09 ago, 2017 - 18:47 • Ricardo Vieira
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Os Estados Unidos e a Coreia do Norte estão envolvidos numa guerra de palavras e numa troca de ameaças sem precedentes nos últimos anos. Esta terça-feira, Donald Trump afirmou ser "melhor que a Coreia do Norte não faça mais ameaças aos Estados Unidos", caso contrário enfrentará "fogo e fúria como o mundo nunca viu”. Mas quais são os verdadeiros riscos de um conflito armado?
Jean Lee liderou a delegação da Associated Press em Pyongyang e conhece bem o país. Em declarações ao jornal britânico “The Guardian”, diz que “ninguém na região, mesmo a Coreia do Norte, quer outra guerra”.
O líder norte-coreano, Kim Jong-un, vai continuar a esticar a corda até atingir os seus objectivos: ser reconhecido como uma potência nuclear por Washington e legitimar-se internamente como o soberano que defende o seu povo contra os “grandes e maus Estados Unidos”, afirma a colaboradora do Wilson Center.
Apesar da retórica agressiva, Kunihiko Miyake, investigador-chefe no The Canon Institute for Global Studies, acredita que “a Coreia do Norte não vai atacar. Eles não são suicidas”.
Em declarações à agência Reuters, o antigo diplomata japonês diz que Pyongyang quer ter armas para conseguir negociar um acordo de paz com os Estados Unidos a partir de uma “posição de força”.
“Dois arruaceiros no recreio”
O Presidente norte-americano, Donald Trump, ameaçou esta semana com “fogo e fúria nunca vistos” se o regime a Coreia do Norte pisar a linha vermelha e ameaçar os Estados Unidos.
Logo após o aviso musculado, Pyongyang fez saber que está a estudar a hipótese de atacar o território americano de Guam, no Oceano Pacífico, onde está instalada uma base militar. Esta quarta-feira, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, pôs alguma água na fervura: "O que o Presidente está a fazer é a enviar uma mensagem forte à Coreia do Norte numa linguagem que Kim Jong-un compreenda, porque ele parece não compreender a linguagem diplomática."
Robert Kelly, professor na Universidade de Pusan, na Coreia do Sul, compara Trump e Kim a “dois arruaceiros no recreio a gritar um com o outro”.
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“Os norte-coreanos não vão atacar unilateralmente uma base americana ou os Estados Unidos sem serem provocados, porque a retaliação americana seria esmagadora. Os norte-coreanos não são estúpidos. As suas armas nucleares são para defesa, não para ataque”, sublinha.
Seguro de vida
Kim Jong-un não quer ter o mesmo fim trágico que Saddam Hussein, do Iraque, ou Muammar Kadafi, da Líbia, e o programa nuclear é uma espécie de seguro de vida, argumenta Robert Kelly.
A escala verbal de Donald Trump também é uma forma de diferenciação em relação ao legado de Barack Obama, defende Cha Du-hyeogn, investigador do Instituto Asiático de Estudos Políticos.
“Trump provavelmente utilizou a expressão agressiva 'fogo e fúria' para defender a sua própria política externa, que tem sido criticada por muitos, e alguns pensam que a posição de Trump é semelhante à ‘estratégia de paciência’ de Obama para a Coreia do Norte”, refere Cha Du-hyeogn.
O papel da China
A guerra que dividiu a Península Coreana ao meio na zona do paralelo 38 terminou em 1953, mas nunca foi assinado um acordo a formalizar a paz entre o Norte e o Sul, e o aliado norte-americano.
Sun Zhe, investigador da Universidade de Columbia, afirma que, se os Estados Unidos passarem das palavras aos actos, a opção passará por ataques selectivos contra alvos militares e não por uma invasão terrestre e um frente a frente com o quarto maior exército do mundo.
A China, vizinha e principal aliada da Coreia do Norte, “não está preparada para ver os Estados Unidos a atravessarem o paralelo 38”, refere Sun Zhe.
“O que Pequim discute é mais uma decapitação, a destruição das instalações militares ou de mísseis, e o envio de tropas para reforçar a fronteira por causa dos refugiados e como medida de precaução para evitar uma guerra. Também irá discutir o problema com a Rússia. Ainda não estamos num ponto de não retorno”, adianta o investigador.
“Norte-coreanos não estão interessados na diplomacia”
O conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, no sábado, novas sanções contra a Coreia do Norte no valor de 2,5 mil milhões de euros, apertando ainda o garrote à economia de sobrevivência de Pyongyang.
Em declarações ao “The Guardian”, Andrew O’Neil, perito em mísseis balísticos e professor na Universidade de Griffith, constata que as sanções dos últimos anos não conseguiram travar o programa nuclear de Kim Jong-un.
E a diplomacia também não tem feito progressos. Andrei Lankov, da Universidade de Kookmin, em Seul, espera mais linguagem “colorida” de Trump e da máquina de propaganda de Pyongyang.
“Há uma pequena probabilidade de conflito. Mas os norte-coreanos não estão interessados na diplomacia: eles querem ter a capacidade de apagar Chicago do mapa primeiro e, então, poderão estar interessados numa situação diplomática. Eles terão essa capacidade dentro de poucos anos”, adverte o também director do site NK News, especializado em temas da Coreia do Norte.
“Quando a Coreia do Norte concluir o desenvolvimento de uma força nuclear capaz de atingir os Estados Unidos, poderá então estar preparada para conversações. Os Estados Unidos devem aceitar esta opção”, defende Andrei Lankov.