18 abr, 2017 - 09:00 • Pedro Rios , Teresa Abecasis , em França
Este artigo é um excerto adaptado da reportagem “O feitiço Marine Le Pen conquista portugueses”.
Recebe-nos numa sala cheia de livros, de Marx (sim) a tomos sobre a II Guerra Mundial e religião. Davy está no seu território: a sede da juventude da Frente Nacional (FN), no número 165 da Rua Jeanne d'Arc, em Paris. Em dois anos, subiu na hierarquia desta juventude partidária, uma subida meteórica até ao posto de vice-presidente. Davy é Rodríguez, que vem do avô espanhol, e Oliveira. Oliveira? Davy é neto de uma portuguesa, que chegou a França há mais de 40 anos.
Para ele, que tem 23 anos, não é contraditório ter raízes na imigração e ser a favor de um partido que vê a imigração como um problema.
“Se dizer que temos que parar com a imigração é ser racista, então isso é um bocadinho problemático. Eu sou meio espanhol, meio português. Há muita gente italiana neste partido, até gente que tem origens em África. Aqui não há racistas, nem homofóbicos, nem xenófobos”, disse à Renascença, declarações publicadas em Março na reportagem multimédia “O feitiço Marine Le Pen conquista portugueses”.
Marine Le Pen está numa luta renhida com Emmanuel Macron para ser Presidente de França - a primeira volta é a 23 de Abril, a (provável) segunda ronda está marcada para 7 de Maio. Davy acredita que é desta que a Frente Nacional chega ao poder. E tem outros aliados de origem portuguesa que têm o mesmo desejo: em Maio de 2016, um estudo do Centro de Estudos Políticos de Sciences Po mostrou que, entre os jovens franceses com origens na imigração, os que têm ascendência portuguesa eram os mais dispostos a votar na extrema-direita – 50% admitiam fazê-lo.
Em 2015, Davy e outros jovens quebraram a rotina da prestigiada Sciences Po, onde estudaram François Hollande, Jacques Chirac e José Sócrates: abriu um grupo representativo da Frente Nacional. Antes, tinha estado no Partido Socialista e no Parti de Gauche, comparável ao português Bloco de Esquerda.
O que o levou à outra ponta do espectro político? Ele, que na entrevista à Renascença cita o marxista Žižek, rejeita a geometria. “A FN é um partido um bocadinho diferente dos outros porque não é de esquerda nem de direita. É um partido que diz: tens de um lado os patriotas e do outro os mundialistas. Os que defendem a cultura francesa, as culturas europeias e os modelos sociais e, do outro lado, os que querem desfazer os países para impor a União Europeia”, argumenta.
A rejeição da União Europeia, que “está tentar matar os povos debaixo da austeridade”, vem dos tempos de militância na esquerda. Desiludiu-se com a atitude da esquerda francesa perante a UE. A esquerda pareceu-lhe já “submetida” à União Europeia, a Frente Nacional dava uma resposta mais vigorosa.
Uma conversa com Gaëtan Dussausaye, presidente da Front National Jeunesse, que lhe entregou a missão de “fazer a implantação local” da juventude partidária por “toda a França” (“eu tinha contactos em muitos sítios”), foi decisiva para alterar a forma como Davy via o partido.
Diz ele agora: a FN não é “extremista”, “racista” ou “homofóbica”, “não é nem de esquerda nem de direita”, só tem posições claras. Uma delas: “Estamos a favor de uma política de assimilação das populações que estão a chegar de África. É dizer ‘não’ a pessoas que chegam a um país e que impõem a sua cultura a esse país. Se vêm viver para a França é porque querem viver como franceses, como europeus.” O programa de Marine advoga a “assimilação republicana, princípio mais exigente do que a integração”.
“Prioridade” aos franceses
Mais à frente na conversa, Davy reforça a tese de que há bons e maus imigrantes e descendentes de imigrantes – e os portugueses estão, regra geral, entre os bons. “Os franceses com origens portuguesas estão muito mais bem assimilados do que as populações africanas”, acredita.
