19 abr, 2017 - 20:44 • Carlos Calaveiras (texto) e Conceição Sampaio (vídeo)
Quando lançou a candidatura, a 16 de Novembro de 2016, Macron referiu que "a França não poderá vencer os desafios do século XXI com os mesmos homens e as mesmas ideias".
Aos 39 anos, o ex-ministro da Economia no Governo Valls e da presidência Hollande teria, segundo vários analistas, conseguido entrar em campo com o cenário perfeito para vencer a corrida presidencial em França. Tudo porque o PS francês se dividiu nas eleições directas de Janeiro (venceu Benoît Hamon, um socialista da “ala esquerda”) e também a direita passou por um processo conturbado – o favorito da direita era Alain Juppé, mas o escolhido acabou por ser François Fillon, ex-primeiro-ministro, que, entretanto, se viu envolvido numa polémica relacionada com contratações de familiares para cargos públicos.
Foi militante do PS e conselheiro de Hollande, o que lhe valeu a alcunha de “Mozart do Eliseu” (até pelo seu gosto musical), antes de chegar a ministro da Economia, cargo que abandonou quando o Presidente começou a cair nas sondagens, o que não caiu bem entre socialistas. O sentimento de “traição” agravou-se quando Macron decidiu não ir às primárias do PS e preferiu correr por fora numa espécie de terceira via centrista, com propostas que tanto podem agradar à esquerda como à direita. Apesar de estes dois factos terem sido apontados como potencialmenrte prejudiciais numa segunda volta contra Marine le Pen, Macron conseguiu bater as sondagens e vencer a Frente Nacional com uma margem de votos confortável.
As mesmas sondagens davam vantagem a Marine Le Pen na primeira volta, mas no segundo turno é o centrista que seguiria na frente em todos os estudos de opinião - o que se veio a confirmar este domingo.
Reformar um “país historicamente irreformável”
Quando, a 2 de Março, apresentou o seu programa de Governo para “recuperar o espírito de conquista e ter uma França nova”, Emmanuel Macron elencou seis prioridades para mudar um “país historicamente irreformável”: modernizar a economia, flexibilizar o mercado de trabalho, investir na educação e formação profissional, renovar a política e os políticos, reforçar a segurança e apostar na Europa, ele que é europeísta convicto.
Macron quer reformar, em dez anos, o sistema de pensões, com regras idênticas para público e privado, e acabar com os 37 diferentes regimes, como, por exemplo, os dos deputados. O recém-eleito Presidente francês quer ainda reduzir o número de parlamentares nas duas câmaras do país, limitar a possibilidade de consultorias e proibir que se contratem familiares para cargos públicos - uma farpa directa a Fillon.
Emmanuel Macron promete contratar quatro a cinco mil professores e 10 mil polícias, apesar de, no global, querer cortar 120 mil funcionários públicos e, simultaneamente, introduzir a mobilidade e remunerações individualizadas.
Dinheiro parece não faltar. O centrista tem um plano de investimento público de 50 mil milhões de euros para a transição ecológica e energética, para a formação, para os transportes e para a modernização da administração pública, entre outros sectores, e mais 10 mil milhões de euros para financiar a “indústria do futuro”. Quer, ao mesmo tempo, controlar a despesa pública e poupar 60 mil milhões até 2022.
E é este equilíbrio que levanta dúvidas a adversários e comentadores. É que o antigo ministro da Economia também defende o fim do imposto sobre a habitação (IMI, em Portugal) para 80% das famílias até 2020, reduzir impostos locais e dar incentivos financeiros às empresas que contratem nos bairros desfavorecidos. Propõe também o fim da jornada semanal de 35 horas para os jovens.
Um "roteiro" contra o terror
Para além das dúvidas quanto à política económica, outra das críticas que se aponta a Macron é a sua alegada falta de experiência internacional, que ficaria ainda mais exposta no regime presidencialista francês em que a política externa e de defesa são competência do inquilino do palácio do Eliseu.
Precisamente na segurança, Emmanuel Macron defende a criação de um estado-maior para a segurança e a luta contra o terrorismo junto da presidência, abrir mais 15 mil vagas nas cadeias e – já fora do programa eleitoral original - reinstaurar o serviço militar obrigatório de um mês. Defende ainda um "roteiro internacional" para combater o extremismo islâmico e o aumento da despesa em Defesa para 2% do PIB, respondendo a uma exigência da Administração Trump.
Em entrevista à RFI, o líder do movimento Em Marcha (que tem as iniciais do seu nome) admitiu que “a França tem actualmente um inimigo, que são os terroristas do Estado Islâmico, e o povo sírio tem um inimigo, que é o Presidente Bashar al-Assad. Também somos vítimas da guerra na Síria, seja por causa do terrorismo ou da imigração”, referiu.
Na política europeia, o antigo banqueiro reforça que a União Europeia não pode sobreviver “sem uma verdadeira estratégia europeia“ e quer “dar um novo impulso ao mercado único”.
Para reforçar a sua diferença em relação às posições da extremista Marine le Pen, a sua principal adversária, Macron deixou no seu programa a reafirmação vaga de que a França deve ser um país multicultural, com respeito pela diversidade.
Já usou como lema o mesmo da revolução francesa (“Liberdade, igualdade, fraternidade") e visitou o túmulo de Joana d’Arc, habitualmente um exclusivo da Frente Nacional.
Para lá da política
Estudou numa escola privada dos Jesuítas, mas terminou o secundário no Liceu Henrique IV, onde conheceu Brigitte Trogneux, professora de francês e teatro, que hoje é a sua mulher. A diferença de idades, 24 anos, levantou polémica com os pais de Emmanuel, ambos médicos e professores, e levou-os a mudarem o filho de cidade para evitar contactos com a docente. O casamento mantém-se e nem uma acusação de que Macron é homossexual conseguiu beliscar a relação. Tem um irmão e uma irmã.
Concluiu a licenciatura em Filosofia antes de entrar na famosa École Nationale d’Administration, de onde têm saído os principais quadros do país. Foi depois para a Inspecção-Geral de Finanças antes de trabalhar no Banco de Investimento dos Rothschild.
Em 2011, publicou o ensaio “Os Labirintos do Poder: como conciliar os imperativos de curto prazo e a necessidade de reformas de longo prazo" no qual escreve sobre os poderes presidenciais e as suas limitações.
Desde pequeno que é leitor compulsivo, consumindo temas que vão da história à economia, da filosofia à literatura, e diz-se apaixonado pelo debate político. Ao mesmo tempo, imitava cantores como Georges Brassens ou Georges Moustaki. Nos tempos livres gosta de tocar piano, de dançar tango e de coleccionar ampulhetas.
[Artigo actualizado às 19h44 de 7 de Maio]