Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

O que está em causa no corte de relações com o Qatar?

05 jun, 2017 - 14:08 • Rui Barros , Pedro Mesquita

A decisão do corte de relações diplomáticas com o Qatar por, alegadamente, contribuir para o financiamento de actividades terroristas acentuou um conflito latente que opõe duas grandes potências locais. Perceba o que está em causa.

A+ / A-

Bahrain, Egipto, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Iémen e Líbia anunciaram, esta segunda-feira, o corte de relações com o Qatar, acusando o país vizinho de apoiar actividade terrorista.

Para além da retirada dos diplomatas deste que é o maior produtor de gás natural liquefeito, os países da região do Golfo anunciaram a interrupção das ligações aéreas e marítimas naquilo que está a ser visto como o "estalar do verniz" no Golfo Pérsico.

Perceba o que está em causa neste conflito diplomático e as consequências que esta decisão pode ter para a estabilidade da região.


O que causou este abalo sísmico nas relações entre os países do Golfo?

A crise diplomática que agora opõe Qatar a outros países da esfera de influência da Arábia Saudita tem origem em alegadas declarações feitas pelo emir do Qatar, Tamim bin Hamad al-Thani, publicadas no site da agência de notícias deste país.

O emir é citado a elogiar o Irão como “um poder islâmico” rival da Arábia Saudita, defendendo não existirem razões para uma “hostilidade árabe face ao Irão”, e como tendo elogiado o Hezbollah - movimento xiita pró-iraniano.

As declarações terão causado desagrado nas elites da Arábia Saudita, o maior país da Península Arábica, que há muito disputa uma “guerra fria” à pequena escala com o Irão. Os dois países disputam a liderança política e económica da região e apoiam diferentes facções rivais nos conflitos da Síria, Iémen e Iraque.

Ainda que as autoridades do Qatar tenham negado a veracidade das declarações - Doha veio a público dizer que as declarações terão sido publicadas por hackers no site da agência estatal - o elogio ao país do outro lado do Golfo Pérsico de maioria xiita não caiu bem na cúpula de Riade, o que terá levado Bahrain, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Iémen e Líbia a seguirem-lhe o exemplo.

Estamos então a falar de mais um conflito entre sunitas e xiitas?

A divisão histórica entre sunitas e xiitas desempenhará um grande papel neste conflito latente no Golfo Pérsico, mas não explica tudo. Ainda que Arábia Saudita e Irão sejam, respectivamente, países sunitas e xiitas, é a disputa pela liderança do bloco geopolítico do Médio Oriente que está em causa.

Na opinião de Ana Santos Silva, investigadora do Instituto Português das Relações Internacionais, ouvida pela Renascença, o argumento do apoio do Qatar a facções terroristas “é uma razão secundária, tendo em conta aquilo que é a relação entre os países do Golfo Pérsico”, já que a investigadora entende esta decisão como uma sanção a uma tentativa de saída do Qatar da esfera de influência da Arábia Saudita.

De facto, nos últimos anos, o Qatar tem vindo a afirmar-se com uma política externa própria e tomando posições opostas às da Arábia Saudita, o grande líder regional que até então tinha o Qatar debaixo da sua esfera de influência.

"Esta razão que é agora apresentada de forma pública depois da divulgação de uma alegada conversa pelo Emir do Qatar parece-me ser uma posição mais pública daquilo que é uma divisão que há muito vem a separar os países da Organização para a Cooperação do Golfo", entende a investigadora.

Mas o Qatar financia efectivamente grupos terroristas?

"De forma directa e formal", defende Ana Santos Silva, não é possível provar que algum dos países no Golfo Pérsico a financiar grupos terroristas.

Ainda assim, para a professora universitária, a estrutura política e económica do Golfo Pérsico permite, isso sim, que "uma boa parte das suas elites tenha diversas relações regionais", que passam muitas vezes por "apoio e financiamento", mas também por "transferência de armamento".

Essa complexa rede de apoios não nos permite "olhar como um todo" para cada um dos países.

De que forma os Estados Unidos surgem neste conflito?

O escalar do conflito diplomático no Golfo do Pérsico acontece 15 dias depois da visita de Donald Trump a esta região. Durante a visita, o Presidente dos Estados Unidos pediu aos países muçulmanos para “liderar o combate à radicalização” e ao terrorismo. Esta tomada de decisão por parte da Arábia Saudita e aliados poderá ser lida como uma resposta ao pedido de Donald Trump.

Trump pede aos países muçulmanos que "corram com os extremistas da face da Terra"
Trump pede aos países muçulmanos que "corram com os extremistas da face da Terra"

Ainda assim Rex Tillerson, secretário de Estado da Administração Trump já reagiu, defendendo não esperar que esta decisão tenha efeito significativo na luta contra o Estado Islâmico.

É a primeira vez que uma tensão deste género acontece no Golfo Pérsico?