Hoje, conclui, a imigração tornou-se um problema. Económico (com a taxa de desemprego a rondar os 10%, a “prioridade nacional” deve imperar – mesmo que entre os imigrantes a taxa de desemprego seja o dobro, segundo dados de 2015 do instituto nacional de estatística francês) e social. “Vamos fazer uma redução drástica da imigração. Queremos chegar a 10 mil entradas por ano.” Actualmente, entram 200 mil imigrantes por ano em França.
Nas 144 medidas apresentadas por Marine Le Pen, a “prioridade nacional” traduz-se, por exemplo, numa taxa a aplicar aos trabalhadores estrangeiros. Uma medida que afectaria os cerca de 500 mil portugueses sem nacionalidade francesa – um dado que não surge no discurso de Davy.
“Nos subúrbios de Paris há muito racismo contra os brancos. Em muitos sítios os brancos são uma minoria e são discriminados por serem brancos”, garante Davy, que vive em Saint-Ouen-l'Aumône, a 27 quilómetros do centro da capital.
O “truque” de Marine
A socióloga e politóloga Nonna Mayer conhece este discurso. Recebe-nos no seu gabinete no Centro de Estudos Europeus da Universidade Sciences Po, um cubículo demasiado pequeno para tantos livros sobre extrema-direita, eleições, raça e imigração. Um separador reúne apenas escritos sobre os Le Pen e a Frente Nacional. Nonna é uma das maiores autoridades na matéria. Começou a estudar a extrema-direita francesa por volta das eleições europeias de 1984 – o primeiro resultado significativo da FN, 11% dos votos, ainda sob a alçada do pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, que foi líder até 2011.
“O truque de Marine Le Pen é focar-se exclusivamente nestes subúrbios”, alerta. Os problemas de delinquência não são o todo, mas a parte: “não se pode extrapolar para França e para todos os imigrantes”, nem sequer para todos os subúrbios, defende.
A socióloga reconhece problemas, mas foca-se nas causas. “Estamos numa situação em que é difícil conseguir atingir objectivos económicos e é mais fácil concentrar o debate político em questões de identidade”, observa. “O problema não está na assimilação, mas em dar os meios”, argumenta.
“Muitas vezes, mesmo quando têm um curso superior, por causa dos nomes e por causa dos bairros sociais de onde vêm, as pessoas não os aceitam. Há muitas provas que mostram que há discriminação. Para o empregador, não é a mesma coisa se o teu nome é Mohammed, Frédéric Dupont ou Mohammed Ben Ali. Existem problemas, mas o essencial é não concentrar a discussão na religião ou na imigração, mas sim no que podemos fazer para os ajudar a sair da miséria. Estes subúrbios desfavorecidos não são habitados apenas por imigrantes e filhos de imigrantes. Considero que o primeiro problema é económico e social.”
Imigrantes contra imigrantes
A popularidade da Frente Nacional entre a comunidade portuguesa e luso-descendente não surpreende Nonna Mayer.
“A ideia de que os benefícios sociais vão para pessoas que não os merecem – os pobres indignos e os imigrantes indignos – é uma história muito clássica, não é específica da França. Algumas pessoas dizem: ‘Como é que se pode ser imigrante e votar num partido anti-imigrantes?’ Ora, isso depende: uma pessoa pode ser imigrante, vítima de racismo e xenofobia, e ter os seus próprios bodes expiatórios, ter a sensação de que há outros imigrantes que não se comportam como deve ser. Não é assim tão ilógico votar na Marine Le Pen. Veja-se o caso de Jean-Marie Le Pen, famoso pelos seus comentários anti-semitas: mesmo assim, os inquéritos dizem que cerca de 13% das pessoas que se consideram judias votaram na Marine Le Pen em 2012.”