só lhe prejudicou a competitividade. O problema na Alemanha é que a sra. Merkel pode deixar de ter sócio, o SPD está muito mal. E há dois aspectos que levam a que o olhar dos alemães sobre a sra Merkel já não seja o mesmo: quando salvou a honra da Europa dizendo que não ia repatriar ninguém da Síria, não tinha nenhum meio para tornar essa política operacional (não há tecnologia nem cooperação para distinguir um imigrante económico de uma célula jihadista que aproveita os benefícios de uma legislação). A segunda é que os alemães estão a ficar cansados da política de juros negativos do Banco Central Europeu (BCE). Os alemães têm uma classe média que poupa e o dinheiro não rende.

Isso vai levar o BCE a mudar essa política?
Hoje em dia a classe política alemã não faz outra coisa que não seja criticar o BCE. Acho que provavelmente terá que haver sinais [do BCE]. Mas os problemas financeiros da Europa não estão resolvidos. É outra coisa em que os americanos foram melhores do que os europeus. Acha normal oito anos depois do Lehman Brothers ainda se descobrir um problema sistémico num dos grandes sistemas bancários que é o italiano? O que é que andaram a fazer os bancos centrais e o BCE?

Com uma grave crise económica em cima, o que piora os resultados da banca...
Mas comparem, até vai a crédito do Presidente Obama. Vejam como a Europa se torturou e tropeçou na crise financeira. Talvez devêssemos aprender alguma coisa com eles - entre outras coisas foi gente presa pela crise financeira nos EUA.

Tudo isso cai necessariamente em cima dos países mais frágeis...
Sim, quanto mais forte mais protegido, quanto mais fraco mais vulnerável...

... desde o problema da polícia comercial dos EUA, a questão do BCE...
Portugal exporta 2.500 milhões de euros para os EUA. E os EUA tornaram-se o nosso 5º parceiro comercial. Este tipo de taxas dificulta as nossas exportações. Eu acho que o mundo vai precisar, em particular os europeus, que estão muito atingidos pela cintilância simplificadora dos populistas, vai precisar de uns anos para perceber que, se não vender nem comprar fica mais pobre. Achamos que as pessoas vão deixar de fazer e-shoppping e vão seleccionar os países de quem compram e não compram? É não perceber o mundo em que vivemos. É uma Europa condenada. Se fosse possível usar um remédio rápido contra os populismos, era dar-lhe três meses de poder - e as pessoas percebem. O problema é que entretanto fazem muitos danos.

Este pode ser esse ano?

É um ano muito intervalar na Europa: tem eleições na França, na Alemanha, as negociações do Brexit. É um "work in progress", não de resultados.

“Onde há um risco muito grande com Trump é no comércio”
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