Não. Em 2014 um conflito semelhante opôs Qatar e a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrain. Nessa altura os embaixadores destes países saíram temporariamente do Qatar depois do governo de Doha ter declarado o apoio a um governo da Irmandade Islâmica no Egipto.

Já na altura esta tomada de decisão diplomática foi lida como um sinal de isolamento por parte do Qatar na esfera de relações no Golfo Pérsico.

Mais recentemente, e quase como um pré-anuncio deste conflito diplomático, o canal de televisão Al Jazeera, com sede no Qatar, foi bloqueado na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos já como consequência das alegadas declarações do emir do Qatar.

Que consequências pode ter este escalar de conflito entre Qatar e Arábia Saudita?

Com uma população de cerca de 2.7 milhões, aquele que é o país com o maior valor de PIB per capita poderá ver a sua única rota por terra de importação de alimentos caso as fronteiras sejam fechadas amanhã, como está previsto. De acordo com a Al Jazeera, já há filas de camiões com mantimento barrados na fronteira entre o Qatar e a Arábia Saudita.

A decisão do bloco político liderado pela Arábia Saudita coloca em causa a actividade de um conjunto de companhias aéreas como a Emiraites Airlines e a Etihad Airway, que já anunciaram a suspensão dos voos com destino e partida do Qatar.

Esta decisão pode também fazer disparar ao preço dos combustíveis. O preço do barril de "brent" recuperou valor logo após o anúncio do bloqueio diplomático ao Qatar, encontrando-se a ser negociado a 50,31 dólares americanos. Analistas citados pela agência Reuters entendem ser demasiado cedo para fazer qualquer tipo de previsão em relação ao preço do gás natural liquefeito.

