28 set, 2017 - 00:00 • Eunice Lourenço (Renascença) e David Dinis (Público)
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O novo Presidente angolano deve livrar-se da "canga pesada" que tem aos ombros. Essa "canga", como lhe chama João Soares, são os filhos de José Eduardo Santos. O deputado socialista, profundo conhecedor da política angolana e apoiante da UNITA, continua a achar que as eleições foram uma fraude, mas deseja felicidades a João Lourenço.
Esta semana tomou posse João Lourenço, o novo Presidente de Angola. O Presidente português esteve lá. Percebeu se foi uma ovação ou foi uma assobiadela, que recebeu?
Pareceu-me que foi as duas coisas, houve quem aclamasse e houve quem assobiasse. Mas acho que a presença do Presidente português foi positiva, de afirmação daquilo que é a relação tão especial que existe entre Portugal e Angola. Eu desejo as maiores felicidades ao Presidente que acaba de ser empossado. Não usei a expressão recém-eleito, tenho as maiores dúvidas quanto à forma como decorreu o processo eleitoral, mas, enfim, de qualquer forma está empossado. E é uma transição que é muito importante, porque o Presidente José Eduardo dos Santos ultrapassou o período de poder de António de Oliveira Salazar em Portugal. É uma mudança e eu espero que seja uma mudança para melhor. Acho que o João Lourenço tem que ser capaz de sacudir a canga que tem em cima dos ombros.
António Costa disse que as relações com Angola são excelentes, mas no discurso de posse João Lourenço deixou Portugal de fora da lista dos principais parceiros. Acha que isto tem significado?
É uma picardia inútil não referir Portugal. As relações entre Angola e Portugal são absolutamente incontornáveis e têm uma componente afetiva muitíssimo grande. E por isso é que vivemos também com tanta intensidade, às vezes, as desavenças políticas domésticas de cada um de nós.
O jornal i divulgou uma nota de repúdio do Governo angolano, enviada ao nosso MNE, em que as autoridades portuguesas são acusadas de enveredarem por uma via política que se traduz num ato inamistoso, tudo isto por causa das acusações do Ministério Público ao ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente. Como é que Portugal deve responder?
A nota é um disparate, não faz nenhum sentido e não fica para a história. O que é preciso é que a justiça portuguesa prossiga o seu curso no quadro democrático que é o nosso desde o 25 de Abril de 1974 e que os angolanos saibam respeitar aquilo que são as nossas regras de jogo consagradas em eleições livres e transparentes. Pudessem eles gabar-se do mesmo, no que diz respeito a Angola, mas estão a fazer o seu caminho sobre essa matéria…
Seria melhor não responder?
O que é preciso é que o João Lourenço dê sinal de que quer libertar-se da canga que tem em cima dos ombros que é bem pesada e quer ser, de facto, um presidente e não apenas alguém que foi indicado por quem lá esteve durante 40 e tal anos.
Como é que ele se pode libertar dessa canga?
Olhe, com gestos simples: nomear uma outra pessoa para gerir o fundo soberano de Angola, que é um fundo que gere muitos milhões de dólares que eles lá não trabalham com euros, trabalham com dólares, e que é manifestamente uma pessoa incapaz e que foi colocada lá por razões de nepotismo, que é um dos filhos do José Eduardo dos Santos.
E na Sonangol também?
E pois, já agora, na Sonangol também, também fizesse sentido. Talvez ela [Isabel dos Santos] se pudesse concentrar mais nas empresas que tem em Portugal.
Passando de Angola para a Europa: como é que está a ver o que se está a passar na Catalunha?
Com muita preocupação, é mais um sinal terrível do estado de decadência em que está o projeto europeu. Considero um disparate inacreditável criar novas fronteiras num quadro europeu. Nos países do Leste da Europa isso aconteceu. Há um exemplo que eu gosto de citar porque é um exemplo, para mim, trágico de como se partiu um país que podia ser hoje um país com peso e com uma dimensão considerável no quadro da Europa, que é a antiga Jugoslávia. Eu tive o privilégio e a felicidade de assistir ao nascimento do último pequeno país independente do século XXI, que é o Montenegro, e… quer dizer, fazer a mesma coisa na Catalunha hoje seria um disparate.
Podia ser o início de um processo que se estenderia ao País Basco até à Galiza?
Claro, mas isso é óbvio. Talvez até à Galiza primeiro do que ao País Basco porque as coisas no País Basco estão um pouco mais estabilizadas. Eu já tive a oportunidade de estar com gente que se reclamava da independência da Catalunha, e aquilo tem uma matriz que é profundamente egoísta e nada solidária, que dizer assim: nós, Catalunha, somos mais ricos e estamos a pagar àqueles que mais precisam dentro da Espanha. Isto dito, Madrid está a arranjar um sarilho, a proceder mal com tentações de violência, estão a dar força aos movimentos independentistas e estão a sentir um bocadinho como se os Filipes ainda governassem…