12 jul, 2017 - 14:16 • Sérgio Costa
“Dêem uma chance ao Charlie” é o apelo emotivo e desesperado dos pais de Charlie Gard. Charlie é um bebé de apenas 10 meses que está internado em Londres. Sofre de uma doença genética rara e terminal.
Até há pouco tempo, o hospital dizia não haver qualquer possibilidade de recuperação ou sobrevivência e sugeriu que se desligasse o suporte artificial que mantém o recém-nascido com vida.
Os pais não aceitaram e o caso foi parar aos tribunais, mas a justiça britânica colocou-se do lado do hospital. Os pais recorreram, então, ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que valida a decisão da justiça britânica.
O caso tem atingido um enorme mediatismo e, depois de terem surgido sugestões por parte de especialistas médicos de fora do Reino Unido e de o Papa Francisco e Donald Trump terem feitos apelos nas redes sociais, o hospital diz-se disposto a reavaliar a situação e adiou o desligar das máquinas, inicialmente previsto para o final de Junho.
Segundo a mãe do Charlie, Connie Yeates, há agora uma nova ideia das hipóteses da criança. “Há novas evidências. Anteriormente disseram-nos que a possibilidade de sobrevivência estava próxima do zero, pelo que seria tempo perdido luar pelo Charlie. Agora essa possibilidade subiu para 10% e temos 10 médicos que nos apoiam, dois dos Estados Unidos, dois de Itália, um de Inglaterra e dois de Espanha. São especialistas no caso do Charlie.”
“Espero que todos compreendam que ele tem uma possibilidade. Sempre soube que ele tinha hipóteses de sobrevivência e agora são mais elevadas. É isso que espero para o meu filho”, conclui.
Para Ana Sofia Carvalho, presidente do Instituto de Bioética da Universidade Católica, este é um caso difícil em que já existe pouco de eticamente aceitável.
Do ponto de vista da bioética, que tem a dizer sobre este caso?
Nada deste caso é eticamente aceitável. Há uma deterioração muito significativa daquilo que é a relação do médico com o seu doente ou com a família do seu doente. Isso é o que eu acho importante sublinhar em primeiro lugar neste caso.
A relação médico-doente é essencialmente uma relação de confiança mútua e neste caso há uma descoordenação total entre aquilo que é percepção e o sentir da equipa de saúde e dos pais.
Depois a questão de ser um tribunal a tomar a decisão. Não se tem conhecimento de situações idênticas em Portugal, mas isto é uma decisão que deve ser privada e que deve ser descomprometida de tudo o que está a acontecer à volta de uma questão tão sensível, tão delicada e que fere a dignidade de tanta gente.
Referiu que não há casos idênticos em Portugal, mas há aqui uma decisão judicial de um tribunal europeu. É compreensível?
Falando num contexto mais geral, não tão específico: os pais não são donos de nenhuma criança.
Os pais consentem pela criança enquanto representantes do melhor interesse daquela criança e, portanto, é isso no fundo que está aqui em conflito. A questão aqui coloca-se de como é que se define o melhor interesse da criança. Claro que se me perguntar se o melhor interesse da criança é morrer para mim é uma circunstância estranha, mas isso é uma opinião pessoal.
Aquilo em que se baseia no fundo a decisão dos tribunais britânicos e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é exactamente na questão de eles acharem que estar a prolongar a vida daquela criança está-lhe a causar imenso dano e imenso sofrimento.
Mas havendo médicos que dizem que podem tentar um processo de cura ou, pelo menos, para atenuar o sofrimento, havendo um hospital em Roma que está disponível para acolher a criança, não deveria a própria justiça ser mais sensível e os próprios clínicos britânicos serem mais sensíveis a esta disponibilidade por parte de outras entidades?
Pessoalmente acho que sim, mas a minha opinião é uma opinião que tem por base um referencial de valores que, com certeza, é diferente do das pessoas que tomaram essa decisão.
Realmente aquela criança tem um prognóstico muito fechado. Eu estive a ver a decisão do Tribunal Europeu. O tribunal fez imensas audições a médicos de todo o mundo, no sentido de dizer que não há hipótese de cura. Claro que há sempre situações de milagre e há sempre situações em que eventualmente há uma hipótese muito remota de serem curadas e é a isso que os pais, no fundo, se agarram.
Se realmente o hospital e os tribunais acham que se devia desligar e se querem desvincular de alguma tensão relativamente a esse caso, então que deixem a criança sair. No fundo o argumento deles é que qualquer situação vai violar o melhor interesse da criança, porque o melhor interesse da criança é morrer para acabar com o sofrimento e com a dor.
Acredita que em Portugal se surgisse um caso idêntico a situação seria semelhante ou a condução da situação seria diferente?
Acho que seria diferente. Há problemas seríssimos em Portugal também relativamente à relação médico-doente. Em muitas situações há problemas sérios que têm que ser uma prioridade e tem que se começar a pensar realmente que a medicina é para estar centrada no doente, não é para estar centrada na evidência científica.
A questão é que eu acho que pela maneira de ser dos médicos, dos profissionais de saúde em Portugal – principalmente ligados à pediatria – faria com que uma situação destas não aconteceria em Portugal.