Caso este aquecer das relações diplomáticas se prolongue, há ainda a questão da organização do campeonato do mundo de futebol em 2022, atribuída ao Qatar. A organização que tutela o futebol mundial disse estar em “contacto regular” com o Qatar, mas informou que não tecerá nenhum comentário sobre a questão.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Maria Fontes
    06 jun, 2017 Mangualde 14:27
    Há bem pouco tempo falei da visita de Costa ao Quatar.Disse que esta visita era contra a corrente actual vivida no Quatar.Costa foi gastou e que trouxe? uma mâo cheia de nada.E quanto ao terrorismo foi bom ter ido? Julgo que não.Agora vemos quem é o País que mais proteje o terrorismo e o subsidia. Vamos parar e aguardar para ver o que costa ganhou em ter ido ao Quatar.
  • Elsa
    06 jun, 2017 Braga 07:02
    É tudo muito simples. A arabia saudita, o principal financiador do estado islámico em termos de armas, não curte o Irão e sempre que alguem se lembra de dizer que o Irão não é o bicho-papão que andam sempre a pintar faz birra. Aliás, esse grupo de países não gostar do Qatar é mais uma razão para as pessoas civilizadas gostarem do Qatar. Ainda para mais com o Mundial a ser realizado lá daqui a uns anos.
  • Tristão Soares
    05 jun, 2017 Setúbal 22:30
    Todos sabemos que muitos Países da região apoiam grupos armados que combatem governos " legítimos" locais, de interesses vários, que penso ser em nome dos grandes interesses económicos e financeiros. Uma guerra de influências.
  • Zé Ninguém
    05 jun, 2017 Águeda 22:29
    Sendo os USA o maior produtor de gás de xisto e tendo estado o Sr Trump naqueles países há pouco tempo a negociar sabe-se lá o quê, desconfio que haverá uma "mãozinha " americana nesta história. Como ao Sr Trump só interessa a economia americana, retirar o Qatar do mercado do gás só beneficia a produção americana. Vamos ver os próximos episódios. ...
  • Jose
    05 jun, 2017 suissa 21:50
    sunitas / xiitas
  • Rocfer
    05 jun, 2017 Coimbra 19:52
    Realmente há que começar a chamar os bois pelos nomes...não chega já de hipocrisia? Se querem paz...não se vende armas!!! Vamos culpar quem as vende...e quem assumidamente diz que o faz. Há que criar conflitos para que as economias da França, Inglaterra, Alemanha, estados Unidos proliferem. Nem quero saber de conflitos religiosos seculares entre sunitas, xiitas ( o mal menor de todos) e outros credos religiosos medievais e que apenas despertam incredulidade nas sociedades ocidentais do século XXI. Aquelas gentes, quando acabar o petróleo, ou mais uma vez, quando os hipócritas que gerem a economia mundial (e são os mesmos mencionados acima), se decidirem pelo uso das energias renováveis, como o SOL ( agora não interessa porque é de todos...mas lá há-de aparecer, um dia, uma taxa de utilização da luz solar) vão ficar com os países a pão e água...porque o dinheiro está nas mãos de uma meia dúzia. Não tenho dúvidas de que a culpa...começou por ser essencialmente britânica e francesa por desenharem mal as fronteiras de pseudo-estados que vivem em regimes tribais, criaram as assimetrias e agora vendem armas por detrás...e criticam pela frente. Que mundo de porcaria...
  • Manel da Bairrada
    05 jun, 2017 Portugal 18:16
    Dividir para reinar... Mais do mesmo! Pôr o dedo na ferida doí que se farta para essas bandas... Mostrar a barbaridade que se fez, faz e fará ao Irão, desde que eles decidiram tomar conta dos seus recursos, à revelia dos ingleses, parece ser crime supremo! O antagonismo entre Sunistas e Xiistas parece que vai fazer mais uma "vítima"... Curioso, fala-se muito de falta de democracia, de intolerância religiosa, de atentados aos direitos humanos e tiranias mas pouco nada se fala da "primavera árabe" reprimida no Bahrain! Pouco ou nada se fala dos direitos humanos na Arábia Saudita! Pouco ou nada se fala da barbárie no conflito do Iémem! Já sobre a Síria, a visão/leitura ocidental do conflito é amplamente difundida! A que se deve esta dualidade de critérios no jornalismo, RR incluída? Perguntem aos cristãos que sofrem no médio-oriente onde é que encontravam o oásis de tolerância religiosa, talvez fiquem surpresos... Sociedades ignorantes são facilmente manipuladas e incapazes de "auditarem" as politicas impostas pelos governantes eleitos. Por falar em governos eleitos, o Irão teve uma das primeiras democracias nessa região, antes da actual democracia, porque foi derrubada? Obama, ainda que superficialmente reconheceu o papel americano nessa vergonha. Recentemente Trump "convidou" os lideres de vários países do muculmanos a expulsarem os apoiantes do terrorismo, certamente que sabia quem eles são! Não parece que o estado islâmico e al nosra sejam de inspiração Xiita...
  • silva
    05 jun, 2017 coimbra 17:36
    É evidente que a CIA está por traz disto tudo.. Vamos esperar para ver o segundo episódio.
  • 05 jun, 2017 17:30
    E quem é o vencedor da divisão entre raças e relegiões? Globalização de quê? Já sei, dos interesses de grandes empresas. Enquanto andarmos a alimentar tretas de relegiões e de raças, não passaremos de criancinhas crescidas tontinhas a defender aquilo que trava o crescimento civilizacional da humanidade e a sua evoluição. Há pois!!! Tantas são as organizações a dividirem tudo e mais alguma coisa a promoverem a indústria das gravatas em prol da amenésia humana. Viva Trump e os seus admiradores, viva a indústria 4 e 5 e ..., viva tudo o que possa dar milhões, viva a liberdade do poder pelo poder e esquçam lá as utupias humanas porque afinal de contas "O homem esse desconhecido" um dia será ignorado pela intelegência artificial se conseguir sobreviver à sua própria destruição. Podiam começar a enviar menságens para o universo para que se um dia forem recebidas algum ser um pouco mais intelegente possa compreender a nossa historia e o porquê de sermos tão pequeninos na capacidade de compreender o sentido real da nossa existência. Com o devido respeito por todas as raças, relegiões, organizações, gravatas, enter outros. Comentário não sugeito a custos ou taxas para leitura. A ver se conseguimos subreviver e enquanto governar significar, lutar por relegiões, raças e outros programas primários, esqueçam as utupias da razão.
  • André
    05 jun, 2017 Lisboa 17:14
    Com o aumento de tensão em vários ramos, os países árabes está a montar a sua estrutura e à procura de aliados. No Yemen, 2 grupos de mílicias locais, de uma forma inesperada, ganharam acesso a tanques, mísseis de curto alcance, aviões e metralhadoras de alto calibre, para além de invadirem 2 cidades em pouco mais de 7 horas, conseguindo eliminar todas as forças policiais e militares lá presentes. 7 dos mísseis disparados contra navios americanos, depois de abatidos os destroços foram recolhidos do mar e eram mísseis do Irão, fabricados nos anos 80, com a ajuda da Rússia e mantidos em contratos com empresas chinesas. Também terão sido armas anti-aéreas do Irão que foram usadas para abater 2 caças sauditas, já que o Yemen não tinha armamento capaz de atingir aviões de combate. Com as incursões militares americanas que terão eliminado mais de 1000 milicianos em Saná, agora temos os países a aproveitar a onda para fazer o Qatar decidir para que lado se querem virar. E não é por mero acaso, é que com o Daesh a aproveitar pequenas facções existentes em cada país árabe, mesmo que sejam de religiões opostas (como é o caso no Egipto ou na Líbia), querem cortar todas as fontes de financiamento aos grupos milicianos. Sendo assim, aproveitaram uma escorregadela do emir para os encostarem à parede.

Destaques V+